Acórdão nº 238/12.8YRPRT de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2012
Data | 14 Novembro 2012 |
Órgão | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Incidente de levantamento de sigilo nº 238/12.8YRPRT Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I – No âmbito do inquérito criminal 59/09.9TASJP respeitante a emissão de cheque sem provisão – após a realização das diligências tidas por convenientes perante as entidades bancárias e mesmo após a inquirição de duas testemunhas ligadas ao ofendido Instituto da Segurança Social, I.P.
, Centro Distrital de …, diligências estas que não se revelaram, em seu entender, suficientemente conclusivas – o Ministério Público convocou B… para prestar depoimento, invocando esta sigilo profissional, dada a sua qualidade de advogada da ora arguida C… em vários outros processos, carecendo, por isso, de prévia autorização dos órgãos competentes da Ordem dos Advogados.
Tendo o Ministério Público solicitado parecer ao Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, emitiu-o essa entidade no sentido de considerar legítima a recusa da referida Srª Advogada em prestar depoimento no âmbito do processo em questão.
Foram, então, remetidos os autos ao Sr. Juiz de Instrução Criminal, com a promoção de ser suscitada perante este Tribunal da Relação a quebra do sigilo profissional.
Constatada, pelo Sr. Juiz, a legitimidade da recusa, mandou este subir os autos a este Tribunal da Relação do Porto.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
*II – FUNDAMENTAÇÃO
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Factos e ocorrências processuais relevantes 1. O Instituto da Segurança Social, I.P., Centro Distrital de …, veio participar criminalmente contra C…, residente no …, …. - … …, alegando que: a) esta, no dia 12/12/2008, preencheu, assinou e entregou nos Serviços da Segurança Social (Serviço Local de …) o cheque nº ………., que anexou, sacado sobre o D…, conta nº ……….., no montante de € 9.332,35, na qualidade de representante da sociedade E…, Lda..
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Apresentado a pagamento na F…, foi tal cheque devolvido por falta de provisão em 17/12/2008, como se alcança do seu verso.
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O montante do cheque em causa destinava-se ao pagamento de cotizações à Segurança Social pela firma G…, Lda.
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Em sede de audiência de discussão e julgamento por crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, que correu os seus termos sob o nº 27/03.0TASJP e em que eram arguidos a sociedade G…, Lda., e o seu gerente H…, requereu este último a sua interrupção pois pretendia proceder ao pagamento das cotizações objecto dos autos e respectivos juros de mora.
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O aí arguido H… havia já sido condenado pela prática do mesmo crime, no âmbito de um outro processo e pretendia, assim, evitar uma condenação em pena de prisão.
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Foi, por isso, efectuado o pagamento das cotizações objecto dos autos supra identificados, e respectivos juros de mora, através do cheque nº ………..
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Ato contínuo, o arguido H… juntou ao processo nº 27/03.0TASJP os comprovativos de tal pagamento, requerendo que fosse declarada a inutilidade superveniente do pedido de indemnização civil deduzido pela Segurança Social, assistente naqueles autos.
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Pretendia, deste modo, aquele arguido H… furtar-se a uma condenação em pena de prisão pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, em que era reincidente, o que conseguiu.
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Acrescendo que a Segurança Social, por força de tal atuação, se encontra patrimonialmente prejudicada.
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Com base em tal participação, o Ministério Público deu início ao inquérito nº 57/09.9TASJP, de que o presente incidente é dependência.
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Além do cheque que juntou, o participante indicou duas testemunhas, funcionários dos seus quadros, que, ao serem ouvidos pelo Ministério Público, esclareceram que a então advogada do Abílio Espanhol apareceu com o cheque ajuizado em mão, no dia da sua emissão, já assinado por alguém, tendo sido preenchido o respetivo montante após informação pedida pela mesma advogada nesse mesmo dia.
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O confronto da assinatura constante do cheque com a ficha de assinaturas da conta sacada não permite concluir-se com segurança pela atribuição à denunciada C… da realização da referida assinatura.
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O Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados emitiu parecer no sentido de considerar legítima a recusa da Dr.ª B… em prestar depoimento no âmbito do processo nº 57/09.9TASJP.
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O Sr. Juiz de Instrução constatou a legitimidade formal da recusa e mandou subir os autos para conhecimento e decisão do presente incidente de quebra do sigilo profissional.
*B) O direito aplicável.
De acordo com o estipulado no nº 1 do artigo 135º do Código de Processo Penal, determinadas pessoas ou entidades a quem a lei permite ou impõe que guardem segredo profissional podem escusar-se a depor sobre os factos abrangidos por aquele segredo. Entre elas, contam-se os advogados.
Com efeito, o exercício de certas profissões exige, pela própria natureza das necessidades que visam satisfazer, que as pessoas que a elas tenham de recorrer revelem factos que interessam à sua esfera íntima (quer física ou psíquica, quer jurídica).
Sempre que esteja em causa o exercício de profissões – como é o caso da advocacia – de fundamental importância coletiva[1], designadamente porque um leque muito alargado de cidadãos carece de as utilizar, a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu exercício constitui condição indispensável da confiança nessas imprescindíveis actividades e, nessa medida, reveste-se de um eminente interesse público. Por esse motivo, a violação da obrigação a que ficam adstritos certos profissionais – de não revelarem factos confidenciais conhecidos através da sua atividade – é punível não só disciplinarmente como até...
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