Acórdão nº 4488/11.6TBLRA-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução29 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Por apenso aos autos de insolvência de A (…), S. A.

[1], pendentes no Tribunal Judicial de Leiria, veio S (…), Lda., propor acção de verificação ulterior de créditos ou de outros direitos, ao abrigo do disposto no art.º 146º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[2], aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, contra “A (…) Lda.”, “Massa Insolvente da A (…), Lda. (representada pelo Administrador da Insolvência)” e “Credores da Massa Insolvente A (…), Lda.”[3], formulando o seguinte pedido: a) Ser o contrato-promessa de dação em pagamento, melhor identificado no ponto 1º da presente petição e respectivos aditamentos, ser considerado resolvido e definitivamente incumprido pela insolvente; b) ser reconhecida a tradição do imóvel objecto do citado contrato-promessa para a A.; c) Ser reconhecido à A. o direito de retenção sobre a citação fracção (…) e, em conformidade, ser o crédito da A. já reconhecido no montante de 132 452,03 € verificado e graduado no lugar que lhe competir.

O Mm.º Juiz a quo, perante a alegação contida na petição inicial (p. i.) e o enquadramento que teve por adequado, ao abrigo das disposições conjugadas dos art.ºs 146º, do CIRE, 234º e 234º-A, do CPC, e por o pedido ser manifestamente improcedente, inferiu liminarmente a presente acção.

Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - A acção está instruída por um conjunto de factos que impunham que se desse de imediato cumprimento à citação do Administrador da Insolvência, da própria massa insolvente, dos credores e da devedora para tomarem posição sobre a relação contratual em causa.

  1. - A própria acção encerra um conjunto de pedidos que impõem, pelo menos, além da análise crítica dos documentos juntos, a realização de julgamento, caso algum dos citandos tome posição sobre os factos alegados na p. i..

  2. - Além de violar o disposto no art.º 146º, do CIRE, o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” violou ainda o disposto no art.º 234º-A, do Código de Processo Civil (CPC), ao indeferir liminarmente a petição.

  3. - O Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” tomou logo uma posição sobre as questões de fundo trazidas aos autos, sem a análise crítica e fundamentada de todos os elementos probatórios - formou a sua convicção limitando-se a ler a p. i., bem sabendo que estava a entrar em questões trazidas pela recorrente que há muito são debatidas pela Doutrina e pela Jurisprudência e que por esse facto, à partida, nunca poderiam ser objecto de um juízo imediato.

  4. - Pela análise e leitura da p. i. constata-se que foram alegados factos assentes numa relação jurídica concreta de onde não resulta uma evidente inutilidade de qualquer instrução e que seja inequívoco que as pretensões da recorrente nunca poderiam proceder, qualquer que fosse a interpretação jurídica a operar.

  5. - O Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” errou ao considerar que o contrato firmado entre a insolvente e a recorrente não estava incumprido, que não houve sinal, que ao contrato-promessa invocado não era aplicado o regime do art.º 442º do Código Civil (CC) ex vi do art.º 755º, do mesmo diploma legal, e que não podia aqui prevalecer o direito de retenção invocado pela recorrente e que, mesmo que se assim entendesse, tal direito só podia tutelar os consumidores.

  6. - O contrato de promessa de dação em pagamento constante dos autos correspondeu aos termos exactos pretendidos e delimitados pelas partes para a celebração e concretização do negócio, e houve uma prestação que funcionou como uma verdadeira confirmação da celebração do contrato.

  7. - Goza do direito de retenção o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido.

  8. - O titular do direito de retenção é o beneficiário de qualquer contrato-promessa com traditio rei – coisa móvel ou imóvel, rústica ou urbana, para habitação, comércio, indústria, etc. – e não só do contrato-promessa previsto no art.º 410º, n.º 3, do CC.

  9. - O direito de retenção existe para garantia do crédito resultante do não cumprimento imputável à parte que promete transmitir ou constituir um direito real - está em causa o crédito (dobro do sinal, valor da coisa, indemnização convencionada, nos termos do art.º 442º, n.º 4, CC) derivado do contrato definitivo.

  10. - Nos presentes autos dúvidas não há que no contrato houve tradição da coisa – desde 09.7.2008 -, após a celebração de um “aditamento” onde a insolvente entregou as chaves do imóvel à A., tendo esta passado a agir como se fosse sua proprietária.

  11. - A ocupação da coisa por motivo da sua tradição traduziu-se numa antecipação dos efeitos do contrato prometido.

  12. - A apelante, após várias interpelações à insolvente, concedeu à mesma, mediante comunicação via fax expedida em 07.7.2011, o prazo de 3 dias para que diligenciasse pela realização do contrato definitivo (interpelação admonitória).

  13. - Tendo em conta que face a essa interpelação a insolvente respondeu com o “silêncio”, considerou-se definitivamente incumprido o contrato-promessa de dação em pagamento que as partes haviam subscrito e ao qual se haviam vinculado.

  14. - Constituindo o direito de retenção um direito real de garantia (do crédito resultante do incumprimento imputável à parte que promete), o que está em causa é o crédito derivado do incumprimento do contrato definitivo - no contrato-promessa de transmissão ou de constituição de um direito real, desde que tenha havido tradição da coisa, independentemente de ter havido sinal, o incumprimento por parte da insolvente dá à recorrente o direito a exigir, a título de indemnização, o valor actual do direito não transmitido.

  15. - A A./apelante, em virtude de ter celebrado um contrato-promessa de dação em pagamento, goza do direito de retenção que lhe é concedido pelo art.º 755º, n.º 1, f), do CC.

  16. - O entendimento do Mm.º Juiz ao qualificar apenas os consumidores como titulares de um eventual direito de retenção é inconstitucional, já que viola o princípio constante no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa, ao tratar de forma diferente situações que a lei não quis distinguir.

  17. - Tal consideração afasta-se dos princípios que nortearam a construção legal do direito de retenção, nomeadamente os princípios da equidade e de boa fé que vigoram no ordenamento jurídico português.

  18. - O legislador procurou não só tutelar os interesses do consumidor mas também de todos aqueles que celebraram o contrato-promessa de transmissão de um bem imóvel, pois se assim não fosse a redacção da lei não comportaria a possibilidade de estender a sua interpretação a todos os contratos prometidos que teriam por objecto imóveis afectos que não só à habitação, como sejam à indústria, comércio e serviços.

  19. - Tal posição alcança-se ainda pela interpretação teleológica do art.º 755º, n.º 1, alínea f), do CC, ou seja, constata-se que naquele preceito emana o princípio da Boa Fé com a consequente confiança que nele radica, devendo assim a posição da apelante merecer a tutela do Direito.

Admitido o recurso (a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo) e efectuada a citação da devedora, da massa insolvente na pessoa do seu administrador e dos restantes credores por éditos para os termos do recurso e da respectiva causa, nenhum dos recorridos respondeu à alegação da recorrente (fls. 107 e seguintes).

Atento o referido acervo conclusivo [delimitativo do objecto do recurso - art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do CPC, na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8] importa decidir, atendendo ao alegado na p. i. e ao enquadramento jurídico que tem vindo a ser dado às questões suscitadas, se havia ou não motivo para o decretado indeferimento liminar do pretendido reconhecimento do direito de retenção.

* II. 1. Foi alegado na p. i., designadamente: a) Por contrato de promessa de dação em pagamento celebrado em 15.4.2008, a insolvente prometeu dar em pagamento à A., que prometeu aceitar, a fracção designada pela letra “K” destinada a habitação com tipologia T2, referente ao 1º andar frente esquerdo do prédio sito no lote n.º...

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