Acórdão nº 901/11.0PAPVZ.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelERNESTO NASCIMENTO
Data da Resolução19 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo comum singular 901/11.0PAPVZ do 1º Juízo Criminal da Póvoa de Varzim Relator - Ernesto Nascimento Adjunto – Artur Oliveira Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório I. 1. Efectuado o julgamento foi proferida sentença a condenar o arguido B…, pela prática de um crime de violência doméstica previsto pelo artigo 152º/1 alínea a) e 2 C Penal, na pena de 2 anos de prisão, cuja execução foi suspensa, subordinada ao dever do arguido, nesse período, se submeter a tratamento para abstinência de bebidas alcoólicas, em organismo a definir pela DGRS.

  1. 2. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, apresentando, aquilo que designa de conclusões, mas que nem numa noção por demais abrangente do que se tem que entender como resumo das razões do pedido, pode, como tal ser considerado, donde aqui e agora se não transcrevem, apenas se enunciando as questões aí abordadas e, que são: a verificação do vício do erro notório na apreciação da prova versus erros de julgamento; a violação do artigo 355º C P Penal; a subsunção dos factos ao Direito e, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação quanto à aaposição da condição imposta à suspensão da execução da pena de prisão – o dever de o arguido nesse período se submeter a tratamento para abstinência de bebidas alcoólicas.

  2. 3. Respondeu o MP pugnando pela improcedência do recurso.

  3. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido, igualmente, do não provimento do recurso, acompanhando a argumentação apresentada pelo MP na 1ª instância.

    No cumprimento do disposto no artigo 417º/2 C P Penal nada mais foi aduzido.

    Seguiram-se os vistos legais.

    Foram os autos submetidos à conferência.

    Cumpre agora apreciar e decidir.

  4. Fundamentação III. 1. Como é por todos consabido, são as conclusões, resumo das razões do pedido, extraídas pelo recorrente, a partir da sua motivação, que define e delimita o objecto do recurso, artigo 412º/1 C P Penal.

    No caso presente, de harmonia com o que o arguido designou de conclusões, podemos, enunciar que para apreciação, foram suscitadas as seguintes questões: a verificação do vício do erro notório na apreciação da prova versus erros de julgamento; a violação do artigo 355º C P Penal; a subsunção dos factos ao Direito e, a nulidade da sentença, por falta de fundamentação quanto à aaposição da condição imposta à suspensão da execução da pena de prisão – o dever de o arguido nesse período se submeter a tratamento para abstinência de bebidas alcoólicas.

  5. 2. Vejamos, então, para começar, a matéria de facto definida pelo Tribunal recorrido.

    Factos provados O arguido B… casou com a ofendida C…, no dia 27.03.1999.

    Deste casamento nasceram 3 filhos, agora com idades compreendidas entre os 7 e os 12 anos de idade.

    Desde o ano de 2011 até ao dia 2.10.2011, o arguido e a ofendida viveram em comunhão de habitação, juntamente com os 3 filhos e os pais da ofendida, no …, …, na Póvoa de Varzim.

    A partir do mês de Agosto de 2011 o arguido começou a ameaçar de morte a ofendida, a insultá-la de ‘puta’ e ‘vaca’ e a desferir-lhe bofetadas, pontapés, murros, empurrões e a puxar-lhe os cabelos.

    Estas situações ocorreram sempre no interior da citada residência, sobretudo no quarto do casal, com uma periodicidade quase semanal.

    Numa dessas ocasiões o arguido disse à ofendida, em tom sério e ameaçador, que se pudesse fina e para dormir com um olho aberto e outro fechado, pois quando menos esperasse a mataria ali mesmo.

    Noutra ocasião o arguido disse à ofendida, no mesmo tom sério e ameaçador e afrente dos 3 filhos menores, que ia arranjar um bidão de gasolina e que ia queimá-la toda.

    Na noite de 23 para 24 de Setembro de 2011, quando estavam ambos no interior do quarto do casal, o arguido pegou em peças de roupa da ofendida e, na presença dela, queimou-as com um isqueiro, ao mesmo tempo que lhe disse ‘Estás a ver? Para a próxima és tu’.

    Nessa altura chamou-lhe também ‘filha da puta’, ‘vaca’.

    No dia 2 de Outubro de 2011, cerca de 1 hora, no interior da citada residência, o arguido começou a discutir com a ofendida, a ameaçá-la e a insultá-la dizendo-lhe, em tom sério e de forma agressiva ‘Eu mato-te; és uma puta; vadia’.

    Com receio de ser novamente agredida fisicamente pelo arguido, a ofendida pediu à D…, através de mensagem por telemóvel, que chamasse a polícia, tendo aquela solicitado a presença da PSP no local, que ali compareceu momentos depois.

    Quando se apercebeu da situação o arguido, dirigiu-se à ofendida, que se encontrava com os 3 filhos menores no exterior da residência, e, ainda mais exaltado e de forma autoritária e agressiva disse-lhe: ‘já para dentro, senão arrebento-te’.

    Receando pela sua integridade física, a ofendida obedeceu e entrou em casa com os filhos, que, amedrontados com a situação, se encontravam a chorar.

    Aí dentro o arguido voltou a dirigir-se à ofendida e disse-lhe em voz alta, audível do exterior, que ‘ia matá-los a todos e que iam pagar’.

    Depois permaneceu fechado em casa com a ofendida, os filhos e os sogros, e só abriu a porta minutos depois, após várias insistências dos elementos policiais nesse sentido.

    Nessa altura a ofendida conseguiu sair de casa e foi refugiar-se no quintal anexo à residência, onde o arguido acabou por ser detido.

    Em consequência das referidas agressões a ofendida sofreu sempre dores nas regiões atingidas e por vezes feridas e hematomas em várias zonas do corpo, as quais nunca foi receber tratamento hospitalar por receio do arguido, pois temia seriamente que, a qualquer altura, ele concretizasse os males que prenunciara, agredindo-a ou matando-a.

    Agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente.

    Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

    O arguido verbalizou arrependimento.

    Mostrou-se envergonhado dos factos.

    Tem 32 anos de idade.

    É pescador.

    O arguido não regista antecedentes criminais da mesma natureza da dos autos.

    Factos não provados Que os factos supra referidos ocorressem quando o arguido regressava a casa ao fim de semana após ter estado ausente durante a semana na faina da pesca do mar.

    Que o arguido chegasse a apontar uma faca à ofendida.

    Que o arguido no dia 23 para o dia 24 de Setembro de 2011, chamasse à ofendida ‘mulher da rua’, ‘galdéria’, ‘vadia’ e ‘prostituta’ e lhe desferisse murros na cabeça, lhe apertasse o braço direito e lhe puxasse os cabelos.

    Porque tal questão releva igualmente para a discussão do recurso, vejamos, também, o que em sede de fundamentação se deixou exarado no que concerne à convicção assim formada pelo Tribunal.

    Para formar a convicção, o tribunal baseou-se na análise crítica, conjugada e ponderada da prova produzida em audiência de julgamento, apreciando-a à luz das regras da livre apreciação e da livre experiência (nos termos do art. 127º do Código de Processo Penal, bem como nos documentos juntos aos autos.

    Inicialmente a ofendida C… declarou não pretender prestar o seu depoimento, nos termos do artigo 61º/1, al. d) e 134º/1, al. a) C P Penal.

    O mesmo sucedeu com as testemunha E… e F…, sogros do arguido.

    No que tange ao arguido, remeteu-se ao silêncio, nos termos do artigo 343º/1 C P Penal, tendo já no final declarado estar arrependido e envergonhado em resultado dos factos.

    1) Ao depoimento da testemunha D…, amiga da ofendida, que demonstrou ter conhecimento indirecto de alguns desentendimentos entre o casal, através da sua amiga, tendo constatado que a mesma, pelo menos em duas vezes, apresentava marcas (vermelhões) na cara e nas costas, a qual revelou boa razão de ciência.

    Disse que quando conheceu a ofendida já era uma pessoa que demonstrava tristeza, contudo com o passar do tempo os desabafos foram sendo mais frequentes, sendo notório o constrangimento que evidenciava com receio que a situação chegasse ao conhecimento de terceiros, o que ainda hoje se verifica. Aliás, tal relato foi de encontro ao que o tribunal percepcionou quando a ofendida, já no final da audiência, decidiu prestar o seu depoimento mas pediu ao tribunal que fizesse sair a sua mãe da sala, local onde se encontrava.

    No que tange aos factos ocorridos em 02/10/2011, disse que foi contactada, via telefone, pela ofendida que lhe pediu para chamar a polícia o que fez ao deslocar-se a sua casa acompanhada dos agentes que tomaram conta da ocorrência. Nessa noite, pela primeira vez, ouviu o arguido a chamar ‘filha da puta’ à ofendida que a obrigou a entrar em casa, com os filhos e os sogros, e nessa altura sentiu, pelo barulho produzido que era perfeitamente audível, que havia agressões e pediu aos Agentes da PSP que interviessem, posto que já lá se encontravam. Foi ela quem, nessa noite, levou consigo os filhos do casal dada o estado de agressividade em que o arguido se encontrava e o pânico demonstrado pelas crianças.

    Disse que desde então, e com a separação do casal o que ocorreu nessa noite, sente a ofendida mais tranquila e menos ansiosa.

    2) Ao depoimento do Agente da PSP, G…, que confirmou o estado de exaltação e violência em que o arguido se encontrava, o que presenciou, que obrigou a família, onde se incluía a ofendida, os filhos e os sogros, a entrar em casa com a ameaça que caso não obedecessem os ‘rebentava’ e que os ‘matava a todos’, estando todos amedrontados, mantendo-se os adultos num silencio profundo e as crianças choravam agarrados a mãe. Logo que lhe foi possível a ofendida fugiu e o arguido foi manietado. Mesmo nessa altura, e quando já se encontrava em segurança, a ofendida não conseguiu verbalizar o que quer que fosse, e chorava.

    O depoimento desta testemunha mostrou-se elucidativo e espelhou de uma forma clara e sustentada o momento de tensão vivido por toda a família, designadamente quando o arguido se confrontou com a presença da autoridade policial no local, e a dificuldade que tiveram em o manietar, na noite de 02/10/2011.

    3) Ao depoimento da ofendida C… que, como acima se registou, só após terem sido ouvidas as duas testemunhas se...

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