Acórdão nº 113/09.3TBSBG.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 02/02/2008[1] A… (A. e aqui Apelante) demandou o Município de B… (R. e Apelado), invocando a invasão por esta autarquia de um prédio rústico (“Rio Mendo”) cuja propriedade invoca, no quadro – invocado pela R. – da beneficiação de um “caminho público”. Ora, negando a A., à partida, a existência desse caminho (de qualquer caminho no seu prédio e, em concreto, de um caminho com essa natureza), formula os seguintes pedidos: “[…] [Ver] a) reconhecido o direito de propriedade a favor da A. sob parcela do terreno, em toda a sua largura e extensão, onde o R. se permitiu abrir o referido caminho; b) entregar a referida parcela de terreno, propriedade da A., pedido a que se atribui o valor de €40.000,00, e ainda condenado [o R.] a pagar: c) uma indemnização à A. por danos patrimoniais no montante de €51.417,14; d) uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €18.000,00.

[…]” [transcrição de fls. 184][2].

1.1.

O R. contestou afirmando esse carácter de caminho público do espaço reivindicado pela A., pugnando pelo não atendimento da pretensão reivindicatória desta quanto ao espaço do prédio coincidente com o leito do caminho.

1.2.

Foi o processo saneado e condensado a fls. 282/288 e teve lugar o julgamento[3]. Findo este, fixados que foram os factos provados por referência à base instrutória (despacho de fls. 517/518), foi a acção decidida no sentido da parcial procedência pela Sentença de fls. 521/535 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso –, sendo que a improcedência referida ao pedido da A. se traduziu na aceitação de que o espaço reivindicado constituía um caminho público[4].

1.3.

Inconformada com este resultado, apelou a A., concluindo em sede de motivação do recurso o seguinte: “[…] [transcrição de fls. 611/618].

II – Fundamentação 2.

Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – acabámos de as transcrever no item anterior – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[5]. Com efeito, fora das conclusões só valem, em qualquer recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

2.1.

Numa primeira aproximação ao objecto do recurso detectamos logo – e trata-se de um fundamento, não de um simples argumento[6] – uma arguição de nulidade dirigida à Sentença e traduzida numa propalada falta de especificação dos fundamentos de facto dessa decisão (artigo 668º, nº 1, alínea b) do CPC). Ora, sendo evidente que a Sentença, por via do despacho contendo as respostas aos quesitos enunciados na base instrutória, contém inequivocamente os factos aos quais aplica no seu percurso expositivo o Direito, consideramos que se está, nesta particular vertente do recurso, perante um fundamento inconsistente, sendo evidente que o desvalor (a nulidade) previsto(a) na indicada alínea se refere à falta absoluta de especificação desses fundamentos de facto – e é assim que esta Relação o entende – e não à divergência quanto aos factos fixados, sendo que a este último desvalor – à discordância quanto aos factos – corresponde, como aqui sucede na realidade, a impugnação recursória. Importa ter presente que a alínea b) do nº 1 do artigo 668º do CPC, tal como todas as alíneas do mesmo nº 1, se refere aos desvalores da própria sentença, enquanto documento de conteúdo vinculado e parâmetros definidos (valem, quanto àquele e a estes, as regras constantes dos artigos 658º e seguintes do CPC e o artigo 668º fixa a consequência da infracção destas regras), sendo coisa distinta desses desvalores a crítica ao conteúdo da decisão, enquanto acto de fixação dos factos e de aplicação (a esses mesmos factos) do direito. Na essência desta diferença se radica a distinção, por referência aos valores jurídicos negativos de uma sentença, entre inexistência jurídica e nulidade desta, por um lado, e, por outro lado, revogabilidade do respectivo pronunciamento[7]. É, pois, neste último elemento, e não na nulidade da Sentença, que se encontra o espaço de intervenção desta Relação no presente recurso, por referência às críticas da Apelante à decisão, cumprindo sindicar aqui o acto de julgamento em si, e não o processo de formação do elemento que serviu de suporte a esse acto.

Não existe, pois, e assim se aprecia o primeiro fundamento do recurso, a nulidade invocada pela Apelante logo na primeira conclusão das alegações.

2.2.

Refere-se o recurso – e esse traduz o elemento preponderante e efectivamente relevante – à crítica aos factos fixados na primeira instância, através das respostas fornecidas a diversos quesitos da base instrutória. Pretende a A./Apelante o exercício por esta Relação do poder de actuação sobre os factos, nos termos do artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC, sendo evidente ter ela cumprido os ónus decorrentes das duas alíneas do nº 1 do artigo 685º-B do CPC. Crítica a Apelante, neste fundamento, as respostas dadas na primeira instância aos quesitos 3 (não provado[8]), 6, 7 (provados restritivamente e que originaram a alínea t) dos factos), 9 (não provado[9]), 10 (não provado[10]), 11 (não provado[11]), 12 (provado restritivamente e que originou a alínea v) dos factos), 16 (provado restritivamente e que originou a alínea cc) dos factos), 23 e 24 (provados e que originaram, respectivamente, as alíneas ii) e jj) dos factos. Note-se que, não indicando a Apelante nas conclusões, expressamente, o quesito 24, percebe-se de todo o contexto do recurso, designadamente das referências ao quesito 23, que está igualmente em causa o quesito 24 que complementa logicamente o antecedente quesito 23; foi o conjunto destes, aliás, que propiciou a decisão da acção no sentido em que o foi[12] e, com efeito, só atacando os factos resultantes da resposta a estes dois quesitos o recurso incidente sobre a matéria de facto terá sentido e será operante relativamente à questão da existência ou não do caminho público.

Claro que, e este traduzirá um possível segundo fundamento do recurso subsequente à apreciação da matéria de facto, o atendimento das críticas da Apelante à impugnação dos factos induzirá uma nova operação subsuntiva, visando julgar (esta instância por substituição à precedente) a acção por referência ao novo elenco (v. o item 2.3., infra).

Importa, pois, avançar na apreciação dos factos.

2.2.1.

Como pressuposto da apreciação dos factos indicaremos desde já a base de trabalho – quais os factos – que se nos oferece(m) como resultado do julgamento em primeira instância. Tal indicação apresenta, na lógica expositiva deste Acórdão, a provisoriedade decorrente de estar em causa, pendente de apreciação – digamo-lo assim – o fundamento central do presente recurso que se traduz, precisamente, na pretensão de actuar sobre esses factos, alterando-os em determinados trechos muito significativos para o resultado da acção. Feita esta advertência de provisoriedade, aqui transcrevemos o rol dos factos provados segundo o entendimento do Tribunal a quo: “[…] [transcrição de fls. 524/528, com sublinhados aqui acrescentados, referidos aos pontos (positivos) da matéria de facto criticados pela Apelante].

2.2.2.

Preambularmente à apreciação dos factos em si mesmos, deixamos nota, a respeito do tipo de controlo da prova testemunhal aqui realizado, no quadro dos poderes de actuação sobre a matéria de facto decorrentes dos nºs 1 e 2 do artigo 712º do CPC, deixamos aqui nota, dizíamos, do enquadramento do acesso aos factos por esta instância no presente recurso. Este Tribunal, sublinha-se, ouviu integralmente e por mais de uma vez, o registo áudio de toda a prova testemunhal recolhida nas duas fases de julgamento (a segunda delas decorrente da repetição anteriormente ordenada por esta instância), e controlou – controlará, queremos nós dizer – esse meio de prova numa base ampla, resultante de uma valoração autónoma – de uma livre apreciação autonomizada da da primeira instância – dessa fonte de prova, compaginada com as restantes fontes de prova, sendo que este tipo de apreciação e de acesso aos factos, em cujo poder este Tribunal se considera investido, revê-se e justifica-se, nessa sua amplitude, no entendimento doutrinariamente qualificado como “tese do poder-dever da Relação formar uma convicção própria sobre os factos”[13].

2.2.2.1.

A questão fulcral aqui discutida a propósito da matéria de facto refere-se à caracterização do caminho ou da simples passagem beneficiado(a) (isto no sentido de arranjado para melhor desempenhar a função de caminho tida em vista) pelo R.

, nos termos que originaram a configuração deste caminho ou passagem que vem indicada na alínea m) dos factos, enquanto caminho público, como defende o R. e viria a ser aceite pelo Tribunal a quo na Sentença. Lembramos que essa questão passou, na dinâmica do julgamento ora apelado, pelas respostas negativas aos quesitos 3, 9 e 10 e, no que respeita à matéria de facto positivamente fixada, pelas respostas aos quesitos 6 e 7 (que agregadamente originaram a alínea t) dos factos) e, principalmente, pelas respostas aos quesitos 23 e 24 (que originaram, respectivamente, as alíneas ii) e jj) dos factos).

A respeito da caracterização do caminho como público...

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