Acórdão nº 1625/09.4TBCTB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 19 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em 22/10/2009 foi instaurada pela instituição de crédito Banco C…, S.A.
(Exequente aqui Embargado e Apelante) execução para pagamento de quantia certa[1], contra os Executados I…, J… e B…- Sociedade Portuguesa de Veículos Lda.
1.1.
Penhorado que foi em 12/10/2010, no desenvolvimento desta execução, o veículo automóvel matrícula … (marca Mercedes, modelo C 220-CDI, do ano de 2005), registado em nome da Executada B… desde 02/10/2006, veio – e assim descrevemos o trecho processual na fase executiva que originou o presente recurso no apenso de embargos – A… (Embargante e aqui Apelado), deduzir oposição a tal penhora, mediante embargos de terceiro [artigo 351º a 359º do Código de Processo Civil (CPC)], invocando ser ele e não a B… o proprietário do veículo penhorado, por o haver adquirido a esta em 10/10/2006[2].
1.2.
Contestou a Exequente os embargos, sendo que, em julgamento, foram os mesmos julgados procedentes através da Sentença de fls. 69/73 vº – esta constitui a decisão objecto da presente apelação –, determinando-se o levantamento da penhora sobre a viatura.
1.3.
Inconformada apelou a Exequente, concluindo o seguinte na motivação do recurso: […] II – Fundamentação 2.
Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelo Apelante – acabámos de as transcrever no item anterior – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 CPC[3]. Com efeito, fora das conclusões só valem, em qualquer recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim, esgotando nestas indicações preambulares o modelo de construção do objecto de um recurso, devem distinguir-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos, em si mesmas consideradas) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.
Assim, caracterizando este recurso, constatamos que – aceitando o Apelante os factos fixados na primeira instância[4] – assenta a impugnação na valorização do não registo da venda anterior à penhora como elemento bloqueador da consideração daquela. Prevaleceria, por conseguinte – mesmo contra a materialidade substantiva de uma venda anterior –, o registo posterior dessa penhora. Este constitui o tema (único) do recurso. Os factos a considerar são, pois, importados do elenco da decisão recorrida, os quais aqui transcrevemos: […] 2.1.
Na consideração da crítica do Apelante à Sentença importa ter presente, como dado relevante primordial, a circunstância de ter ocorrido em Outubro de 2006 uma efectiva venda da viatura ,,, ao Embargante e que essa alienação não foi sujeita a registo: não foi (então e até ao presente) registada essa nova dominialidade (note-se a circunstância destas asserções expressarem a realidade resulta, obviamente, dos factos provados e estes, como se disse na nota 6 supra, ninguém os contesta neste recurso).
Como segundo dado a reter na economia decisória do recurso, convocamos aqui a posterior realização da penhora (rectius, o registo desta) sobre a viatura … no âmbito da presente execução, em Outubro de 2010, quando os factos registados incidentes sobre essa mesma viatura a “davam”[5] como (ainda) pertencente à Executada, não obstante ter ocorrido essa venda anterior ao Embargante. Existia, tão-só, no que a factos levados ao registo automóvel diz respeito, e para além da indicação (registral) dessa propriedade em nome da Executada, uma reserva de propriedade em nome da Exequente (item 6 dos factos).
São estes, numa casca de noz, os dados fundamentais da acção (dos embargos) e deste recurso.
2.1.1.
Note-se que esta última incidência (a reserva de propriedade a favor da ora Apelante) resultou, como se apurou no julgamento, de uma operação geral de financiamento do Executado por parte da instituição de crédito Exequente e não da circunstância da viatura … aqui penhorada ser, concomitantemente a esse financiamento, pertencente ao (propriedade do) Banco Exequente e que este a teria transferido nesse acto para o Executado. É isto o que inequivocamente resulta do item 10 dos factos acima transcritos, expressando este trecho factual a intencionalidade do referido mútuo.
Destacamos aqui este elemento, que no argumentário do Apelante desestabilizaria a posição de proprietário do Apelado, conforme essa posição foi definida na Sentença – repetimos: a questão do registo da reserva de propriedade em favor daquele Apelante num quadro de financiamento geral do Executado –, destacamos este aspecto, dizíamos, porque, através da ultrapassagem dele, vamos centrar-nos no que representa o elemento fulcral da crítica à Sentença por via do recurso: o suposto descaso pelo Tribunal a quo do facto registado – a penhora –, relativamente ao facto não registado – a anterior alienação da viatura ao Embargante.
Ora, entendendo a reserva de propriedade com o exacto sentido que o artigo 409º, nº 1 do Código Civil lhe confere (o de só actuar nos contratos de alienação[6]), encontramo-nos fora da cobertura teleológica da situação quando a reserva aparece (rectius, aparece registada) num contexto que, como aqui sucede, extravasa da alienação, referindo-se a um mútuo, mesmo quando este visa assegurar meios para a aquisição do bem reservado, seja esta aquisição ulterior ou concomitante do contrato de mútuo.
É com este sentido que a Sentença apelada afastou – e decidiu acertadamente – a relevância da reserva de propriedade, seguindo, aliás, precedentes jurisprudenciais persuasivos existentes a propósito de questões semelhantes à que aqui se configura[7].
2.1.2.
Ultrapassado o (suposto) problema da reserva de propriedade, centremo-nos agora na questão que na Sentença assumiu o papel de verdadeira ratio decidendi quanto à...
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