Acórdão nº 2192/08.1TBAVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelLUÍS LAMEIRAS
Data da Resolução14 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo nº 2192/08.1TBAVR-A.P1---. Apelante - B…, residente na Rua … nº . – .º esq.º, …, em Loures;---. Apelados - C…, residente na …, bloco . – .., .º C, …, em Aveiro; e - D…, Ld.ª, com sede na Rua … nº .., …, …, em Aveiro.

--- SUMÁRIO: I – O êxito de uma acção de impugnação pauliana não constitui o seu autor em titular de um direito real de garantia do crédito que detém; II – Se um novo credor obtém a penhora sobre o bem, cuja transmissão foi impugnada, o credor desta impugnante só não suportará a preferência emergente da garantia real, caso em nova impugnação, desta feita contra o crédito garantido, consiga demonstrar os respectivos factos constitutivos (artigo 613º, nº 2, do Código Civil); III – A demonstração referida em II – pode ter lugar em procedimento de embargos de terceiro, desencadeados contra a realização da penhora; IV – Devem ser aplicados à interpretação dos actos judiciais enunciativos, como é o caso das sentenças, os ditames gerais da interpretação estabelecidos no Código Civil para as declarações negociais (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1), de maneira a que do respectivo conteúdo se consiga obter o sentido mais razoável e sensato, no quadro de uma ajustada impressão do destinatário.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. A instância executiva.

1.1.

C… interpôs acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra D…, Ld.ª sustentado em declaração de reconhecimento de dívida, escrita e assinada, onde consta haverem, o exequente e a executada, firmado contrato-promessa de compra de um prédio, sendo o 1º promitente-comprador, e entregue à promitente-vendedora o sinal de 125.000,00 €, assumindo a 2ª o respectivo incumprimento definitivo e a entrega ao exequente do valor de 250.000,00 €.

1.2.

A instância executiva seguiu; e nela foi efectivada a penhora, com inscrição registral de 30 Set 2008, do prédio que fôra o prometido vender na promessa ajustada (descrição 619, de 16 Abr 1986, freguesia …).

  1. A instância dos embargos de terceiro.

    2.1. B… e E… suscitaram embargos de terceiro, pedindo (no essencial) a restituição da posse do bem penhorado à esfera jurídica dos sucessores de F…, este devedor (inicial) dos embargantes.

    Em síntese, alegam que por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi julgada procedente a acção pauliana que moveram ao dito F… e à embargada sociedade e declarada ineficaz a venda do bem penhorado efectuada por aquele a esta; que o contrato-promessa invocado na acção executiva nunca existiu, bem como que o título executivo foi forjado; tudo conluiado pelos embargados de modo a permitir frustrar aos embargantes a possibilidade de ver satisfeito um crédito constituído pelo devedor, o F…, entretanto falecido. O embargado (exequente) nada entregou à embargada (executada). Tudo se passa como se o bem (penhorado) nunca tivesse saído da posse do devedor.

    Os embargos foram recebidos.

    Contestou-os o embargado exequente. Disse que são extemporâneos. Acrescentou, depois, que o direito dos embargantes não é incompatível com a penhora efectuada, já que o que eles obtiveram, com a pauliana, foi apenas a faculdade de poder executar o bem na esfera da adquirente, embargada sociedade; além de que esta é ainda dona de outro património imobiliário que pode ser executado. Por fim, impugnou factos contidos na petição. E terminou a concluir pela improcedência da pretensão suscitada.

    Os embargantes replicaram; no essencial, para dizer que a caducidade era ónus do embargado; e, ademais, para se opor ao por este argumentado.

    2.2.

    Desenvolveu-se a instância declaratória.

    2.2.1.

    O tribunal “a quo” elaborou despacho saneador: Disse-se aí, a respeito da “extemporaneidade dos embargos”: “Nenhuma factualidade foi alegada pelo embargado / exequente a respeito do decurso do prazo para a dedução dos embargos de terceiro, como lhe competia (…).” E, a respeito da “inexistência da ofensa do direito dos embargantes”: “Independentemente da discussão sobre a validade do título executivo, uma coisa é desde já certa, ou seja, os direitos que o exequente / embargado adquiriu contra a executada / embargada não podem prejudicar a satisfação dos direitos dos embargantes, pois estes últimos incidem sobre um bem que é objecto da restituição operada pela procedência da acção de impugnação pauliana e que se encontra penhorado, pelo que os direitos dos embargantes são oponíveis ao exequente e, por isso, incompatíveis com o âmbito da penhora que este já efectuou a seu favor, já que o valor do imóvel penhorado pode não ser suficiente para satisfazer ambos os créditos.” (v fls. 68).

    2.2.2.

    A instância de embargos conheceu vicissitudes.

    O tribunal “a quo”, entretanto, produziu este despacho: “A embargante … introduziu como tema de prova um facto novo que se consubstancia na não vinculação da sociedade executada por via do título dado à execução. O que pode significar a falta de exequibilidade extrínseca do mesmo título.

    Nos presentes autos de embargos de terceiro não se discute a posse dos embargantes, mas antes o direito daqueles sobre o imóvel penhorado resultante da procedência da acção de impugnação pauliana …, direito aquele que se considerou ser oponível ao exequente / embargado por despacho de folhas 68 transitado em julgado. E, por isso, direito que é incompatível com o âmbito da penhora daquele imóvel, uma vez que o seu valor pode não ser suficiente para satisfazer o crédito dos embargantes. Assim sendo, considero que o facto novo agora sujeito à discussão pela embargante é essencial para o desfecho da causa, pois trata-se de um facto extintivo do exequente / embargado.

    Ao abrigo do disposto no artigo 506º, nº 1 e nº 3, alínea c), e artigo 663, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, adito à discussão como tema de prova a questão da vinculação da sociedade executada por via do título executivo.” (v fls. 234 a 235).

    2.3.

    Houveram, entretanto, mais vicissitudes.

    E, por final, veio a ser produzida sentença; esta, que terminou a julgar os embargos “totalmente improcedentes” e mandou “a execução prosseguir”.

    Do seu segmento de sustentação jurídica colhem-se estes extractos: “São duas as questões de direito a decidir.

    A primeira, …, consiste em saber se a assinatura aposta … no documento dado à execução vincula a sociedade executada; a segunda questão, respeita à má fé ou cumplicidade do exequente no que se refere a uma eventual tentativa da sociedade executada, …, colocar os seus bens a coberto da pretensão restituitória dos embargantes.

    (…) Apreciando, agora, a segunda das questões equacionadas, foi decidido no despacho saneador, entretanto transitado em julgado, que os direitos que o exequente / embargado adquiriu contra a executada / embargada não podem prejudicar a satisfação dos direitos dos embargantes, pois estes últimos incidem sobre um bem que é objecto da restituição operada pela procedência da acção de impugnação pauliana e que se encontra penhorado, pelo que os direitos dos embargantes são oponíveis ao exequente e, por isso, incompatíveis com o âmbito da penhora que este efectuou a seu favor, já que o valor do imóvel penhorado pode não ser suficiente para satisfazer ambos os créditos.

    Com base nesta fundamentação foram admitidos os embargos.” (v fls. 243 a 244 e 245).

    2.4.

    O embargante B… inconformou-se; interpôs apelação; e findou a alegação com as conclusões que assim se explicitam: a) O embargante interpõe recurso da sentença por entender que a mesma está em contradição com os seus fundamentos, nomeadamente com a decisão proferida pelo tribunal “a quo” em sede de despacho saneador, na parte intitulada “da inexistência da ofensa do direito dos embargantes”; b) Esta decisão / despacho, proferida no despacho saneador, não foi objecto de qualquer recurso, pelo que já transitou em julgado, produzindo assim a plenitude dos seus efeitos; c) De forma sintética, o juiz “a quo” deixa desde logo claro que o direito do recorrente é oponível ao exequente e, por isso, incompatível com a penhora efectuada sobre o bem em causa nos autos, deixando por isso claro que aquele direito prevalece sobre o do exequente, devendo assim aquele ser pago em primeiro lugar pelo produto da venda do imóvel; d) O certo é que, não obstante esta decisão, com a qual o recorrente concorda inteiramente, em sede de sentença no âmbito dos embargos de terceiro, o juiz “a quo” dá o “dito por não dito” e profere decisão diferente; e) E a dúvida e inconformismo do recorrente prende-se exactamente com estas duas decisões que dentro do mesmo processo versam sobre a mesma questão concreta e que, no seu entender, são antagónicas e contraditórias entre si – em que ficamos? O direito do recorrente...

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