Acórdão nº 2234/08.0TJVNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA |
Data da Resolução | 10 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 2234/08.0TJVNF.P1 Recorrente – B….., Lda.
Recorrido – C….., Lda.
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 – Relatório 1.1 – O processo na 1.ª instância e a decisão sob recurso C……., Lda. instaurou a presente ação e, demandando B……, Lda. pediu a condenação desta no pagamento da quantia de 22.884,04€, acrescida dos juros já vencidos, no montante de 1.525,60€, e dos vincendos, à taxa legal em cada momento em vigor para os juros comerciais e até efetivo e integral pagamento.
A autora, fundamentando a sua pretensão, deu conta do seu objeto comercial (comércio de compra, venda, reparação e restauro de veículos automóveis) e de, no exercício da sua atividade ter celebrado com a ré, sob prévia encomenda desta, a reparação, restauro e reconstrução de um automóvel antigo, Mercedes 170DA, que se encontrava em avançado estado de degradação. Esclarece o trabalho que teve de ser levado a cabo e que a pretensão da ré, expressa pelo seu legal representante, era que o restauro reproduzisse a miniatura por ela mesma apresentada, "independentemente do custo e da correspondente demora".
Diz-nos a autora o que foi construído e acrescenta que a ré recebeu o veículo em 3.11.2007, na data em que também foi entregue o original da fatura, sem qualquer reclamação. Sucede que – conclui a demandante – não obstante o elevado valor no mercado dos automóveis antigos que passou a ter o veículo, a ré só parcialmente pagou o preço devido, obrigando a autora a dirigir-lhe sucessivas interpelações escritas, reclamando o pagamento do valor em dívida.
A ré, contestando, veio impugnar vários factos alegados pela autora. Depois, esclarece a aquisição e a finalidade da utilização do veículo, que qualifica como antigo. Dá conta do valor estimado pela autora para a completa reparação e restauro, dos montantes entregues "por conta" e da falta de entrega do original da fatura, sendo certo que esta – conforme duplicado junto com a petição – inclui alegados materiais colocados e serviços prestados que não correspondem à verdade, além da quantidade de mão de obra debitada se mostrar manifestamente exagerada.
Conclui dizendo que nunca reconheceu o trabalho levado a cabo pela demandante como tendo sido perfeito, pois logo quando a recebeu reclamou do relógio, do contaquilómetros e do acelerador de mão, que não estavam a funcionar.
Juntou diversos documentos e sobre eles a autora pronunciou-se (fls. 56/57).
Na primeira sessão de julgamento (28.01.09) a autora requereu a junção de vários documentos (fls. 64 e ss.) e pediu a ampliação do pedido inicial[1], e nesta parte a ré opôs-se.[2] Os documentos foram juntos, a ampliação do pedido não foi admitida[3] e determinou-se a realização de prova pericial[4].
Os autos vieram a prosseguir termos, visando a integral realização da perícia determinada em audiência, mas foram-se sucedendo constantes interrupções, motivadas pela sucessiva substituição do perito indicado pela ré. Oportunamente, determinou-se que os peritos prestariam esclarecimentos em audiência, tudo conforme resulta claro e documentado nos autos. Depois de produzida toda a prova a que havia lugar – e designadamente a prestação de depoimento pessoal pelo legal representante da autora - foi proferida sentença que, depois de fixar o valor da causa (24.409,64€), julgou a ação procedente e condenou "a requerida a pagar à autora a quantia de €22.884,04, acrescida de juros legais desde a data de vencimento da fatura até integral pagamento".
1.2 – Do recurso Inconformada com a decisão, a ré veio apelar. Pretende que a sentença seja "revogada in totum ou, sem prescindir, deve a condenação no pagamento da quantia de €22.884,00, acrescida de juros, ser substituída por outra que tome em consideração o pagamento feito pela recorrente no montante de €6.250,17 e o remanescente a pagar a liquidar, de acordo com o que se vier a apurar quais os materiais empregues na reparação de “chapa, cromados, pintura e eletricista” que justificam um montante superior a €15.000,00 e quanto aos materiais utilizados na mecânica geral, os que vierem a ser apurados que foram utilizados e qual o preço normalmente praticado". A terminar, a ré apresenta as seguintes Conclusões: A) O contrato celebrado traduz‐se num contrato de empreitada; B) Foi previamente acordado o preço dessa empreitada no que respeita aos trabalhos a incidir sobre “chapa, cromados, pintura e eletricista”, preço esse a variar entre €15.000,00 e €20.000,00, de acordo com o custo de determinados materiais que a recorrida não podia quantificar na altura em foi o preço fixado; C) A recorrente aceitou este preço proposto, pelo que o preço da empreitada ficou determinado nos termos do art. 883º do CC; D) Face a este acordo verbal prévio no que respeita ao preço da empreitada, a douta sentença recorrida não poderia ter condenado a recorrente em valor superior a €20.000,00; E) E só poderia condenar numa quantia superior a €15.000,00, se dos autos constasse e fixasse quais os materiais que justificavam o acréscimo do preço até ao limite de €20.000,00; F) Nada se apurou nos autos quanto a esta última matéria; G) Para além da empreitada quanto a serviços de chapa, cromados, pintura e eletricista, a recorrida prestou serviços de mecânica geral ao veículo em causa, cuja contrapartida (preço) não ficou previamente acordada; H) Os materiais empregues na reparação ao nível de mecânica geral não estão identificados como pertencendo a esta última “arte” nas faturas aqui em causa; I) Desconhece‐se quais são os materiais constantes das faturas que dizem respeito a chapa, cromados, pintura e eletricista por um lado e a mecânica geral, por outro; J) A distinção entre os materiais de cada uma das artes é essencial para se verificar se a recorrida não está a cobrar a mais do que o preço máximo acordado quanto a “chapa, cromados, pintura e eletricista”; K) Nos termos do nº 19 dos Factos Provados, a recorrente pagou já por conta da reparação a quantia total de €6.250,17, que não foi tomada em consideração no valor da condenação; L) A douta sentença recorrida violou assim o disposto no art. 1211º nº 1 e 883º nº 1, ambos do Código Civil e ainda os art. 659º nº 2 e 3 e 661º nº 2, do Código de Processo Civil.
A autora respondeu ao recurso.
Suscitou, na ocasião, a questão da sua extemporaneidade, por entender aplicável aos autos o disposto no artigo 691, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Civil (CPC) e, bem assim, considera que a recorrente (porque a sentença é cristalina e o recurso é anómalo e infundado) atua de má fé e deve ser sancionada em multa e indemnização. No mais, pretende a manutenção do decidido em 1.ª instância, sustentando-se na matéria de facto apurada e no direito ali aplicado.
A recorrente, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do CPC, respondeu às contra-alegações da recorrida. Defendeu a tempestividade do recurso (por estarmos perante uma apelação da decisão final) e igualmente defendeu o indeferimento da sua condenação enquanto litigante de má fé.
O recurso foi recebido nos termos do despacho de fls. 256, onde expressamente se considerou que a apelação – apelação da decisão final – era tempestiva, já que o recurso era subsumível no disposto no n.º 1 do artigo 691 do CPC e não da alínea d) do n.º 2 do mesmo artigo e diploma.
Nesta Relação foram mantidos os termos daquele despacho, isto é, que o recurso interposto pela ré era tempestivo e legal e que consiste num recurso de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos correram Vistos.
Nada obsta ao conhecimento do mérito da apelação.
1.3 – Objeto do recurso: As questões a apreciar nesta apelação estão definidas pelas conclusões da recorrente e são as seguintes: 1.3.1 – Se a sentença não podia ter condenado em quantia superior a 20.000,00€, atento o prévio acordo de preço e se, pelo mesmo acordo, só podia condenar em quantia superior a 15.000,00€, e até àquele primeiro limite, se tivesse fixado quais os materiais que justificavam o acréscimo do preço.
1.3.2 – Se a sentença não tomou em consideração, e devia tê-lo feito, o comprovado pagamento da quantia de €6.250,17 pela recorrente.
2 – Fundamentação 2.1 – Fundamentação de facto: A 1.ª instância apurou a seguinte matéria de facto, que não suscitou qualquer impugnação: 1 - A sociedade A. exerce, com escopo lucrativo, o exercício de comércio de compra, venda, reparação geral e restauro de veículos automóveis; 2 - No exercício da sua atividade, a sociedade A. celebrou com a sociedade R., sob prévia encomenda desta, a reparação, restauro e reconstrução do veículo automóvel antigo, carrinha de caixa aberta Mercedes Benz – 170DA, com a matrícula NH-..-..; 3 - Aquela carrinha Mercedes, cujo ano de construção e registo de propriedade está assinalado como sendo 1952, quando deu entrada na oficina da sociedade A., em abril ou maio de 2006, encontrava-se em avançado estado de degradação; 4 - O legal representante da sociedade R. – D….. – já depois...
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