Acórdão nº 62/07.0TARSD.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Outubro de 2012
Magistrado Responsável | LÍGIA FIGUEIREDO |
Data da Resolução | 24 de Outubro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
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secção criminal Proc. nº 62/07.0TARSD.P2 _______________________ Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: No processo comum (tribunal singular) n.º62/07.0TARSD.P2, do Tribunal Judicial da Comarca de Resende o arguido B… foi submetido a julgamento e a final proferida decisão nos seguintes termos: (…) Em face de tudo o exposto, julgo a acusação pública totalmente procedente e, em conformidade decido: a) condenar o arguido B… pela prática de um abuso de confiança qualificado, na forma continuada, previsto e punido pelo artigo 205.º, nº 1, nº 4, al. a) e 30.º, nº 2 , ambos do Código Penal, na pena de 430 [quatrocentos e trinta] dias de multa à razão diária de 6,00 € [seis euros].
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condenar o demandado civil B… no pagamento da quantia de 18.586,03 € [dezoito mil quinhentos e oitenta e seis euros e três cêntimos], acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de citação do demandado e até efectivo e integral pagamento relativo aos danos patrimoniais, formulado pelo demandante civil.
Custas Criminais Condena-se o assistente no pagamento da custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC – artigo 515.º, nº 1 al. a) do CPP e artigo 85.º, nº 1, al. b) do CCJ, fixando-se no mínimo a procuradoria, ou seja, um quarto da taxa de justiça (art. 95º, nº 1, do CCJ), bem como no pagamento de quantia equivalente a 1% da taxa de justiça referida (art. 13º, nº 3 do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro).
Custas Civis Porque lhe deu causa, vai o demandado civil condenado nas custas do processo –artigo 446.º, nº 1 e nº 2, do CPC. (correcção de fls. 1389).
*Inconformados, interpuseram recuso o arguido B… e a assistente C…, Ldª, retirando das respectivas motivações as seguintes conclusões: A Assistente (…) 1.Considerando os factos provados, o dolo directo com que foram pratica, o elevado grau de ilicitude dos mesmos, a ausência de confissão por parte do arguido, que, aliás, até negou os factos na sua contestação escrita, e, ainda, o facto de não ter devolvido voluntariamente à Assistente as quantias (total: 18.506,03 €) de que apropriou, o arguido deve ser condenado, com respeito ao crime que cometeu (abuso de confiança qualificado na forma continuada, p.p pelos artº 205°-no 1, nº4 -a) e 30°, nº2 do CP) na pena de três anos de cadeia, Mas, 2: Considerando que é "primário", esta pena deverá ser suspensa, mas só sob a condição de no prazo de três meses pagar à Assistente as quantias (capital + juros) que constam da sentença.
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Na douta sentença recorrida, o Meritíssimo Senhor Juiz fez uma aplicação incorrecta aos factos apurados dos artº 40°-1.-2., 70° e 71°-1.-2. do CPP, os quais, em boa aplicação, impunham aquela pena de três anos de prisão, suspensa por igual período mas sob a obrigação de indemnizar a assistente com os montantes (capital + juros) definidos na sentença.
O Arguido (…) A. O julgador, ao decidir, tem que se nortear pela objectividade na sua fundamentação, objectividade essa que não se afirma como uma objectividade científica, é antes uma racionalização prático-histórica, a implicar menos o racional puro que o razoável, proposta não à dedução apodíptica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, o que se manifesta não em termos de intelecção mas de convicção.
B.Não subsistem dúvidas de que mal andou o Meritíssimo Juiz a quo, pois que não realizou a correcta operação cognitiva/intelectiva para aferir da sua convicção acerca de uma realidade fáctica e que gera a obrigação de não poderem ser dados como provados todos os factos relevantes à sua decisão.
C.A douta sentença recorrida não cumpriu os limites que lhe são impostos, caracterizando e enquadrando, de forma extrapolada lacunas circunstanciais que serviram para fundar a sua decisão, imputando-as de forma leviana displicente e absolutamente desproporcional ao Recorrente, acabando por condenar o Arguido em termos que não podem considerar-se provados.
D. Concordar com os argumentos aduzidos e que serviram de fundamentação a douta sentença é desvirtuar e menorizar o sentido e alcance de todo o sucedido, convertendo-o numa apreciação arbitrária em que se subverte e deturpa o essencial da questão a que aqui nos reportamos, sendo que o relegar para segundo plano dos pressupostos valorativos na obediência a critérios de experiência comuns, limitou o carácter motivacional do Meritíssimo Juiz na correcta fundamentação fáctica da decisão que elaborou e que conheceu afinal do objecto da questão.
E. O Tribunal recorrido não cumpriu o disposto no n.º 2.° do art. 374.° do CPP ao não realizar um exame crítico da prova produzida em Audiência de Discussão e Julgamento, sofrendo a sentença de que ora recorrida de falta de fundamentação e indo contra a prova produzida, pelo que o juiz condena com base em convicções.
F.Contrariamente ao fundamentado pelo Meritíssimo Juiz, e como referiram as testemunhas D…, E… e F…, era prática reiterada, porque eram elaborados em triplicado, o arguido estar na posse dos talões de depósito.
G.O Tribunal a quo não fez um exame crítico na apreciação da participação do arguido nas referidas subtracções, na medida em que fundamenta a sua decisão com base em talões de depósito que licitamente se encontravam na sua posse.
H. Também relativamente à prova dos valores em dívida e da sua subtracção o Tribunal a quo não logrou apurar a forma como aqueles montantes foram apurados, nomeadamente se foram subtraídos numa única operação, num conjunto total de 4, ou em várias operações de menor valor que se computaram nos 4 montantes apurados.
I-O Tribunal não logrou produzir prova bastante e indubitável no sentido de apurar o modus operandi das referidas subtracções, pelo que aqueles períodos não poderão valer como âmbito da condenação do arguido no sentido em que contribuem para a sua qualificação, ou seja, se o mesmo foi subtraído num único turno ou se foi subtraído no decorrer de vários turnos, e por vários dias, sendo assim e consequentemente composto por várias parcelas nunca concretamente apuradas.
J- A sociedade ofendida não tinha instituído procedimentos de controlo diários, de forma a apurar se o valor total dos abastecimentos efectuados em cada um dos turnos correspondia aos depósitos efectuados no banco G…, nunca podendo, consequentemente, afirmar que o valor subtraído mais alto seja o de € 5.126,30.
L.No crime continuado há que atender, não ao valor total de que o arguido se apropriou ilegitimamente, mas ao valor mais alto dos actos singulares praticados na continuação criminosa, desde que tal seja efectivamente e pormenorizadamente apurado.
M.O crime de abuso de confiança indiciariamente praticado pelo arguido preenche apenas o n.º1 do art.º 205.° do Código Penal, sendo assim de natureza particular.
o crime em apreço apenas preenche os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança simples, p. e p. pelo art.º 205.°, n.º1 do CP, e nunca, por carência de elementos que o permitam, qualificado.
N.O tribunal a quo não operou um exame crítico da prova uma vez que não fundamentou com exactidão e precisão a sua decisão, contrariando e relegando para segundo plano a prova que foi apresentada em audiência.
O.O Tribunal a quo partiu de premissas em razão das regras de experiência incorrectas, não fundamentando a razão de não ter valorado, sem que o explicasse, alguma da prova que foi oferecida em sede de Audiência de Julgamento, pelo que a sentença deverá ser declarada nula.
P.Relativamente à matéria dada como não provada, também o douto tribunal não fundamentou devidamente o que esteve na base a sua decisão em dar aqueles factos como não provados, não tendo, por isso, realizado um exame crítico da prova.
Q. O direito de queixa - traduzido numa manifestação de vontade dirigida ao Ministério Público a fim de ser instaurado o procedimento criminal há muito havia caducado, por extemporâneo, pois que, tendo sido a queixa apresentada em 09 de abril de 2007, e posteriormente registada como Inquérito no dia 17 de Abril do mesmo ano, a queixosa teve conhecimento da suposta sonegação dos depósitos incumbidos ao arguido, pelo menos em 07.07.2006 conforme decorre do fax que faz folhas 1046, que a sua contabilidade lhe remeteu nessa data.
Nestes termos, reparando a sentença, de molde a corrigir os erros cometidos pelo tribunal recorrido, farão V. Ex.as JUSTIÇA (…) O Magistrado do Ministério Público respondeu, pugnando pela improcedência do recurso do arguido.
Respondeu também assistente, suscitando a extemporaneidade do recurso do arguido, por em seu entender não ter por objecto a reapreciação da prova gravada; que a prescrição do direito de queixa não deverá ser conhecida e se conhecida deve improceder; sendo no mais o recurso improcedente.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual em questão prévia suscitou a questão da ilegitimidade /falta de interesse da Assistente em recorrer, e que caso não seja liminarmente rejeitado o recurso deverá improceder.
Mais se pronuncia no sentido de ser desatendida a questão da intempestividade do recurso do arguido, suscitada pela assistente e no mais ser negado provimento ao recurso do arguido.
Cumprido o disposto no artº 417º nº2 do CPP, a assistente apresentou resposta na qual pugna pelo reconhecimento do seu interesse em agir no recurso interposto.
*Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação: (…) 2.1. FACTOS PROVADOS 1.O arguido exerceu funções na sociedade C…, Ldª durante vários anos, designadamente nos anos de 2005 e 2006, com a categoria profissional de “abastecedor de combustíveis”.
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No âmbito das suas funções competia ao arguido proceder, diariamente, no fim de cada um dos dois turnos [sendo que o primeiro turno decorria das 6:00 às 14:00 horas e o segundo entre as 14:00 e as 22:00 horas], ao apuramento do montante das receitas arrecadas e ao seu posterior depósito no cofre...
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