Acórdão nº 2211/11.4TBPVZ-D.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 12 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução12 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 2211/11.4TBPVZ-D.P1 Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Ana Paula Amorim Soares de Oliveira*Sumário do acórdão: Face ao disposto no art.º 18º, do CIRE, ficou excluído o carácter universal do dever de apresentação, que não é extensivo às pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa - na acepção do art.º 5º - na data em que incorram em situação de insolvência (n.º 2), ainda que o tenham sido anteriormente.

Esse dever de apresentação verificar-se-á, no entanto, em situações de incumprimento generalizado de obrigações de algum dos tipos previstos na alínea g) do n.º 1 do art.º 20º, desde que o devedor seja titular de uma empresa na data do incumprimento e se verifique o demais circunstancialismo previsto no art.º 18º, n.ºs 1 e 3, irrelevando, nesse caso, se a apresentação à insolvência veio a ter lugar quando o devedor já não era titular da empresa no âmbito da qual desenvolvera a actividade que determinou a insolvência.

*Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Nos autos de insolvência pendentes no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Póvoa de Varzim, referentes a B…, na petição inicial (p. i.) de apresentação à insolvência o devedor pediu a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos art.ºs 235º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3, e na redacção anterior à conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20.4), tendo alegado preencher os respectivos requisitos e obrigar-se a observar todas as condições que a exoneração envolve.

Por sentença de 04.10.2011 foi o requerente declarado insolvente.

Os credores do insolvente e o administrador da insolvência foram notificados para se pronunciarem sobre tal pedido, nos termos do art.º 236º, n.º 4.

No relatório que elaborou nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 155º, o administrador da insolvência referiu, nomeadamente, que o insolvente: - “Fez a entrega da declaração de rendimentos (IRS) referente aos anos de 2008, 2009 e 2010 [“rendimento líquido” anual de € 6 134,61; € 5 057,53 e € 6 813,13, respectivamente], não fez a entrega ao signatário da relação dos bens que fazem parte do seu património e fez ainda a entrega da relação de todos os credores”; - “Tem dívidas a terceiros que totalizam o valor de € 34.174,25[2]” e “face ao nível de rendimentos auferidos” não tem qualquer possibilidade de as liquidar; - “Encontra-se desempregado desde Agosto de 2010, não tendo perspectivas, a médio prazo, de vir a obter rendimentos que lhe permitam liquidar aquele montante de dívidas”; Em relação ao pedido de exoneração do passivo restante e avançando as “razões” para o seu indeferimento, o mesmo administrador fez ainda constar: - “O devedor foi titular de uma empresa, até 2010, tendo contabilidade organizada”; - “Tinha, por isso, perfeito conhecimento da sua situação patrimonial e financeira, estando, nos termos do disposto no art.º 18º, n.º 3, do CIRE, obrigado a apresentar-se à insolvência no prazo de três meses da constatação da sua incapacidade para fazer face aos seus compromissos”; - “Por consulta das reclamações de créditos, e como consta da própria petição inicial, o devedor encontra-se em incumprimento desde Outubro de 2010”[5]; - “A apresentação à insolvência ocorreu apenas em 16 de Setembro de 2011”[6]; - “Verificou-se, assim, o incumprimento mencionado na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º do CIRE”.

Na assembleia de credores realizada a 12.12.2011, o Ministério Público votou contra a exoneração do passivo restante, no que concerne aos créditos fiscais, face à “impossibilidade” decorrente dos art.ºs 30º, n.ºs 2 e 3, da Lei Geral Tributária e 245º, n.º 2, alínea d), e o credor “C…” também se pronunciou contra a exoneração do passivo restante, por incumprimento dos requisitos estabelecidos na alínea d) do n.º 1 do art.º 238º.

No final da mesma assembleia, o insolvente requereu o prazo de 10 dias para juntar aos autos elementos sobre a respectiva situação e a considerar no despacho liminar (sobre o pedido de exoneração do passivo restante), o que lhe foi deferido. Contudo, não juntou novos elementos.[7] O Tribunal recorrido indeferiu liminarmente a exoneração do passivo restante, em razão do incumprimento do preceituado na alínea d), 1ª parte, do n.º 1 do art.º 238º.

Inconformado e visando a revogação daquela decisão (deferindo-se o pedido de exoneração do passivo restante), o insolvente interpôs o presente recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - O recorrente apresentou-se ao tribunal e requereu a declaração da sua própria insolvência, enquanto pessoa singular. Não estamos perante um titular de empresa.

  1. - No seu requerimento inicial o requerente indicou que se dedicou em tempos à exploração de um café snack-bar em nome individual, pelo que apenas quis demonstrar ao Tribunal uma das causas que o levaram à situação em que hoje se encontra, ou seja, impossibilitado que está de cumprir as suas obrigações vencidas.

  2. - O recorrente não explora mais o café snack-bar, não detém qualquer património conhecido que consubstancie qualquer organização de capital e trabalho destinada ao exercício de actividade comercial.

  3. - Tendo em conta a noção legal de empresa, subjaz a ela a existência de uma organização de meios (de capital e trabalho), em suma, um património autónomo visando a prossecução de uma actividade económica (comercial ou industrial).

  4. - Ao recorrente, não é conhecido qualquer património autónomo afecto a qualquer actividade comercial por si desenvolvida, abrangida no referido conceito de empresa.

  5. – Apresentando-se o recorrente como uma pessoa singular, e não sendo titular de uma empresa, não se aplica o n.º 3 do art.º 18º, do CIRE.

  6. - Inexistem outros fundamentos para o indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante.

  7. - O despacho proferido violou os art.ºs 18º e 238º, n.º 1, alínea d), do CIRE.

O M.º Público respondeu à alegação do recorrente pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Na sequência do despacho do Relator de fls. 55 foram solicitados ao Tribunal recorrido diversos elementos (em falta), necessários ao julgamento do recurso.[8]...

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