Acórdão nº 2619/11.5TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo 2619/11.5tdprt-A.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO.

Nos autos supra identificados, B….., veio requerer a constituição de assistente e simultaneamente a abertura de instrução, após notificação do despacho proferido pelo Ministério Público de arquivamento de inquérito.

Após admitir a intervenção nos autos como assistente, o senhor juiz de instrução proferiu despacho convidando o assistente a corrigir o requerimento, por ser omisso quanto à indicação do tipo de crime e respectivas normas legais incriminadoras.

O Ministério Público, não se conformando com o decidido, veio recorrer deste despacho.

Nas suas alegações o recorrente conclui a sua motivação nos seguintes termos: I - A acusação define o objecto do processo, sendo o objecto do processo penal o objecto da acusação que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal e a extensão do caso julgado – neste sentido e por todos, o Ac. da RE de 27.06.2006, proc. n.º 732/06-1.

II – Nos crimes de natureza pública e semipública, quando o MP arquive o inquérito, ao abrigo do art. 277.º do CPP, o requerimento para abertura da instrução produzido pelo assistente deve conter, para além do mais, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deve ser aplicada (ex vi parte final do n.º 2 do art. 287.º e als. b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do CPP),bem como as disposições legais aplicáveis.

III – Tal significa que o predito requerimento, conquanto não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objecto do processo, e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena - Ac. do STJ de 25.10.2006[1]; Ac. do STJ de 03.05.2001[2]; Ac. da RC de 17.09.2006[3], Ac. do TRG de 14.02.2005[4], Ac. do TRG de 04.05.2005; Ac. da RP de 12.07.2000[5], Ac. da RE de 27.02.2004[6] ,Ac. da RP de 15.12.2004[7] e Ac. da RC de 01.04.2009 , entre muitos.

IV - Também o TC, no Ac. n.º 27/01, de 30.01.2001 - publicado no DR-II S de 23.03.2001 – clarificou a questão, ao referir que «(…) Nos casos de não pronúncia de arguido e em que o Ministério Público se decidiu pelo arquivamento do inquérito, o direito de requerer a instrução que é reconhecido ao assistente deve revestir a forma de uma verdadeira acusação ».

V - Tal doutrina seria mantida pelo mesmo o TC, no Ac. de 19.05.2004 – in DR n.º 150, II S de 28.06.04 – manteve tal doutrina, ao “pronunciar-se no sentido da constitucionalidade da norma do art. 283.º n.º 3 als. b) e c) do CPP, quando interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo assistente, os elementos mencionados nas referidas alíneas ” considerando que “O requerimento para abertura de instrução consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que, por via dele é pretendida a sujeição a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal” .

VI - O requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente, na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo MP, define o âmbito e os limites da investigação a cargo do juiz, bem como os da decisão instrutória – Ac. do STJ de 07.05.2008 (proc. n.º 07P4551) e Ac. da RE de 03.12.09 (proc. n.º 4913/08) - carregado nosso.

VII - Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objecto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa.

Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.

Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução - Ac. da RC de 01.04.2009[8].

VIII - Na mesma esteira, os Acs. da RC de 26.10.2011[9]; da RG de 22.02.2002[10] e de 17.05.2004[11], da RE de 13.04.2010[12] concluíram que “a falta das exigências previstas na segunda parte do art. 287.º torna nulo o r. a. i. (arts. 287.º n.º, 2ª parte, 283.º n.º 3 als. b) e c) e 118.º n.º 1)” invocando a nulidade de conhecimento oficioso.

Já para o Acórdão da Relação de Coimbra, de 27 de Setembro de 2006[13], trata-se de uma nulidade por falta de objecto.

Para o Acórdão da RL, de 7 de Fevereiro de 2006[14], a situação em apreço consubstancia uma verdadeira inexistência e, para o Ac. RP, de 21 de Junho de 2006[15] e da RL, de 11.12.2008[16], tal caso é equiparável a acusação manifestamente infundada.

Já para o Ac. da RE de 03.12.2009[17], se a acusação do assistente não cumpre a “função imposta pelos artigos 287.º n.º 2 e 283.º n.º 3, alíneas b) e c), do CPP (...)” a instrução não é exequível.

Em todos os casos, conclui-se que eles conduzem ao mesmo fatal e incontornável resultado: a rejeição do requerimento.

IX – Ao fixar jurisprudência no sentido de que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos “termos do ‘artigo 287”, n.° 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”- Acórdão n.° 7/2005, do S.T.J., publicado no D.R. 1ª série de 04.11.2005 – o STJ também quis consagrar “ (...) o dever do juiz não se intrometer na delimitação do objecto da acusação no sentido de o alterar ou completar, directamente ou por convite ao aperfeiçoamento”, como já fora reconhecido pelo Ac. do STJ de 02.10.2003 (proc. n.º 2608/03-3ª SASTJ, 74, 149 – e, mais tarde, pelo Ac. da RP, de 4/10.2006 (CJ, IV, 200).

X – Não é legalmente admissível admissível ao juiz ordenar qualquer convite ao aperfeiçoamento ou correcção de uma acusação, formal ou substancialmente deficiente. Na verdade, no nosso actual sistema, e acordo com o n.º 5 do art.º 32°da Constituição da República, o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. Essa estrutura acusatória importa uma clara separação entre os órgãos da acusação e do julgamento e, num processo penal de estrutura acusatória, a entidade que acusa e sustenta a acusação é diferente da entidade que julga, e tendo presente que a peça processual por excelência da...

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