Acórdão nº 227/12.2YRPRT de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução03 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 227/12.2YRPRT (Apelação) Tribunal recorrido: Tribunal Arbitral (CIMPAS) Apelante: B…, S.A.

Apelado: C…, Ld.ª Sumário: I. A regulação da Lei n.º 31/86, de 29/08 (LAV) relativa à fundamentação de facto da sentença arbitral, prevista nos seus artigos 27.º, n.º 1, alínea d) e artigo 23.º, n.º 3, evidencia que o julgador impõe, sob pena de anulação da sentença, que na mesma seja feito um juízo apreciativo, motivado e justificado, quer dos factos provados, quer do direito que, em termos interpretativos, vai aplicar aos mesmos, em tudo semelhante à prescrição constante dos n.ºs 1 e 3 do artigo 659.º do CPC.

  1. Em relação à fundamentação de facto, esse juízo não pode prescindir de uma justificação sumária, mas concretizada, não meramente genérica, enunciativa ou referencial, da ponderação dos meios probatórios e do modo como o julgador, com base neles, formou a convicção e que determinou considerar determinados factos como provados e outros como não provados.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO B…, Companhia de Seguros, S.A., não se conformando com a sentença arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral, Delegação Norte, do Centro de Informação, Mediação, Provedoria e Arbitragem de Seguros (que passaremos a designar abreviadamente por CIMPAS), no âmbito da Arbitragem A-2011-769 TP, para resolução de um litígio emergente de sinistro automóvel, em que é reclamante C…, Ld.ª e reclamada a ora recorrente, interpôs recurso da mesma, apresentando as conclusões das alegações que abaixo se transcrevem.

    A sentença recorrida foi proferida em audiência de julgamento arbitral, na sequência da apresentação do formulário de reclamação apresentado, em 10/03/2011, por C…, Ld.ª, dirigido ao CIMPAS, visando a assunção por parte da referida companhia de seguros do pagamento de €8.137,00, correspondente à perda total do veículo mais custos com a arbitragem.

    Para o efeito, em síntese, alegou que no dia 18/12/2010, pelas 01H20m, no concelho de Vila Nova de Gaia, na EN …, ocorreu um acidente de viação entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UQ, conduzido por D…, propriedade da reclamante, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-CQ, conduzido por E… e propriedade de F…, cuja responsabilidade civil automóvel se encontra transferida para a reclamada.

    Imputou ao condutor do veículo segurado a responsabilidade pelo acidente remetendo para a participação do acidente. Juntou também declaração amigável de acidente automóvel da qual consta que o veículo ..-..-CQ, no momento do embate, estava parado entre a faixa de rodagem e a via, sem qualquer sinalização, não tendo o veículo ..-..-UQ conseguido evitar o acidente, que ocorreu após uma curva e um cruzamento.

    A seguradora contestou, concluindo pela improcedência do pedido, por imputar o acidente, exclusivamente, ao condutor do veículo ..-..-UQ, por ter embatido com a frente na traseira do veículo ..-..-CQ.

    À cautela, invoca a presunção legal prevista na 1.ª parte do artigo 503.º, n.º 3, do Código Civil, por o veículo, na data do acidente, estar a ser conduzido por D…, por conta, por ordem e no interesse do seu proprietário, concluindo que não deve ser imputada qualquer responsabilidade à contestante pela indemnização pedida.

    Também impugnou o valor peticionado, por um lado, por o valor venal do veículo ter sido fixado, após peritagem técnica, em €7.900,00, e, por outro lado, por a esse valor dever ser subtraído o valor do salvado (€1.50,00), que ficou na posse do reclamante.

    Frustrada a composição amigável do litígio, foi designado dia para a realização de audiência de julgamento arbitral.

    Realizou-se o julgamento conforme relatado na ata de fls. 92-93, da qual consta a sentença proferida, podendo ler-se na sua parte dispositiva: “Pelo exposto, julga-se a reclamação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condena-se a reclamada, Companhia de Seguros B…, a pagar à Reclamante a quantia de 3.950,00€.” Na sequência da interposição do recurso motivado, pela reclamante, foi proferido o despacho de fls. 124, que o admitiu, como apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Conclusões da apelação: “I. A douta sentença não se encontra fundamentada ou, pelo menos, não se encontra suficientemente fundamentada.

  2. Não basta dizer qual a matéria provada (falta a não provada), devendo também especificar-se em concreto qual da prova produzida é que contribuiu, de forma adequada, para que no espírito do julgador, se criasse a convicção num ou noutro sentido! III. Tratando-se no caso sub judice, manifestamente, de um caso de insuficiente fundamentação.

  3. Razão pela qual se entende não se encontrarem suficientemente preenchidos os requisitos que devem estar presentes à prolação de uma sentença, nomeadamente os constantes do n.º 3 do artigo 659º do CPC.

  4. Pelo que, é para a recorrente fundamental que se fundamente devidamente a decisão, atendendo a toda a prova produzida, e especificar qual da prova produzida (toda ela) é que contribuiu para a convicção do Julgador num ou noutro sentido.

  5. Assim sendo, no entendimento da reclamada aqui apelante, é essencial tal fundamentação nos termos acima expostos, porque se assim se proceder, tal será essencial para a boa decisão da causa, determinando necessariamente uma alteração substancial naquela que foi a decisão proferida.

    O que se requer, nos termos legais aplicáveis.

  6. De todos os elementos elencados no n.º 1 da douta decisão a quo (“tendo em conta a posição assumida pelas partes nos seus articulados, os documentos juntos aos autos, a prova testemunhal produzida, e as regras de experiência e de normalidade de vida, ficaram provados …), designadamente dos articulados das partes e dos documentos juntos, como a Declaração amigável (DAAA) e Participação de acidente das autoridades - Sobretudo estes e na medida em que não foram impugnados por qualquer das partes.

  7. Resulta manifesto que se tratou de um embate da frente do veículo da Autora/Reclamante na traseira do veículo seguro na Ré/Reclamada.

  8. Tal não é negado ou de qualquer modo impugnado por qualquer uma das partes. E decorre, aliás, quer da reclamação (P.I.) da própria autora ao Tribunal arbitral, quer dos documentos juntos (desde logo das fotos constantes do doc. 5 junto com a contestação – documento não impugnado).

    Ora, assim sendo, X. Ainda que nada mais se provasse… XI. Deveriam, tais elementos, ser forçosamente suficientes para absolver a reclamada do pedido.

  9. Porquanto, sempre deveria ter-se com o provado que só o condutor do veículo propriedade da Autora/Reclamante agiu com culpa, ao ir embater com a frente do veículo que tripulava, na traseira do veiculo seguro na Ré/Reclamada, por não ter guardado a distância suficiente entre o seu veículo e este último, de modo a poder efectuar uma paragem rápida se necessário, sem perigo de acidente ou por circular a velocidade que não lhe permitiu parar no espaço livre e visível à sua frente.

  10. É jurisprudência pacífica que, na ausência de provada factualidade em contrário, a culpa da produção de acidente cabe, em regra, ao condutor do veículo que vai embater num outro que siga ou esteja parado à sua frente.

  11. Considerando-se tal, a chamada prova prima facie ou de primeira aparência.

  12. Vide a este propósito por ex. Ac. do STJ de 24-10-200; Doc.SJ200210240021746 in DGSI.pt “Incumbe ao lesado provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa; esta é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso - art. 487º, n.ºs 1 e 2, CC. Este difícil ónus da prova da culpa a cargo do lesado «será frequentemente aliviado por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples). De acordo com este pensamento, é que Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 68, pág. 87, abonando-se em Enneccerus-Lehman, informa que «a jurisprudência ... tem facilitado a prova da culpa: basta para provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tornem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do encargo da prova.» XVI. Ou: “Desde que se configure objectivamente um caso de violação de uma norma estradal, com base em factos que tornam muito verosímil a culpa, deparamos com uma situação em que funciona a chamada prova prima facie ou de primeira aparência, que é de considerar suficiente à luz de uma presunção natural firmada nas máximas da experiência ou em juízos correntes de probabilidade, e que cede mediante prova em contrário, ou até perante uma mera contraprova que destrua aquela aparência.

    “IV- O facto culposo do lesado afasta a responsabilidade do condutor por via do risco.”- Ac. Do STJ de 09-11-95; Doc. SJ199511090871622 in DGSI.pt.

  13. Pelo que tal deveria ter sido suficiente para a reclamação improceder e absolver-se a ré/reclamada do pedido. - O que se requer.

  14. A decisão arbitral a quo é também merecedora de censura nos termos legais por, não tendo o douto tribunal a quo se pronunciado quanto à circunstância de o veiculo da Autora ser conduzido por D… por conta e interesse da recorrida, a sentença é nula.

  15. A isto acresce que, não tendo a recorrida afastado a presunção de culpa que impendia sobre o seu condutor...

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