Acórdão nº 3563/07.6TAMTS.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução06 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr3563/07.6TAMTS.P2 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – B… veio interpor recurso da douta sentença do 1º Juízo Criminal de Matosinhos que o condenou, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, p. e p. pelo artigo 107º do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de trezentos dias de multa, à razão diárias de sete euros, e a pagar à Segurança Social a quantia de 66 452, 29 €, acrescida de juros vencidos e vincendos.

Na motivação do recurso alega, em síntese, o seguinte: - a notificação que lhe foi dirigida em cumprimento do estatuído no artigo 105º, nº 4, b), e nº 6, do R.G.I.T. é inválida e ineficaz, uma vez que carece de fundamentação; que lhe foi comunicado o montante global do débito e não foram discriminados e concretizados os montantes relativos às contribuições, aos juros e à coima; e que não garante, por isso, as funções informativa, processual e constitutiva para as quais foi gizada; sendo, por isso, ferida de nulidade insanável, nos termos do artigo 165º do Código de Procedimento e Processo Tributário, nulidade que pode ser conhecida até ao trânsito em julgado da decisão final, e foi por si arguida na contestação; - será inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 20º, 29º, 32º e 268º da Constituição, o disposto no artigo 105º, nº 4, b), do R.G.I.T., na interpretação de que a notificação em causa se basta com a via postal simples, com prova de depósito, aplicando-se as disposições do Código de Processo Penal, e não as do Código de Procedimento Administrativo (sendo que também não se compreenderia que a Lei dispusesse para a fase administrativa e tributária de um formalismo mais exigente do que aquele que se pretende ver consagrado para a fase judicial e criminal); - tal notificação deveria ter sido dirigida ao administrador da insolvência da sociedade de que ele era gerente aquando da prática dos factos em apreço, pois, desde a declaração de insolvência da mesma, deixou de poder dispor dos bens respetivos; sendo que, por isso, nunca poderia pagar a quantia em causa (tanto mais que no decurso do prazo que lhe foi concedido foi decretado o encerramento da liquidação da sociedade), e que a sua responsabilidade criminal não poderá depender de atos de terceiro; - da prova produzida, e, designadamente, das suas declarações e das declarações das testemunhas que transcreve, resulta que as dificuldades da sociedade de que era gerente não derivaram (como se afirma na douta sentença recorrida) do abandono, pelo segmento de mercado que explorava, da linguagem informática que utilizava nos seus programas, mas de dificuldades de cobrança e da conjuntura económica nacional e internacional; - da prova produzida, e designadamente das suas declarações e das declarações das testemunhas que transcreve, bem como dos documentos que juntou aos autos, não resulta que se tenha apropriado de verbas devidas à Segurança Social (pois essas verbas não existiam), mas antes que a falta de entrega dessas verbas se ficou a dever a dificuldades financeiras da sociedade em causa, alheias à sua vontade; - dessa prova também não resulta que tenha agido com dolo, isto é, com a intenção de se apropriar das verbas em causa; - o artigo 105º do R.G.I.T. é materialmente inconstitucional, uma vez que pune a simples falta de entrega das prestações deduzidas, não exigindo a apropriação das verbas respetivas; deixa de estar em causa a violação de um dever, colocando-se a tónica na simples verificação de um resultado; de onde resulta que se criminaliza matéria puramente civil (conduzindo a uma verdadeira “prisão por dívidas”), sem ressonância ética para se localizar no domínio criminal, contra o princípio da mínima intervenção do Estado em matéria penal, refletido nos artigos 18º e 27º, nº 1, da Constituição; - quanto ao pedido de indemnização civil, a partir do momento em que um facto deixa de merecer censura penal, não pode haver ilicitude apenas para efeitos meramente civis.

Não foi apresentada resposta à motivação do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, alegando que a notificação em causa se deve ter por válida e eficaz; que se provou a apropriação e a atuação dolosa; e que o artigo 107º do R.G.I.T. não deve ser interpretado (não o foi na douta sentença recorrida e não o tem sido na jurisprudência) no sentido de que o crime de abuso de confiança contra a Segurança Social se consuma independentemente de apropriação (pelo que cai pela base a alegação de inconstitucionalidade material deste preceito) Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes: - saber se a notificação efetuada nestes autos ao abrigo do disposto no artigo 105º, nº 4, b), e nº 6, do R.G.I.T. é, ou não, válida e eficaz, com as consequências daí decorrentes; - saber se a prova produzida permite concluir que as dificuldades da sociedade de que o arguido era gerente derivaram do abandono, pelo segmento de mercado que explorava, da linguagem informática que utilizava nos seus programas (como se afirma na douta sentença recorrida), ou se derivavam, antes, de dificuldades de cobrança e da conjuntura económica nacional e internacional (como alega o recorrente); - saber se a prova produzida permite concluir que o arguido se apropriou das verbas devidas à Segurança Social e referidas na douta sentença recorrida e, consequentemente, que agiu com dolo, isto é, com a intenção de se apropriar das verbas em causa; - saber se o artigo 107º do R.G.I.T. é materialmente inconstitucional, por prescindir da apropriação como elemento constitutivo do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social; - saber se a absolvição do arguido quanto ao crime em causa acarretará a sua absolvição quanto ao pedido de indemnização civil contra ele formulado.

III – É o seguinte o teor da fundamentação da douta sentença recorrida: (…) Fundamentação de facto.

(Uma vez que se trata de aplicar o direito, passar-se-á a transcrever a decisão já proferida quanto à matéria de facto) «São os seguintes os factos considerados como provados na audiência de julgamento Factos Provados A sociedade “C…, S.A”, com sede na …, nº …., r/c, …, Matosinhos, por sentença transitada em julgado a 6/08/2007, proferida no âmbito do Processo nº 138/06.0 TYVNG, do 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, foi declarada a insolvente, Tal sociedade foi matriculada na 3ª Secção da Conservatória do Registo Comercial do Porto, sob o nº ………, tendo-se inscrito na Segurança Social em 1 de Março de 1991, como Sociedade por quotas.

A empresa dedicava-se à importação, comércio, representação e manutenção de produtos e serviços informáticos.

O arguido encontra-se inscrito na Segurança Social, foi-lhe atribuído o número ……….., apresenta registo como D… na sociedade extinta desde 1 de Janeiro de 1994.

Para além disso, auferiu remunerações na mesma qualidade no período de Janeiro de 2000 a Dezembro de 2003, conforme resulta de fls 46 a 48.

Assim, pese embora só a partir do triénio de 2002/2004 o arguido fosse Presidente do Conselho da Administração, a verdade é que já nos anos de 2000 e 2001, como então, ele geria a “C…, S.A”, de direito e de facto, apresentava-se diariamente na empresa, dava ordens aos trabalhadores da mesma, pagava ordenados, assinava documentos relacionados com a laboração da mesma.

Nos períodos a seguir indicados o arguido, em representação da sociedade “C…, S.A, procedeu a desconto nos salários dos seus trabalhadores - regime geral e membros dos órgãos estatutários-, a título de contribuições devidas à Segurança Social, nos montantes seguintes: Mês/Ano Salários Pagos Taxa Cotizações Retidas Deduções Cotizações Efectivamente Retidas e Não Pagas Jan-01 12.422,30 € 11,0% 1.366,45 € 1.366,45 € 734,56 € 10,0% 73,46 € 73,46 € Fev-01 11.310,19 € 11,0% 1.244,12 € 1.244,12€ 734,56 € 10,0% 73,46 € 73,46 € Mar-01 12.402,65 € 11,0% 1.364,29 € 1.364,29 € 734,56 € 10,0% 73,46 € 73,46 € Abr-01 10.242,30 € 11,0% 1.126,65 € 1.126,65 € 734,56 € 10,0% 73,46 € 73,46 € Mai-01 11.997,29 € 11,0% 1.319,70 € 1.319,70 € 734,56 € 10,0% 73,46 € 73,46 € Jun-01 12.899,97 € 11,0% 1.419,00 € 1.419,00 € 1.469,13 € 10,0% 146,91 € 146,91 € Jul-01 17.987,74 € 11,0% 1.978,65 € 1.978,65 € 822,69 € 10,0% 82,27 € 82,27 € Ago-01 10.879,31 € 11,0% 1.196,72 € 1.196,72 € 763,91 € 10,0% 76,39 € 76,39 € Set-01 11.195,71 € 11,0% 1.231,53 € 1.231,53 € 763,91 € 10,0% 76,39 € 76,39 € Out-01 11.183,45 € 11,0% 1.230,18 € 1.230,18 € 763,91 € 10,0% 76,39 € 76,39 € Nov-01 12.669,87 € 11,0% 1.393,69 € 1.393,69 € 782,27 € 10,0% 78,23 € 78,23 € Dez-01 20.895,02 € 11,0% 2.298,45 € 2.298,45 € 1.564,51 € 10,0% 156,45 € 156,45 € Jan-02 11.908,83 € 11,0% 1.309,97 € 1.309,97 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Fev-02 11.784,29 € 11,0% 1.296,27 € 1.296,27 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Mar-02 13.131,42 € 11,0% 1.444,46 € 1.444,46 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Abr-02 11.786,68 € 11,0% 1.296,53 € 1.296,53 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Mai-02 12.231,80 € 11,0% 1.345,50 € 1.345,50 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Jun-02 10.278,88 € 11,0% 1.130,68€ 1.130,68€ 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Jul-02 21.036,12 € 11,0% 2.313,97 € 2.313,97 € 1.564,51 € 10,0% 156,45 € 156,45€ Ago-02 11.136,81 € 11,0% 1.225,05 € 1.225,05 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Set-02 11.436,09 € 11,0% 1.257,97 € 1.257,97 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Out-02 11.436,09 € 11,0% 1.257,97 € 1.257,97 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Nov-02 10.899,19 € 11,0% 1.198,91 € 1.198,91 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Dez-02 22.208,95 € 11,0% 2.442,98 € 2.442,98 € 1.564,51 € 10,0% 156,45 € 156,45€ Jan-03 11.039,54 € 11,0% 1.214,35 € 1.214,35 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Fev-03 11.197,47 € 11,0% 1.231,72 € 1.231,72 € 782,24 € 10,0% 78,22 € 78,22 € Abr-03 12.562,53 € 11,0% 1.381,88 € 1.381,88 € 782,27 € 10,0% 78,23 € 78,23 € Mai-03 10.912,46 € 11,0%...

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