Acórdão nº 247/11.4TBSEI.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório No âmbito do processo de contra-ordenação n.º CO/002168/09, do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional – Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, correspondente ao auto de notícia n.º 102/2009, levantado no dia 26/8/2009, o arguido A...

    foi condenado, por decisão de 14/3/2011, na coima de € 20.000,00 (vinte mil euros), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de uma contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas do artigo 18.º, n.º 1 e n.º 4, do D/L n.º 46/2008, de 12 de Março, sancionável com coima de € 20.000,00 a € 30.000,00, nos termos previstos na al. a) do n.º 4.º do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei n.º 89/2008, de 31 de Agosto, e, ainda, nas custas do processo.

    **** O arguido, notificado da decisão administrativa, impugnou-a judicialmente, em 18/4/2011, ao abrigo do disposto nos artigos 59.º e seguintes do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e do artigo 18.º, do Decreto-Lei n.º 235/2000, de 26 de Setembro, defendendo o arquivamento dos autos e, quanto muito, a suspensão da aplicação da coima.

    O recurso foi admitido, em 19/5/2011, já no âmbito do Processo de Recurso (Contra-Ordenação) n.º 247/11.4TBSEI, do Tribunal Judicial de Seia, 1.º Juízo, tendo sido designada data para audiência de julgamento.

    Esta veio a ter lugar, com observância do formalismo legal.

    **** Na sequência, foi, em 7/7/2011, proferida decisão na qual foi decidido julgar o recurso de impugnação improcedente, tendo sido, por consequência, mantida a decisão da autoridade administrativa.

    **** Inconformado com a decisão judicial, dela recorreu o arguido, em 25/8/2011, defendendo a procedência da impugnação ou, quanto muito, a suspensão da execução da sanção, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. Deve considerar-se inconstitucional a norma do artigo 66.º, do Regulamento, no segmento “não havendo lugar à redução da prova a escrito” se interpretada – como fez o tribunal – no sentido de que a prova não é gravada.

    1. Estando hoje assegurada a tutela de recurso da matéria fáctica, de pouco valerá dizer-se que este tribunal superior funciona como revista, se com isso quisermos desconsiderar a garantia do artigo 32.º, da CRP.

    2. O Tribunal de recurso (Relação) pode julgar os factos que se encontram nos autos, aplicando direito aos mesmos, porque todos constam nos autos, que contém praticamente todos os elementos (excepção feita ao pormenor que o Tribunal ignorou da separação dos resíduos), podendo por via dessa aplicação aos elementos dos autos alterar factos provados e não provados.

    3. Facto n.º 9 (dos provados), por ser mera conclusão jurídica, deve ser considerado nulo, padecendo a sentença, desde logo, dessa nulidade.

    4. As regras da experiência aconselham a conjugar os documentos e os depoimentos das testemunhas e a concluir por contradição existente entre os factos 10, 11 e 12 com o facto dado como não provado elencado sob a alínea b e d (e até f).

    5. Mas esta contradição em nada afecta a aplicação legal que a Relação deve efectuar, no sentido de concluir o que as testemunhas disseram nos autos e perante autoridade administrativa, depoimentos esses que podem e devem ser analisados para verificar que as decisões são injustas.

    6. O processo perante a autoridade administrativa não é um inquérito criminal em que o Juiz esteja impedido de ler o que consta da defesa.

    7. “O conceito de resíduo inclui toda a substância, matéria ou produto de que o detentor tem obrigação de se desfazer”, mas para aferir dessa obrigação tem ainda que se verificar se os materiais em causa têm níveis de concentração de perigosidade.

    8. O resíduo só será considerado efectivamente perigoso se essas substâncias estiverem presentes em concentração (percentagem ponderal) suficiente para que o resíduo apresente uma ou mais características referidas no n.º 2 do n.º 1 (Portaria 209/2004).

    9. Além disso, para preenchimento do tipo legal de contra-ordenação relativamente a resíduos de construção, como betão, tijolo e cerâmica exige-se ainda a sua referência na acusação como materiais que envolvam substâncias perigosas.

    10. Exigindo-se prova de tal facto e sua menção entre os factos provados, atenta a cautela que o legislador teve em escrever a necessidade de aferição dos níveis de concentração e acrescentar a referência legal “envolvam substâncias perigosas”.

    11. Porquanto só existirá ilicitude enquanto tal, isto é, se reportada a conduta de uso desses materiais que envolvam substâncias perigosas, não sendo o uso desses em si proibido (por não conterem essas substâncias).

    12. Por isso, exige-se a descrição na acusação dos elementos de concentração, tanto mais que a lei exigiu ainda que essas substâncias perigosas estejam presentes com as características elencadas na lista europeia.

    13. O que não é o caso dos materiais de betão, tijoleiras e cerâmicas que só são perigosos se contiverem substâncias perigosas, aferidas pelos ditos níveis de concentração.

    14. Não há pois ilicitude em conduta que se limita a usar os materiais para aterro e nivelamento do solo.

    15. Quanto muito, mesmo a existir a dita ilicitude, sempre inexiste culpa por erro não censurável ao depositar-se resíduo para esse aterro e nivelamento que se não fez entretanto porque o condomínio ficou sem dinheiro para efectuar obras.

    16. Privilegiando a lei o ciclo de vida dos materiais, o seu uso pelo produtor é ainda lícito, mesmo que sejam materiais retirados de obra, desde que com a finalidade de uso se vise a sua utilização noutra.

    17. Pode ser suspensa a execução da sanção principal.

    18. Foram violadas as disposições dos artigos 32.º, da CRP, - o que arrastou à violação dos artigos 364.º, n.º 1, 428.º, n.º 1, do CPP – 9.º e 12.º, da Lei 89/2009, de 31/08, 16.º e 17.º, do Código Penal, e DL 46/2008, de 12 de Março (artigo 25.º), Portaria 209/2004 (artigos 1.º, 2.º, 3.º, nºs 1 e 2, 5.º, DL 178/2006 (artigo 25.º), 18.º do DL 46/2008, de 12 de Março, e 39.º da Lei 50/2006, de 29 de Agosto.

      **** O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, em 14/10/2011, e, sem apresentar conclusões, argumentou, em resumo, o seguinte: 1. Não é admissível a junção de documentos com a motivação do recurso.

    19. Nos processos de contra-ordenação, não há necessidade de documentação dos actos da audiência.

    20. O presente processo não padece de nulidade nem de inconstitucionalidade.

    21. A decisão recorrida está bem fundamentada.

    22. Não há erro notório na apreciação da prova.

      **** O recurso foi, em 25/10/2011, admitido.

      Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, em 8/11/2011, no qual defendeu a improcedência do recurso.

      Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

      Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

      **** II. Decisão Recorrida: “I. Relatório Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação, A..., vem acusado de haver infringido o disposto no art. 18º, nº 1 do Decreto-lei nº 46/2008, de 12 de Março, relativo ao abandono ou à descarga de RCD em local não autorizado.

      Por não se conformar com a decisão da autoridade administrativa – Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território – que lhe aplicou uma coima no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros), veio recorrer desta decisão alicerçando a sua fundamentação, em síntese, nas seguintes razões: - é falso que o entulho se encontre depositado em terreno propriedade do condomínio, mas antes do próprio recorrente; - não obstante, destinava-se, efectivamente, ao condomínio e foi objecto de decisão de obras por parte deste; - em reunião de condomínio constante de acta foi deliberado pedir orçamento para arranjo de um muro de separação de imóveis; - mais se deliberou preparar o espaço entre garagens e caminho público, aterrando o enorme buraco que aí existe; - a construção foi adiada para 2010, por não se saber quanto é que o condomínio ia gastar com uma acção judicial; - os resíduos não eram só do recorrente, mas também do prédio, que os gerou e aí depositou aquando da remodelação do telhado; - o entulho foi aí depositado para reutilizar os resíduos numa obra de aterro e nivelamento do logradouro do referido prédio; - o que não é uma prática proibida, mas antes permitida; - para não ter que pagar mais a um construtor que fizesse o aterro, o recorrente acedeu a que fossem os resíduos depositados nesse imóvel, em favor do condomínio ou de outra obra sua, caso aquele não deliberasse proceder a obras; - antes mesmo das obras que geraram os resíduos e a que se refere a decisão administrativa, o recorrente “intentou” no Ministério da Agricultura pedido de desafectação de solo para uma arrecadação; - e caso não viesse a utilizar o entulho no prédio do condomínio, se viesse a ter oposição dos condóminos, utilizaria neste outro a licenciar; - as operações relativas a tais resíduos são enquadradas por legislação especial, por força do disposto no art. 20º, nº 2 do D.L. 178/2006, de 5 de Setembro, e tais actividades não estão sujeitas a licenciamento, existindo poucas normas técnicas, que não constam, ainda, de legislação; - não havendo legislação, não colhe a punição ao abrigo do supra citado D.L.; - por outro lado, a expressão resíduo não se aplica ao caso em apreço, uma vez que resíduo ou lixo é qualquer material considerado inútil, supérfluo e/ou sem valor, gerado pela actividade humana, e a qual precisa ser eliminada; - no caso em apreço, o destino era a sua utilização para aproveitamento próprio; - não houve representação nem vontade legal de violar dispositivos legais, nem negligência, já que o que se visava era uma finalidade pública e privada; - não há efectivo esclarecimento de como proceder em casos do género, já que não está “emitida” a dita legislação especial.

      Para além de tudo o mais supra referido, o recorrente entende que a decisão administrativa é nula por omissão de factos e de...

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