Acórdão nº 15/09.3TBOVR.C1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 15/09.3TBOVR.C1.P1 Baixo Vouga Acordam no Tribunal da Relação do Porto: 1.

B…, Ldª, com sede na Rua …, .., em Ovar, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra C…, Ldª, com sede no …, em Ovar, em síntese, alegando: Haver celebrado com a ré, em 31/5/06, um contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial de restaurante, café e bar com local para dança, denominado “D…”, instalado no prédio sito no …, em Ovar, mediante o pagamento de € 2.500,00 mensais, nos primeiros doze meses, € 3.000,00 mensais, nos doze meses seguintes actualizáveis, após o decurso de vinte e quatro meses, anualmente, à taxa de 2,5%.

A ré obrigou-se a celebrar um seguro multi-riscos, com o capital mínimo de € 250.000,00 (que cobrisse a responsabilidade civil emergente de riscos ocasionados pelo funcionamento do estabelecimento) e a respeitar e cumprir, até ao seu termo, os contratos em vigor entre a autora e a E….

A ré obrigou-se ainda a pagar à autora, em caso de rescisão do contrato por causa que lhe fosse imputável, uma indemnização mínima correspondente às mensalidades vencidas e vincendas.

A ré não pagou as retribuições a que se havia obrigado, não efectuou o seguro pelo valor acordado, nem respeitou o acordo celebrado com E… e a autora, por carta de 15/2/2008, comunicou à ré que considerava resolvido o contrato caso esta, no prazo de oito dias, não cumprisse estas obrigações. A ré respondeu à carta mas nada cumpriu.

Os bens existentes no estabelecimento pertença da autora (de valor não inferior a € 200.000,00) e parte do próprio imóvel (orçando o valor das reparações em € 491.463,00) foram destruídos por um incêndio.

Concluiu pedindo: - a resolução, com justa causa, do contrato de locação de estabelecimento comercial de restaurante, café e bar com local para dança, denominado “D…”, instalado no prédio sito no …, em Ovar; - a condenação da ré a pagar-lhe uma quantia até € 200.000,00 referente a mensalidades vencidas e não pagas, valor de reparações e indemnização pela rescisão do contrato por facto imputável à ré.

Contestou a ré para defender que o contrato, não obstante assinado pelas partes, nunca chegou a vigorar (assim explicando que só passados dois anos após a sua celebração a autora viesse reclamar o pagamento das mensalidades) e isto porque quer o imóvel onde o estabelecimento deveria funcionar, quer os móveis, estavam em mau estado e precisavam de reparações, razão pela qual as partes acordaram a suspensão do pagamento das rendas, a aquisição pela ré à autora da totalidade dos electrodomésticos da cozinha, do material e aparelhagem eléctricos (tudo pelo valor de € 30.000,00, dos quais a ré já pagou € 23.500,00), o termo do contrato com a E…, o seguro multi-riscos pelo valor de € 180.000,00 (nenhuma companhia de seguros aceitou celebrar o seguro por montante superior), que a ré celebrou, a constituição pela ré a favor da autora de uma garantia bancária no valor de € 20.000,00 (que a ré constituiu junto do H…) e a emissão de uma letra, aceite pela ré, no montante de € 10.000,00.

Acordo este que, proposto pela autora, vigorou até Dezembro de 2007, mantendo-se o contrato escrito em poder da autora porque esta, dizia, necessitava dele para fazer um seguro.

No início de Janeiro de 2008 agendaram as partes uma reunião para redefinição da situação contratual; neste mesmo mês a autora celebrou o contrato de seguro que pretendia e deflagrou um incêndio no imóvel, no dia 29, não se tendo realizado a reunião ou redefinido a situação contratual.

E foi então que autora enviou à ré uma carta a dizer que o contrato não estava a ser cumprido, visando obter a indemnização do seguro, no montante de € 180.000,00 que a ré havia celebrado e accionou a garantia bancária pelo montante de € 20.000,00 quando a ré só lhe devia € 6.500,00.

Termos em concluiu pela improcedência da acção e, reconvindo, pela condenação da ré na quantia de € 13.500,00, correspondentes à diferença entre a quantia que considera dever à autora e o obtido por esta com o movimento da garantia bancária.

Respondeu a autora impugnando as matérias da suspensão do contrato e da venda de bens e equipamentos à ré e excepcionado a ineptidão da petição reconvencional quer por falta de causa de pedir (a reconvinte, afirma, não alega quaisquer factos) quer por contradição entre esta e o pedido (nenhuma norma, considera, estatui o efeito jurídico pretendido como consequência da causa de pedir).

A ré ainda treplicou para defender que o pedido reconvencional não enferma dos vícios que a autora lhe aponta e, assim, concluir pela improcedência da excepção suscitada.

1.2. Frustrando-se a conciliação das partes, na audiência preliminar designada, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da nulidade da instância reconvencional e condensado o processo com factos provados e base instrutória.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto e depois proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente condenou a ré a pagar à autora o valor já liquidado de € 34.000, 00 (mais IVA legal), e, ainda, € 27.000, 00, acrescido de juros legais vencidos desde a citação e até integral pagamento, actualmente à taxa de 4%, bem como a pagar à A. o valor, a apurar em incidente de liquidação, necessário à reparação/reposição dos danos do imóvel e recheio/bens móveis do estabelecimento, constantes da lista anexa ao contrato, acima enunciados em 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19 e 20, todos estes valores (do presente dispositivo) até ao limite de € 200.000, 00 e absolveu a ré do demais peticionado.

1.3. É desta sentença que a ré inconformada interpôs o presente recurso, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem: “

  1. A autora não é proprietária do imóvel, contrariamente ao que alegou e foi considerado provado. Existe prova documental nos autos de que foi tão só detentora de um direito de superfície até Fevereiro de 2010 (artigo 514°, n° 2 do Código de Processo Civil), situação que omitiu e que deveria levar à sua condenação como litigante de má-fé.

  2. Não tendo já qualquer direito sobre o imóvel não pode ser indemnizada pela reparação do edifício e recheio até ao montante de 200.000€ (duzentos mil euros).

  3. No respeitante à culpa na deterioração do locado a ré só poderia responder se se provasse a sua culpa e não se provou (artigo 1044° do Código Civil) - Professor A. Varela e Pires Lima, Código Civil anotado.

  4. A autora não tem direito à indemnização fixada na sentença já que nunca resolveu o contrato enquanto diz que vigorou e só o pretendeu fazer quando ele já estava extinto.

  5. Ao fazer constar no contrato inicialmente celebrado que o imóvel e os móveis estavam em bom estado, o que não era verdade, porque a ré teve de fazer obras para debelar infiltrações e compor o fogão - a autora incumpriu o contrato (10320 do Código Civil) já que sem tais reparações o locado não realizava cabalmente o fim a que se destinava.

    O incumprimento da autora leva à impossibilidade de fazer impender sobre a ré a exclusiva responsabilidade pelo alegado incumprimento do contrato.

  6. A autora desde a celebração do contrato até à sua extinção nunca peticionou rendas. Ao fazê-lo depois de extinto, invocando a resolução por incumprimento, age em abuso de direito por agir de forma contrária à que sempre adoptou, levando ao convencimento da ré de que agia licitamente.

  7. A douta sentença de que se recorre violou o disposto nos artigos 334°, 1032°, 1044° do Código Civil e 514°, n° 2 do Código de Processo Civil devendo ser revogada e substituída por outra que absolva a ré do pedido, assim se fazendo justiça.

    ”[1] A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e requerendo a ampliação deste por forma a abranger e a conceder-se provimento aos fundamentos em que decaiu (a autora havia formulado um pedido de indemnização com fundamento na resolução do contrato por causa imputável à ré que lhe foi parcialmente negado com fundamento na extinção do contrato, por caducidade, à data da pretensa resolução).

    Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    1. Objecto do recurso.

      O objecto dos recursos é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. artºs. 684º, nº3, 690º, nº1 e 660º, nº2, 2ª parte, todos do Código de Processo Civil.

      E dizemos em princípio, porque com a entrada em vigor do D.L. nº 39/95, de 15/2, foi aditado ao Código de Processo Civil o artigo 684º-A que permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação posta nos autos.

      Importa, porém, precisar os casos em que tal ampliação é admissível. E, começando por um limite negativo, a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido não é admissível no caso de ter ficado vencido no pedido cujo fundamento a determina. Tendo ficado vencido o caminho é o recurso seja recurso independente, seja subordinado (artºs 680º e 682º, do C.P.C.).

      Se a parte não obteve total ganho de causa pode interpor recurso se obteve não pode; e é precisamente nas situações em que a parte obteve total ganho de causa e, por isso, não pode recorrer que a lei permite hoje, verificados determinados pressupostos, a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido.

      Numa síntese justificativa do novo regime Lopes do Rego explica: “(…) no direito anterior, perante a conclusão de que «vencido» era apenas o «afectado objectivamente pela decisão» - e não pelos fundamentos desta, não sendo possível a interposição do recurso reportado apenas aos fundamentos do decidido – questionava-se a doutrina sobre qual seria o meio procedimental idóneo para a parte vencedora, que todavia vira rejeitado um dos vários fundamentos (da acção ou da defesa) deduzidos, garantir o seu direito a ver reapreciada tal matéria, no caso de o recurso interposto pela outra parte vir a ser...

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