Acórdão nº 109/08.2TAETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução03 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 109/08.2TAETR Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I.

B….. vem interpor recurso do douto acórdão do Tribunal Coletivo da Comarca do Baixo Vouga que o condenou, pela prática de um crime de corrupção ativa, previsto e punível pelo artigo 374.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de entregar, no prazo de três meses, a contar do trânsito em julgado, a quantia de mil euros à instituição “C…..”.

Da motivação desse recurso constam as seguintes conclusões: ..............................

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IV – Recurso interposto pelo arguido B......

IV 1. – Vem o arguido B...... alegar que no douto acórdão recorrido, quando se consideram provados os factos que lhe são imputados, se verifica erro notório na apreciação e valoração da prova, com inversão do ónus da prova em seu desfavor.

Alega que tal erro se consubstancia no facto de se considerar provado que o arguido D….. intercedeu junto dos seus colegas de brigada para que estes não autuassem um empregado da empresa de que é sócio-gerente sem se apurar o modo concreto como o fez, e no facto de se considerar provado que entregou uma quantia monetária a esse arguido sem se apurar o montante exato dessa quantia. Uma vez que não se apurou o teor da conversa telefónica entre ele e esse arguido ocorrida às 9h14m do dia 8 de outubro de 2009, não pode concluir-se, como faz o douto acórdão recorrido, que nessa conversa ele solicitou a esse arguido que os colegas não autuassem esse seu empregado. O tribunal a quo ter-se-á baseado em simples presunções injustificadas e sem suporte factual, presumindo a culpa do arguido, e não a sua inocência.

Vejamos.

Constitui erro notório de apreciação da prova a violação de regras da lógica e da experiência comum que não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (ver, neste sentido, entre muitos outros, o acórdão do S.T.J. de 9 de fevereiro de 2005, proc nº 04P4721, relatado por Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt).

É entendimento unânime da jurisprudência que a prova dos factos não tem de ser directa, pode ser indirecta. Como se refere, entre outros no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010, proc. nº 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (sum. in www. dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349º do CC).

As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).» O que poderá discutir-se é, então, o percurso lógico que levou a douta sentença recorrida à prova dos factos em questão a partir de outros dados, que não a perceção direta dos mesmos por parte de alguma testemunha ou de alguma escuta telefónica. Há, pois, que analisar tal percurso à luz das regras da razoabilidade e da experiência comum.

Podemos dizer que o douto acórdão recorrido retirou de alguns factos objeto de prova direta (e incontroversa) a prova indireta de outros. Objeto de prova direta, e incontroversa, foram os factos de o empregado da empresa de que o arguido B….. é sócio-gerente ter infringido as regras de trânsito; de essa infração ter sido detetada por agentes da Brigada de Trânsito da GNR que se aprestavam a autuá-lo, como era sua obrigação; de esse empregado ter comunicado, então, esse facto ao arguido, implorando-lhe que impedisse que ele ficasse proibido de conduzir (factos que foram relatados por esse empregado); de o arguido B....... ter, então, telefonado para o arguido D....... (facto constante do registo de chamadas do telemóvel em causa sem que o teor da conversa tenha siso escutado); de esses dois arguidos terem, depois, contactado telefonicamente, revelando o arguido D....... empenho em resolver a situação apesar de se tratar de questão «dos outros», dizendo que ia estar com eles à noite, dando a entender que já os tinha contactado nesse sentido e combinando ambos um encontro (conversas objeto de escuta e cuja transcrição está junta aos autos - sessões 295 e 299, transcritas a fls 20 e 21 do apenso I- sendo o arguido identificado como “D1.......”, nome por que é conhecido, de acordo com o depoimento da testemunha seu empregado); e de, na verdade, nunca ter chegado a ser elaborado auto relativo à infração em causa.

Desta prova direta pode facilmente concluir-se, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, que o teor da conversa ocorrida à 9h14m do dia em questão se relacionava com um pedido de intervenção do arguido D....... junto dos colegas para que o empregado do arguido B....... não fosse autuado, que essa intervenção tinha uma contrapartida monetária e que a quantia em causa foi entregue no encontro referido. As várias peças do puzzle encaixam de acordo com as regras da lógica, da verosimilhança, da “normalidade do acontecer” e da experiência comum. Não se vislumbra qualquer outra explicação lógica e plausível para o facto de nunca ter chegado a ser elaborado auto relativo à infração em causa.

Estando em causa uma prova indireta, é natural que nem todas as circunstâncias relativas aos factos em causa tenham sido, ou pudessem ter sido, apuradas. Mas nada impede que se atinja uma certeza quanto a certos factos (a intervenção do arguido D....... junto dos colegas, a entrega de dinheiro) sem que se atinja essa certeza quanto a outros (o modo concreto dessa intervenção, o montante da quantia entregue). Não há, a este respeito, qualquer erro de prova. Trata-se, tão só, de uma natural limitação de uma prova indireta.

E também não há, a este respeito, qualquer inversão do ónus da prova. A prova por presunção judicial, no sentido acima exposto, não se confunde com qualquer forma de presunção de culpa do arguido.

Assim, impõe-se negar provimento ao recurso quanto a este aspeto.

IV 2. – Vem o arguido B...... alegar, por outro lado, que, mesmo considerando provados os factos que lhe são imputados no douto acórdão recorrido, não deve ele ser condenado pela prática de um crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1, do Código Penal (na versão vigente à data da prática dos factos), uma vez que o arguido D....... não poderá ser condenado, no que aos factos em causa diz respeito, pela prática de crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 372º, nº 1, do mesmo Código (também na versão vigente à data da prática dos factos). E será assim porque este arguido não tinha, nas circunstâncias de tempo e lugar apurados, o poder de fiscalizar, e, portanto, autuar ou deixar de autuar, a conduta do empregado da sociedade de que o arguido B....... é sócio-gerente, não sendo, por isso, funcionário nos termos da previsão do referido artigo 372º, nº 1.

Vejamos.

Estatui o artigo 372º, nº 1, do Código Penal (na versão vigente à data da prática dos factos) que será punido o funcionário que, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação.

Estatui o artigo 374º, nº 1, do mesmo Código (também na versão vigente à data da prática dos factos) que será punido quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que ao funcionário não seja devida, como fim indicado no citado artigo 372º.

Ora, e como bem se alega no douto parecer do Ministério Público junto desta instância, não suscita dúvidas que o arguido B....... praticou o crime de corrupção ativa p. e p. pelo citado artigo 374º, pois entregou a agente da GNR vantagem patrimonial que a este não era devida, com o fim de obstar à autuação de um empregado da empresa de que é sócio-gerente, sendo essa autuação imposta pelos deveres do cargo em questão.

O que poderá discutir-se é, como também se alega nesse parecer, se deve considerar-se que o arguido D....... será comparticipante no crime de corrupção ativa praticado pelo arguido B....... (se será ele a “interposta pessoa” a que se alude no artigo citado), sendo autores do crime de corrupção passiva os agentes com competência para autuar o empregado em questão, ou se aquele será, como considera o douto acórdão recorrido, autor de um crime de corrupção passiva. Não está em causa, de qualquer modo, e independentemente da qualificação da conduta do arguido D......., a qualificação jurídico-penal da conduta do arguido B........

Mas, como também se refere nesse parecer, não é merecedora de reparo a qualificação jurídico-penal da conduta do arguido D....... pelo douto acórdão recorrido, como autoria de um crime de corrupção passiva. Na verdade, deve considerar-se que é contrário...

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