Acórdão nº 474/08.1TYVNG-M.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução03 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 474/08.1TYVNG-M.P1 Insolvência 474/08.1TYVNG-M, 1º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório Nos autos de insolvência em que é insolvente “B…, Lda.”, com sede na …, …, em Póvoa de Varzim, C… e esposa, D…[1], residentes na Rua …, .., em Póvoa do Varzim, aquele na qualidade de promitente-comprador da fracção M do prédio urbano inscrito na matriz respectiva da freguesia … sob o n.º 709 M, do concelho de Vila do Conde, descrito na CR sob º n.º 529/20110309, apreendido para a massa insolvente, vieram recorrer do despacho judicial que decidiu que o cumprimento do contrato-promessa pelo administrador de insolvência não faz caducar os ónus e encargos registados sobre o imóvel.

Apresentando a sua alegação, assim concluíram: 1/ Os recorrentes viram o seu crédito de € 74.819,68 reconhecido pelo Sr.º Administrador da Insolvência e reconhecido o crédito como crédito garantido por direito de retenção do imóvel – Fracção objecto do contrato de promessa de compra e venda junto com a reclamação de créditos – cfr. n.º 28 da Lista de créditos reconhecidos nos termos do artigo 129º, n.º 1 do CIRE e reclamação de créditos dos Recorrentes.

2/ Sem oposição da comissão de credores e a solicitação dos recorrentes (ora credores reclamantes), o Administrador da Insolvência optou pelo cumprimento do contrato-promessa cujo preço se encontra integralmente pago.

3/ Na sequência da comunicação feita pelo Sr.º Administrador da Insolvência a 19/01/2011, os recorrentes vieram aceitar a opção pelo cumprimento do contrato-promessa.

4/ Ao optar pelo cumprimento do contrato-promessa, o Sr.º Administrador de Insolvência assumiu uma obrigação com as condições do contrato-promessa.

5/ E o contrato-promessa menciona expressamente que a prometida venda é livre de quaisquer ónus ou encargos.

6/ O Administrador da Insolvência, a partir da altura em que comunicou a sua intenção em cumprir o contrato-promessa de compra e venda, livre de ónus e encargos, não mais poderá voltar atrás, sem o acordo da contraparte (artigos 224.º, 230.º e 406.º do Código Civil).

7/ Veio a Exm.ª Juiz, proferir, em consequência, do pedido de decisão judicial sobre questão formulada pelo Sr.º Administrador da Insolvência, a decisão de que se recorre que refere “estando em causa cumprimento dos contratos-promessa, tal não opera o levantamento de ónus e encargos, sendo o imóvel transmitido com os mesmos, pois não se trata de venda judicial e, como tal, não operam os efeitos desta”.

8/ Não concordam os recorrentes com a decisão ora referida, uma vez que, como já referiram a opção de cumprimento do contrato-promessa só pode ser um cumprimento sério e se no mesmo se prevê que a venda, objecto do contrato prometido, se faz livre de ónus e encargos, só pode existir cumprimento do contrato nesses termos e não noutros.

9/ Os negócios jurídicos devem ser cumpridos pontualmente e só podem, na falta de acordo, ser modificados com base na lei.

10/ Com o cumprimento desta prestação o Administrador, agindo como representante da massa insolvente, procede à alienação de bens que já a integravam, uma vez que pertenciam ao património da insolvente à data da declaração de insolvência — artigo 46° do CIRE.

11/ Daí que esta venda não possa deixar de ser encarada como uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente para benefício de todos os credores pois que os promitentes-compradores vêem satisfeitos os seus créditos sem participarem no concurso falimentar.

12/ Assim sendo, as hipotecas que afectavam os imóveis prometidos vender caducam com a venda, nos termos do artigo 824° do Código Civil, pelo que não há qualquer necessidade de proceder à sua expurgação, uma vez que elas não acompanham os imóveis sobre que recaíam após a sua venda aos promitentes-compradores.

13/ À insolvência, como execução universal, aplica-se o disposto no artigo 824.º do Código Civil, artigos 10.º e 13.º, 101.º, n.º 5 do CRP.

14/ Pelo que não vêm qualquer razão para a presente decisão e para que o Administrador de insolvência não cumpra com o contrato-promessa de compra e venda que a Insolvente celebrou com os aqui credores que, aliás, pagaram o preço na íntegra, e que têm a tradição da fracção e em que o direito de retenção sobre a mesma é-lhes reconhecido pelo Srº Administrador, celebrando a escritura de compra e venda da fracção referida, livre de ónus e encargos.

Pelo que assim decidindo farão V. Exas. JUSTIÇA! REGRAS VIOLADAS: artigo 824º do Código Civil, artigo 10º, 13º e 101º, 5 do Código de Registo Predial, artigo 46º do CIRE, artigos 224º, 230º e 406º do Código Civil.

A E…, S.A., notificada do recurso interposto pelos credores C… e mulher, apresentou a sua resposta com as seguintes conclusões: 1. Não podem confundir-se, como insistem os recorrentes em fazer, o cumprimento do contrato-promessa e a venda em sede de liquidação do activo.

2.

É desde logo sintomática da necessária distinção a localização sistemática dos dois regimes no CIRE: o cumprimento do contrato-promessa insere-se no âmbito dos efeitos da insolvência nos negócios em curso (Capítulo IV do Título IV), ao passo que a venda se insere no âmbito da liquidação do activo (Capítulo III do Título VI).

Com efeito, 3. Há que distinguir os efeitos jurídicos quanto à garantia (hipoteca) constituída a favor da E…, consoante se trate de cumprimento do contrato-promessa ou de liquidação do activo.

4. Na primeira situação, caso o administrador opte pelo cumprimento do contrato prometido (compra e venda de uma fracção), operará a transferência da propriedade da fracção. O administrador substitui o contraente insolvente; essa substituição consubstancia-se, no presente caso, na celebração do contrato mediante o qual transmite a propriedade do imóvel aos aqui recorrentes.

5. Ou seja, tudo acontece da forma e com a extensão que teria o contrato de compra e venda directamente celebrado com o Insolvente. A transmissão da propriedade, quer seja levada a cabo pelo administrador da insolvência, quer tivesse sido pelo Insolvente, em nada interfere, nem interferiria, com a hipoteca que onera o imóvel e cujo registo antecede qualquer direito de que possam os recorrentes arrogar-se.

6. Isto, mercê da sequela própria dos direitos reais, que permite ao titular do direito hipotecário invocá-lo onde quer que o bem se encontre, isto é, mesmo que tenha sido transmitido a terceiro após a constituição do direito (Antunes Varela, Das Obrigações, 3.ª Edição, 1.º Vol., pág. 122).

7. A hipoteca acompanha a coisa, independentemente de quaisquer vicissitudes e onde quer que ela se encontre, pelo que, transmitida a propriedade de um imóvel onerado com uma hipoteca, continuará o mesmo onerado até que o adquirente a expurgue, nos termos do artigo 721.º do Código Civil.

8. Cumprido o contrato, não pode o bem ser vendido no processo de insolvência, pelo que não serão aplicáveis, nessa opção, quaisquer normas respeitantes à venda, quer as que se retiram do CIRE, quer as do Código de Processo Civil.

9. Não há venda judicial nem tão pouco adjudicação de bens, pois esta figura consiste na alienação directa dos bens ao credor, em seu pagamento e, no caso, os recorrentes não são credores.

Ao invés, 10. Na circunstância de o administrador da insolvência optar pelo não cumprimento dos contratos, o bem em causa será vendido em sede de liquidação do activo, sendo aí aplicáveis as normas constantes dos artigos 156.º e seguintes do CIRE, bem como as normas que sobre a venda executiva versa o Código de Processo Civil.

11. Estará em causa, (apenas) nesta situação, uma venda judicial que opera os efeitos estabelecidos no artigo 824.º do Código Civil, isto é, pagos os credores pela a ordem estabelecida na Sentença de Verificação e Graduação de Créditos, os bens são transmitidos livres de ónus e encargos.

Em suma, 12. Quando se fala em cumprimento de contratos-promessa, não está em causa uma venda executiva do bem, pelo que a hipoteca que sobre ele recai não se extingue; antes subsiste na oneração do prédio.

13. Não opera, assim, o disposto no artigo 824.º do Código Civil.

14. A entender-se em contrário, estaríamos a confundir os regimes, aplicando a um (negócios em curso) as normas de outro (liquidação), o que não se concebe, tal como não concebe o CIRE a aplicação subsidiária de normas do Código de...

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