Acórdão nº 147/11.8TBGVA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 29 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução29 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 07/06/2011[1] a sociedade G…, Lda.

(A. e aqui Apelada) demandou a sociedade S…, S.A.

(R. e Apelante no contexto deste recurso) – demandou, sublinha-se, utilizando o procedimento especial a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro. Seguindo esta forma especial pretendeu a A. a condenação da R. a satisfazer-lhe o valor de €9.666,65 (mais juros que liquidou em €11.000,00, contados até à propositura da acção), valor este referente ao fornecimento, em Junho e Julho de 2000, de tambores de óleo à R. que os não pagou, concretamente na forma especial pela qual acordara dar satisfação a esse valor[2].

1.1.

A R. contestou aceitando que a forma de pagamento acordada – acordada por todos os abrangidos por ela, intui-se do que diz na contestação no respectivo artigo 7º (transcrito na nota 4, infra) – deveria ter lugar através da dita compensação envolvendo terceiros, referindo ela desconhecer se teria efectivamente ocorrido essa compensação, sublinhando que a A. emitiu o “recibo” que juntou a fls. 10, conferindo a R. a essa incidência a indução de uma proibição de prova testemunhal, nos termos do artigo 394º, nº 1 do Código Civil (CC)[3].

1.2.

Realizado o julgamento foi a acção decidida, quanto à fixação dos factos e à aplicação do Direito, no sentido da parcial procedência (improcedeu quanto à projecção temporal da obrigação de juros)[4], através da Sentença de fls. 77/86, que constitui a decisão ora recorrida.

1.3.

Inconformada apelou a R. a esta instância, concluindo o seguinte na motivação do recurso que adrede apresentou: “[…] II – Fundamentação 2.

Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pela Apelante – transcrevemo-las no item 1.3.

supra – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)[5]. Com efeito, fora das conclusões só valem, nesta sede, questões que se configurem como de conhecimento oficioso (di-lo o trecho final do artigo 660º, nº 2 do CPC). Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas. E, enfim – esgotando o modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões fundamentos) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

2.1.

Os factos que a decisão apelada fixou – portanto, os factos que considerou provados[6] – são os que aqui se transcrevem: “[…] 2.2.

No concreto, o objectivo do recurso, enquanto instrumento de obtenção nesta instância de uma decisão-outra da acção (pretende a Apelante uma decisão de improcedência da acção), acaba por se resumir à invocação do banimento legal da prova testemunhal, no sentido em que esta, atenta a fundamentação do Tribunal, contrariaria o teor de um documento. Tratar-se-ia, pois, da actuação da proibição constante do artigo 394º, nº 1 do CC, referindo a R./Apelante este desvalor à inquirição de testemunhas pelo Tribunal quanto à veracidade do recibo constante de fls. 10, no sentido de ter existido, verdadeiramente, o pagamento das facturas à A. – aqui, de não ter existido esse pagamento –, não obstante o teor do documento e independentemente da ocorrência da compensação indicada no ponto 7. dos factos. Tenha-se presente que foi através da prova testemunhal, como decorre da fundamentação de facto a fls. 80/81, que a Senhora Juíza a quo descaracterizou o recibo de fls. 10 como referido a um pagamento efectivamente ocorrido e acabou por considerar em falta esse pagamento (em falta a satisfação de uma contrapartida à A. pelo fornecimento dos tambores de óleo), contra o teor do documento aparentando a quitação referida a essa satisfação. Esta questão, aparentemente simples – resumir-se-ia ela à (in)admissibilidade de prova testemunhal contra o teor de um documento –, encerra, no confronto com as restantes incidências emergentes da acção, alguma complexidade à qual a apreciação deste recurso não se pode furtar.

2.2.1.

Interessam-nos aqui alguns argumentos do iter expositivo do Tribunal a quo até à decisão de procedência da acção, no sentido em que vemos alguns desses argumentos, tal qual a Senhora Juíza os caracterizou, como controversos (como controversa a abordagem deles efectuada na Sentença), exigindo que a decisão apelada de procedência parcial da acção seja aqui testada, desde logo por referência aos pressupostos argumentativos em que assentou. Claro que neste domínio, como em todos os que envolvem a procura de soluções jurídicas racionalmente argumentadas e conformes a determinados cânones interpretativos genericamente aceites, existindo diversos caminhos para um determinado resultado, este resultado – sublinha-se, o resultado – só ficará verdadeiramente em causa se, discordando-se do caminho seguido na instância precedente – e estamos a equacionar a divisão de tarefas entre as duas instâncias aqui envolvidas –, o caminho diverso aqui construído como correcto excluir esse resultado fixado na instância precedente. É que, como observaremos na subsequente exposição, com base em argumentos e num percurso interpretativo do qual discordamos em alguns pontos, a Sentença apelada acabou por formular uma decisão que é correcta – correcta no resultado prático final – ao condenar a R. a satisfazer à A. o valor dos tambores de óleo por esta fornecidos, no sentido em que não se apurou que esse valor tivesse sido satisfeito à A., pela forma acordada (a prevista no ponto 7. dos factos) ou por qualquer outra[7].

2.2.1.1.

Desde logo – no que constitui a primeira incidência a considerar na decisão apelada – temos a questão da compensação, nos termos em que esta foi indicada pela A. no requerimento inicial (no artigo 11º desse requerimento transcrito na nota 3, supra) e acabou por ser reconhecida, ou aceite ter existido, pela R. na respectiva contestação (artigo 7º da contestação transcrito na nota 4, supra).

A Sentença apelada considerou que a possibilidade de existência de compensação – da forma de extinção de uma obrigação diversa do cumprimento, prevista nos artigos 847º e ss. do CC – estaria aqui excluída por respeitar (por envolver) a dívida de um terceiro, ofendendo o disposto no artigo 851º do CC[8]. Existe um erro conceptual básico nesta asserção, no sentido em que referir a inaplicabilidade de uma forma de extinguir uma obrigação que, por definição decorrente da sua inserção sistemática é designada como diversa do cumprimento (referimo-nos aqui à sistematização temática do Código Civil expressa no título do Capítulo VIII do Título I do Livro das Obrigações), esta asserção de inaplicabilidade da compensação, dizíamos, esquece que o que aqui se alegou – e o que aqui ficou expresso no facto 7. do elenco acima transcrito – foi, precisamente, que a forma de cumprimento aqui convencionada (convencionalmente estabelecida entre os envolvidos) correspondia a uma compensação entre créditos.

Com efeito, existe na asserção interpretativa adoptada pelo Tribunal a quo, quanto à exclusão da compensação por falta de reciprocidade dos créditos, uma confusão entre formas distintas de compensação: a compensação legal e a compensação convencional. A primeira destas (a compensação legal) é a forma de desencadear a compensação directamente prevista e regulada no Código Civil, nos artigos 847º a 856º, sendo que esta exclui, efectivamente, por falta do requisito da...

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