Acórdão nº 765/08.1PRPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução07 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr 765/08.1PRPRT Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I –B….. veio interpor recurso da douta sentença do 2º Juízo Criminal do Porto que o condenou, pela prática de um crime de perturbação da paz e do sossego, p. e p. pelo artigo 190º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena de duzentos dias de multa, à taxa diária de vinte euros.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso: «1) Da factualidade existente nos autos restam inequivocamente dúvidas de que a conduta do arguido preencha os elementos objectivos do tipo de crime de que vem acusado, pois a sua conduta nele não se subsume.

2) Fazendo jus ao princípio da legalidade penal previsto no artigo 29º nº 1 da C.R.P. e art. 1º do C.Penal, com a eliminação no novo texto legal da expressão “através de mensagens”, como forma de devassa anteriormente abrangida, deixou de ser criminalmente punível tal forma de perturbação.

3) De acordo com o novo texto da norma incriminadora a palavra falada circunscrita à mera trica directa de palavras entre chamador e receptor ou a tentativa de o fazer, através de som ou chamamento emitido pelo aparelho fixo/móvel de comunicação à distância, consubstancia a única forma susceptível de perturbar a paz e sossego de uma pessoa.

4) Caso assim não se entendesse por que razão o legislador se daria ao trabalho de alterar o texto legal? 5) Caso se entenda manter o entendimento sufragado pela Meritíssima Juíza a quo, há que ter em consideração a ausência de antecedentes criminais do arguido, bem como se ter tratado de um acto meramente ocasional na sua vida, tendo nos autos referido que jamais cometerá tal tipo de ilícito.» O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, concluindo que nenhuma censura haverá a fazer à sentença recorrida, uma vez que a qualificação jurídica dos factos e o processo de determinação da pena correspondem a uma exata e rigorosa aplicação da lei, devendo improceder a pretensão do recorrente e ser mantida a decisão nos seus precisos termos.

Da resposta à motivação do recurso apresentada pelo assistente, C….., constam as seguintes conclusões: «1) O Arguido não dá nenhuma razão verdadeira que justifique uma resposta à Matéria de Facto diferente da apurada pelo Tribunal recorrido.

2) Na verdade, a argumentação do Arguido já foi alvo de decisão de mérito pelo Tribunal ad quem, o qual aprofundou e refutou completamente a posição do Arguido.

3) A conduta do Arguido é subsumível objectiva e subjectivamente ao crime p. e p. no artigo 190°, nº2, do C,P.

4) Está provado que, efectivamente, o Arguido quis e conseguiu perturbar a Paz e o Sossego do Assistente, via telemóvel.

5) Na verdade, o Arguido procura justificar e explicar aquilo que o Tribunal recorrido qualificou como "conduta que perturbaria a paz e sossego de qualquer pessoa", com um argumento qual, o mesmo tribunal considerou "não credível".

6) Sabendo da inconsistência do seu argumento e tendo admitido já, o Arguido, do seu arrependimento, tenta agora em sede de recurso, em "desespero", fazer crer da ilegalidade da aplicação da lei penal quando ilegal e criminal apenas foi a sua conduta.

7) O "envio de SMS" submete-se ao conceito de "telefonar" para preenchimento dos elementos típicos do crime p. e p. no artigo 190°, n? 2, do C.P, sendo que "telefonar" é comunicar por telefone, quer oralmente, quer por escrito, conforme o considerou também, o Tribunal recorrido.

8) As alterações feitas pelo legislador ao artigo 190°, nº2, do C.P., ao contrário do alegado pelo Arguido, tiveram como fundamento alargar a criminalização da perturbação da Paz e Sossego a todo o local onde a pessoa se encontre, CRIMINALIZANDO assim, as situações de perseguição persistente, via telemóvel.

9) As mensagens SMS têm efeitos ainda mais perturbadores da paz e sossego que as chamadas telefónicas.

10) Além do mais, O Arguido não só enviou mensagens SMS como telefonou para o Assistente e não falou.

11) O Arguido não deu um único motivo justificativo, para que este Tribunal altere a matéria que o Tribunal recorrido deu como provada.

12) O Arguido fundou o seu recurso, apenas e só em questões de interpretação linguística, quais o mesmo Tribunal veio contradizer.

13) Ora, os factos provam que, sem margem para dúvida, a conduta do Arguido integra os elementos típicos do crime que lhe é imputado.

14) E tudo ponderado, apenas uma decisão poderia fazer Justiça, sendo esta a decisão que foi tomada pelo Tribunal recorrido e que condenou o Arguido, tanto da Acusação como, evidentemente, das custas do processo.

15) Razão porque deve ser tal decisão mantida.» O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, reiterando a posição assumida pelo Ministério Público junto da primeira instância.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso: - a de saber se os factos considerados provados na douta sentença recorrida integram a prática do crime de perturbação de paz e sossego, p. e p, pelo artigo 190º, nº 1 e 2, do Código Penal; - a de saber se a pena em que o arguido foi condenado é excessiva, face aos critérios legais.

III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte: A.

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão a proferir: 1) No dia 9 de julho de 2008, por motivos profissionais, o assistente encontrou-se com a mulher do arguido, D…..

, num restaurante em Lisboa. Em seguida, dirigiram-se para o bar de um hotel, sito na mesma localidade, onde decorreu uma reunião de trabalho.

2) A partir deste acontecimento, decidiu o arguido perturbar o assistente na sua paz e sossego, via telemóvel.

3) Para o efeito, entre as 00.35 horas e as 12.09 horas do dia 18 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente com o nº 93605…., 21 mensagens escritas, constantes de fls. 23 e 47, sendo 11 delas do seguinte teor: “Foi bom para ti teres beijado a minha mulher? Gostastes?”.

4) Entre os dias 19 e 21 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 30 mensagens escritas constantes de fls. 47 a 54, cujo teor se dá por reproduzido.

5) No dia 30 de julho de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., a mensagem escrita constante de fls. 55, do seguinte teor: “já contou a verdade à sua mulher ou continua armado em cobardolas à espera que eu desista! E deixe de o chatear?!!!”.

6) No dia 1 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 5 mensagens escritas constantes de fls. 56, cujo teor se dá por reproduzido.

7) No dia 6 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 16 mensagens sem texto e ainda 57 mensagens escritas constantes de fls. 57 e 58, cujo teor se dá por reproduzido.

8) Entre os dias 13 e 15 de agosto de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 3 mensagens escritas constantes de fls. 59, cujo teor se dá por reproduzido, e, pelo menos, 1 mensagem sem texto.

9) No dia 5 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 12 mensagens escritas constantes de fls. 60, cujo teor se dá por reproduzido, sendo, pelo menos, dez com o mesmo texto.

19) Entre os dias 13 e 14 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 53 mensagens escritas e 17 mensagens sem texto, constantes de fls. 61 a 69, cujo teor se dá por reproduzido.

20) No dia 15 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…, enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…, 15 mensagens escritas constantes de fls. 70 e 71, do seguinte teor: “Então, já explicou à sua mulher qual é a diferença entre uma RELAÇÃO COMERCIAL e uma RELAÇÃO EXTRACONJUGAL? ou prefere explicar em tribunal e ser acusado de PREJÚRIO e de ASSEDIO SEXUAL!!!”.

21) Entre os dias 16 e 19 de setembro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente com o nº 93605…., 19 mensagens escritas do seguinte teor: “Pelo facto de voçé ser mentiroso e não assumir os erros que comete, está a obrigar-me a envestigar as coisas!!!, e agora voçê vai ter de me explicar, exatamente a mim, ou em tribunal, o que aconteceu naquele quarto de hotel no dia 9/7/2008!!!, Como vê vamos ter de falar em breve!!!. Pense na proposta que eu lhe fiz pq voçe está a deixar complicar mto o problema!!!” e 5 mensagens escritas do seguinte teor: “Voçê já conseguiu explicar ao seu Advogado e à sua mulher o que é uma RELAÇÃO COMERCIAL, entre duas pessoas, num QUARTO DE HOTEL!!!” e ainda 2 mensagens sem texto, conforme fls. 72 a 76.

22) No dia 2 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 22 mensagens escritas constantes de fls. 77 a 82, cujo teor se dá por reproduzido.

23) No dia 4 de outubro de 2008, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251…., enviou para o telemóvel do assistente, com o nº 93605…., 18 mensagens escritas, do seguinte teor: “Quando é que voçe conta a verdade à sua mulher?!, eu também não tenho pressa nenhuma!!!, ou vai querer continuar a viver no seu mundo de PINÓQUIO?” e “Voçé no mundo do PINÓQUIO consegue ter amigos?!!!, se os tem é porque não conhecem a pessoa que voçé é!!!”, constantes de fls. 83 a 86.

24) No dia mesmo dia 4 de outubro de 2008, às 19.55 horas, o arguido, a partir do seu telemóvel com o nº 96251….9, telefonou para o telemóvel do assistente, com o nº...

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