Acórdão nº 1616/11.5TBMTS-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Junho de 2012

Data21 Junho 2012
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1616/11.5TBJMTS-A.P1 – 3º Juízo Cível de Matosinhos Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1393) Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

A executada B…..

, na oposição que deduziu à execução instaurada pelo C….., SA, formulou pedido de condenação do exequente em multa e indemnização no valor de 10% do valor da execução, tendo por base o instituto da litigância de má-fé e da responsabilidade do exequente Como fundamento, alegou que o exequente agiu de forma temerária no processo executivo e que faltou à verdade conscientemente em seu prejuízo quando articulou que ela, executada, era subscritora da livrança que foi dada à execução como título.

O exequente contestou e, reconhecendo porém que a requerente não figura no título executivo, afirmou que a promoção da cobrança coerciva quanto a ela ficou devida a um lapso em que foi induzida pela forma como a livrança foi preenchida pela própria requerente, tendo agido sem culpa.

Foi proferido despacho que dispensou a realização de audiência nos termos do art. 304.º do CPC, passando-se de imediato à prolação de decisão, julgando-se procedente o incidente, tendo o exequente sido condenado: a) Em multa no valor de € 612,00; b) A pagar à oponente, a título de indemnização, o valor de € 2.314,35.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o exequente, tendo apresentado extensas conclusões que a seguir se transcrevem.

Conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da condenação do Exequente como litigante de má fé, sendo que este entendimento é errado e não corresponde à verdade, como resulta dos autos, mais concretamente da atitude processual do Exequente a partir do momento em que verificou que deduziu pretensão contra parte ilegítima.

  1. Importa entender o que levou o exequente a demandar a Requerente na presente acção executiva: tal deveu-se a um lapso na leitura do título cambiário, em virtude da forma como é identificada a subscritora do título executivo dado à execução.

  2. Na livrança executada, mais concretamente no local reservado à identificação do subscritor, encontramos um carimbo e bem abaixo do mesmo a assinatura da Requerente, sendo que, desse carimbo, não consta qualquer menção à qualidade de gerente da Requerente.

  3. A exigência desta menção resulta do n.º 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais “Os gerentes vinculam a sociedade, em actos escritos, apondo a sua assinatura com indicação dessa qualidade”.

  4. Ainda hoje, e apesar do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2002, de 06.12.2001, há doutrina e jurisprudência que entendem que, com vista à segurança e certeza jurídicas, a menção da qualidade de gerente tem que ser expressa (cfr. o Acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 08.07.2003, Santos Bernardino, in www.dgsi.pt).

  5. Veja-se também a observação de Abílio Neto: “De salientar que a corrente que fez vencimento rejeitou a que àquela formulação fosse aditada a expressão “se constantes do próprio escrito”, como pretendia a quase totalidade dos vencidos, e, em nosso entendimento, com toda a justeza, como única forma de evitar o arbítrio insindicável, de sinal oposto ao que se pretendeu esconjurar, ao ponderar, na fundamentação do acórdão, que a interpretação que circunscreve a indicação da qualidade de gerente às manifestações expressas no acto escrito desprotege a confiança no tráfico jurídico, não tutela a boa fé dos que negoceiam com a sociedade e permite a esta o subterfúgio, de quando lhe convier, se desvincular das obrigações que assumiu” - “Código das Sociedades Comerciais Jurisprudência e Doutrina”, 3ª Edição, Maio de 2005, pág. 581.

  6. Também Raúl Ventura, na análise que faz do n.º 4 do artigo 260º do Código das Sociedades Comerciais, defende que para a vinculação da sociedade é indispensável a reunião dos dois elementos, ou seja, da assinatura pessoal do gerente e a menção da qualidade de gerente.

  7. Esta posição é manifestada no Ac. da Relação do Porto, de 25.02.1992, JTRP00003409, no Ac. da Relação do Porto, de 14.06.1993, JTRP00010024, in www.dgsi.pt; Ac. da Relação de Coimbra, de 15.11.1994, Col. Jur., 1994, 5º - 43, entre outros.

  8. E este caso é um exemplo disso mesmo, pois se tivesse sido feita a menção expressa da qualidade de gerente da Requerente nunca o exequente a teria demandado.

  9. Demandou-a porque fez uma dedução errada do título executivo. Ora, este comportamento é perfeitamente desculpável, pois analisada a livrança vemos que há um carimbo e bastante abaixo desse carimbo encontramos a assinatura, em singelo, da Requerente.

  10. Importa ainda mencionar, para sublinhar que a atitude processual do exequente não é gravosa ao ponto de se enquadrar na litigância de má fé, que havia doutrina e jurisprudência, anterior ao Ac. Uniformizador de Jurisprudência, que entendia que, não constando do carimbo a qualidade de gerente, quem ficava obrigado era o seu gerente, pois era ele que assinava.

  11. Nesse sentido temos: i. - Ac. da Relação do Porto, de 10.10.1996, JTRP00017901, in www.dgsi.pt: “I – Uma sociedade por quotas apenas fica responsabilizada, como aceitante, pelo pagamento de letra de câmbio, quando a assinatura do seu representante no lugar do aceite da letra, seja acompanhada da indicação expressa dessa qualidade. II – Na falta dessa indicação, o subscritor da letra é pessoalmente responsável pelo seu pagamento como aceitante. III – è irrelevante, para esse efeito, o facto de o quantitativo inserto na letra respeitar a uma dívida da sociedade.” ii. - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.1.1996: Col. Jur./STJ, 1996, 3º - 78: 13. “Um gerente comercial para que responsabilize uma sociedade deve fazê-lo de forma que do documento resulte, em termos aceitáveis, segundo o costume, que assinou tal documento que diz respeito à sociedade e não a ele pessoalmente ou desde que conste com assinatura o próprio nome da sociedade” (veja-se neste sentido o acórdão da Relação do Porto, de 03.12.1996 ou o acórdão da Relação de Coimbra, de 20.02.2001, ambos in www.dgsi.pt).

  12. Neste último observa-se: “I - Tendo os embargantes aposto a sua assinatura no local destinado ao aceite, sem qualquer referência ou menção à sua qualidade de sócios-gerentes da sociedade sacada, tais assinaturas não são susceptíveis de vincular a referida sociedade, que, por isso, não pode ser tida como aceitante das letras em execução. II – Não revelando o simples exame das letras dadas á execução qualquer irregularidade formal, uma vez que contêm, no lugar do aceite, simplesmente as assinaturas dos embargantes, é de concluir pela validade do aceite e, consequentemente, pela responsabilidade pessoal dos embargantes como aceitantes, atento o disposto no art.º 8º da L.U.L.L.”.

  13. Assim, repete-se que, daqui se depreende que, mesmo que se entenda, in casu, que não houve prudência normal de um bonus pater familiae, o que só por mero dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a conduta do aqui Recorrente não é suficiente, nem capaz de criar no ordenamento um juízo de censura reprovável ao ponto de o condenar como litigante de má fé, pois a própria doutrina e jurisprudência já tiveram o entendimento que levaria a demandar pessoalmente a Requerente pela dívida da sociedade! 16. Este lapso, admitido pelo exequente logo que se deu conta dele e depois de ter ido analisar os documentos que estavam subjacentes à emissão da livrança, é desculpável, e poderia ter acontecido a qualquer bonus pater familiae.

  14. Para este lapso pode até dizer-se que concorreu a Recorrida, que, na altura dos factos, era a gerente da sociedade e portanto a quem...

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