Acórdão nº 120/08.3GACPV.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Junho de 2012

Data20 Junho 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 120/08.3GACPV.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório No Tribunal Judicial da comarca de Castelo de Paiva, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foram submetidos a julgamento, além de outro[1], os arguidos B…, C…, D… e E…, devidamente identificados nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu absolver os três primeiros dos crimes de injúria que lhes vinham imputados, e condenar cada um deles, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º nº 1 do C. Penal, em penas de multa, fixadas em 120 dias à taxa diária de 7 € quanto à B… e ao C…, em 140 dias à taxa diária de 7 € quanto ao D…, e em 120 dias à taxa diária de 8 € quanto ao E….

Na procedência total do pedido de indemnização civil por danos patrimoniais formulado por F… contra os arguidos, foram estes condenados a pagar solidariamente ao demandante a quantia de 250 €, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação e até efectivo e integral pagamento.

Inconformados com a sentença, dela interpuseram recurso os arguidos, pretendendo que a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que os absolva dos crimes pelos quais foram condenados, para o que apresentaram as seguintes conclusões: 1. Apesar de o Mm°. Juiz “a quo” ter determinado a fundamentação da sua convicção, no depoimento dos arguidos ora recorrentes B…, C… e E…, e também com base no depoimento das testemunhas apresentadas pelas partes, não nos parece que dos depoimentos acima referidos permita enquadrar os factos no crime de furto, como se entendeu na sentença.

  1. Os Arguidos “admitiram os factos considerados provados, referindo porém que não tinham intenção de se apropriarem dos objectos em causa.” 3. Não corresponde à verdade que os arguidos tenham referido que retiraram a vedação em malha sol que F… tinha colocado num terreno cuja propriedade os intervenientes discutem entre si, facto que nunca deveria ter sido dado como provado.

  2. É que, não é possível olvidar aqui um facto fundamental, facto esse que o Tribunal “a quo” não permitiu sequer que se fizesse qualquer prova.

  3. Não há qualquer divergência em relação ao terreno que seja relacionada com partilhas.

  4. O terreno foi partilhado entre os herdeiros da herança indivisa por óbito de G… e adjudicado à aqui arguida B….

  5. O Assistente F… não é nem nunca foi herdeiro da herança aberta por óbito de G….

  6. Quando é certo que, repete-se, o Tribunal nunca por nunca permitiu sequer que os arguidos, nas declarações que prestaram, ou as suas testemunhas, pudessem clarificar estes factos.

  7. O terreno em causa é apenas um, o artigo matricial n.° 3458, descrito na Conservatória de Registo Predial de Castelo de Paiva com o n.° 2543, cuja propriedade está inscrita a favor da arguida B… e seu marido C…, conforme documento que ora se junta.

  8. Donde decorre que mal andou o Tribunal “a quo” decidindo como se existissem dois terrenos: um da propriedade da arguida B…, e outro cuja propriedade se discute. Tal nunca poderia ser retirado do depoimento das testemunhas, 11. Nos depoimentos prestados por H…, I… e J…, estes limitaram-se a afirmar que o terreno em causa pertencia apenas à arguida B…. Jamais referiram a existência de dois terrenos.

  9. Os arguidos confirmaram que se dirigiram ao terreno em causa, da propriedade exclusiva da arguida B…, retiraram os ferros que estavam, não cravados, mas tão só espetados no chão, enrolaram a malha sol e deixaram-na caída no chão no mesmo local. Os mesmos factos resultam do depoimento das testemunhas H…, I… e J….

  10. A rede malha sol não foi transportada para outro local. Nem tal poderia acontecer. Pois, o terreno é um só, o local é um só.

  11. A malha sol sempre esteve e ainda hoje está no terreno onde o assistente a colocou e os arguidos a depositaram, como aliás resulta das fotografias juntas aos autos em audiência de Julgamento.

  12. Os arguidos não agiriam com o propósito de retirar e subtrair a vedação e apropriarem-se dela, nem tão pouco tal veio a acontecer.

  13. O Assistente, esse sim, agiu ilicitamente, pois colocou a malha sol em causa unicamente com o objectivo de dividir o terreno da propriedade da arguida B… e desta forma apropriar-se indevidamente de uma parcela que não lhe pertencia.

  14. Ao tomarem conhecimento deste facto, os arguidos, acompanhados das testemunhas H…, I… e J…, retiraram os ferros, desprenderam a malha sol e enrolaram-na.

  15. E limitaram-se a depositar a malha sol, enrolada para não se danificar, e próximo de um caminho ali existente, onde ainda hoje se encontra, facto facilmente verificável pelas fotografias juntas aos autos.

  16. Repete-se, o objecto em causa, a malha sol, depois de retirada do solo, não foi transportada para lado algum, ficou precisamente no mesmo local.

  17. Os arguidos não entregaram os objectos ao assistente tão só porque todos estão de relações cortadas. Também não os colocaram num local público porque o único ali existente é uma estrada municipal, local onde facilmente a malha sol poderia danificar-se ou até mesmo ser subtraída por alguém que ali passasse.

  18. O assistente entrou em propriedade alheia para colocar a rede.

  19. Ao invés, para a retirar, facilmente poderia aceder pelo caminho ali existente, nem sequer necessitaria de invadir a propriedade da arguida B… para retirar o que lhe pertencia. Nenhum destes factos foi considerado pelo Tribunal.

  20. Também não se percebe como foi formada a convicção do Tribunal no que toca ao depoimento da testemunha I…, que em lado algum referiu que a vedação colocada a mando da arguida B… e C… à volta do terreno tenha sido colocada uma ou duas semanas depois, antes foi uma obra recente, quando é certo que os factos em causa ocorreram em 2008.

  21. A que acresce o facto de aquela testemunha referir claramente que o já referido caminho por onde o assistente poderia aceder para retirar a rede que lhe pertencia estava aberto e era de fácil acesso.

  22. De acordo com a prova produzida nos autos não podemos concluir pela apropriação dos objectos do assistente, ou de integração no património dos arguidos.

  23. Os arguidos não agiram sequer como se os bens fossem seus, facto essencial para a verificação do elemento subjectivo do crime em causa.

  24. A intenção dos arguidos foi tão só a de defender a propriedade da arguida B…, impedir a vedação abusiva do terreno por parte do assistente. Como aliás referiu a arguida B… nas suas declarações, “a malha sol ainda lá está ... eles que a vão buscar." 28.Aliás, diga-se de passagem que o assistente, bem sabendo e conhecendo o local onde estão depositados os seus objectos, poderia ter lançado mão de uma providência cautelar cível, por exemplo uma acção de restituição da posse, para obter a satisfação do seu direito.

  25. De acordo com o art, 203º, n.° 1 do Cód Penal, pratica o crime de furto “quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia.” 30.Pelo que, a intenção de apropriação é um elemento essencial do crime de furto, o que resulta da prova realizada em audiência de Julgamento.

  26. Como refere o Dr Maia Gonçalves, no CPP, 18ª edição, pág. 719, “Trata-se de um dolo específico que se preenche com a intenção de o agente, contra a vontade do proprietário ou detentor da coisa furtada; se passar a comportar relativamente a ela animo sibi rem habendi, integrando-a na sua esfera patrimonial ou na de outrem”.

  27. Torna-se assim claro que o Tribunal a quo não subsumiu, adequadamente a conduta dos arguidos, à previsão contida no art. 203 do Cód. Penal.

  28. Sendo certo que do texto do acórdão recorrido resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a al a) do n.° 2 do art. 410 do CPP, 34.Razão pela qual se impõe a reapreciação da prova e alteração da sentença recorrida e a consequente absolvição dos arguidos da prática dos crimes por que vêm condenados.

    Na resposta, o Mº Pº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida, concluindo como segue: 1°O Tribunal a quo apreciou correctamente as provas produzidas em audiência de discussão e julgamento, cabendo tal apreciação, de qualquer forma e de maneira absolutamente adequada, na margem de liberdade de que o julgador sempre dispõe na apreciação da matéria de facto e que o legislador processual penal expressamente consagrou no art. 127°doC.P.P.

    1. Pelo que deverá ser mantida a decisão agora em crise, considerando-se a não procedência do recurso interposto pelo arguido.

    2. No que respeita à alegada falta do elementos subjectivo do tipo de ilícito, é nosso entendimento que os arguidos, ao retirar a vedação do local onde se encontrava e colocando-a em terreno seu, não a devolvendo mais aos seus legítimos proprietários, agiram, pelo menos, com dolo necessário (cfr. art. 14°, n°2 do C.P,), o que é manifestamente suficiente para que se considere preenchido o tipo subjectivo.

    Termos em que deve, Negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a douta sentença proferida nos autos nos seus precisos termos, assim se fazendo, uma vez mais, a costumada O recurso foi admitido.

    Nesta Relação, o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no qual suscitou a questão prévia da intempestividade do recurso em virtude os recorrentes se terem valido do prazo previsto no nº 4 do art. 411º do C.P.P. para os casos em que o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada quando, no caso, não fizeram, nem na motivação, nem nas conclusões do recurso, qualquer alusão a concretas passagens da prova gravada, não cumprindo minimamente os requisitos dos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P.P. Por tal motivo entende que o recurso deve ser considerado extemporâneo e, como tal, rejeitado.

    Foi cumprido o art. 417º nº 2 do C.P.P., tendo o recorrente C… apresentado resposta, na qual sustentou ter sido dado cumprimento ao disposto nos nºs 3 e 4 do C.P.P. e, por isso, se deve concluir que o recurso não é extemporâneo.

    Colhidos os vistos...

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