Acórdão nº 623/12.5PPPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Fevereiro de 2013

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 623/12.5PPPRT.P1*Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo comum singular, supra identificado, do 2º Juízo Criminal do Porto, 1ª Secção, acusado pelo MP, foi julgado o arguido B…, solteiro, filho de C… e de D…, natural da freguesia …, concelho do Porto, nascido a 30/08/1959, residente, antes de preso, na Rua …, …., .º Dto., Porto, pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 22º, 23º, 203º e 204º, nº 2, al. e), por referência à al. d) do artº 202º, todos do Código Penal, agravado pela circunstância da reincidência, nos termos dos artºs 75º e 76º, também do Código Penal.

Efectuado o julgamento foi proferida sentença que, na procedência da acusação, condenou o arguido como autor material de um crime de furto simples, p. e p. pelo artº 203º, nº 1, do Código Penal, agravado pela reincidência, nos termos dos artigos 75º e 76º do citado Código, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão efectiva.

Não conformado, o arguido interpôs recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões: 1.

Entende o arguido B… que foi efectuada uma errada subsunção jurídica entre os factos dados como provados e a sua qualificação jurídica, pugnando pela sua condenação no crime de furto simples, mas na forma tentada.

  1. Sobre este tema (momento da consumação do furto) a doutrina portuguesa designadamente Faria Costa e Paulo Matta, parte da distinção entre subtracção e domínio de facto para concluir que o furto se consuma quando a coisa entra, de uma maneira minimamente estável, no domínio de facto do agente da infracção, ou seja, quando este adquiriu um pleno e autónomo domínio sobre a coisa, sendo que este não é o instantâneo domínio de facto, já que exige um mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa.

  2. Afirmam esses autores que o simples tocar na coisa e removê-la do lugar onde estava não é disponibilidade dela, não permite falar num mínimo plausível de fruição das utilidades da coisa, pelo que não há consumação.

  3. Ora, nos autos em apreço, o arguido foi abordado por um vizinho da ofendida, no momento em que saía do apartamento da ofendida para o patamar do prédio, não tendo tido, por conseguinte a posse efectiva dos objectos subtraídos, no sentido que defendemos, nunca deixaram de estar “ameaçados” nessa posse.

  4. Considerando que o furto se consumaria quando os objectos entrassem de maneira estável no domínio do arguido, ou seja quando este tivesse adquirido um pleno e autónomo domínio dos objectos em questão, e sendo que isso nunca aconteceu, não existiu consumação do crime.

  5. Neste sentido segue também a jurisprudência podendo ver-se a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/10/2000, o Acórdão da Relação de Lisboa, no âmbito do processo nº 451/08.2PVLSB.

  6. Ora, tendo em conta que o arguido foi abordado no momento em que abandonava a casa, e no seguimento do defendido pela doutrina e jurisprudência acima citadas, não se pode tirar outra conclusão que não seja a de condenar o B… pelo crime de furto simples, na forma tentada.

    DA CONDENAÇÃO COMO REINCIDENTE 8.

    Desde logo importa referir que o instituto da reincidência consagrado no art. 75° do C. Penal não é de aplicação automática.

  7. Pois além dos pressupostos formais a verificação da reincidência exige ainda um pressuposto material: o de que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.

  8. O arguido B… não questiona a verificação dos pressupostos formais. A sua divergência incide apenas sobre o preenchimento do pressuposto material.

  9. Terá que ser feito um juízo global sobre o comportamento do agente com base no qual se conclua no sentido de maior censura e, também, uma culpa agravada relativamente ao facto cometido pelo reincidente, definida pelo desrespeito em relação às condenações anteriores.

  10. E para este efeito torna-se essencial aferir o espaço de tempo que mediou entre a prática de um e outro crime e bem assim o comportamento do arguido nesse espaço de tempo.

  11. Ora, entre a prática destes factos e a restituição à liberdade no processo mencionado na acusação decorreram 3 anos.

  12. Durante este período de tempo o arguido não contou com grande, senão mesmo com nenhum apoio por parte dos seus progenitores que apenas se limitaram a proporcionar-lhe um lugar para pernoitar.

  13. O arguido atravessou um difícil período de transição dependendo da ajuda de varias instituições sociais para subsistir tendo, contudo, e apesar das dificuldades sentidas conseguido ultrapassar a problemática aditiva integrando o programa de substituição com metadona.

  14. Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.

  15. Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, como já acima foi referido, além da fragilidade do apoio familiar que se agudizou com a morte do seu pai, não conseguiu o arguido arranjar trabalho.

  16. Ora, se é certo que, após ter sido restituído à liberdade, praticou os factos dos presentes autos, a verdade é que estamos perante um crime de furto simples, como aliás reconhece o Tribunal a quo tendo o arguido confessado o crime pelo qual vinha acusado colaborando assim, desta forma, com a justiça.

  17. Todos estes factores reconhecidos pelo Tribunal a quo como “… ilicitude consideravelmente diminuída…” deveriam ter sido tidos em conta de forma a equilibrar os pratos da balança não concluído sem mais que houve por parte do arguido “falta de interiorização do mal dos crimes que cometeu.” 20.

    Logo o comportamento global do arguido durante este tempo foi positivo a todos os níveis pelo que entende o arguido não se justificar na punição do actual crime, uma necessidade de censurar a respectiva conduta de forma mais gravosa recorrendo à figura jurídica da reincidência até pelas circunstâncias que rodearam a prática do mesmo designadamente as fragilidades familiares e económicas do arguido.

  18. Em face de tudo o exposto supra deve o arguido ser absolvido da prática do crime a título de reincidência com as legais consequências.

    DA NÃO SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO 22.

    Não se compreende que face às exigências do artigo 50.º do C. Penal, o arguido não tenha visto a execução da pena de prisão em que foi condenado, suspensa.

  19. O arguido necessita de uma oportunidade e não, salvo o devido respeito por opinião diversa, de prisão, pelo que, fará todo o sentido que dando cumprimento ao artigo 50.º do Código Penal seja a pena em que o arguido venha a ser condenado, suspensa na sua execução.

  20. São dois os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão: um de ordem formal e que consiste em a pena de prisão não ser superior a 5 anos; e outro de ordem material, e que consiste em o tribunal concluir que, face à personalidade do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

  21. No caso, verifica-se o pressuposto de ordem formal: o arguido foi condenado numa pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão.

  22. Na Sentença recorrida fundamentou-se a não aplicação ao arguido do instituto da suspensão da execução da pena de prisão com base em dois argumentos: 1.º que o arguido tem antecedentes criminais apresentando um comportamento vincadamente desviante e 2.º de que o arguido não conta com qualquer apoio familiar não havendo, assim, um prognóstico de que assuma outro comportamento mais consentâneo com os valores violados.

  23. Em nossa opinião, temos de convir que o argumento para a não aplicação do instituto da suspensão da pena de prisão ao arguido é manifestamente insuficiente para a fundamentação de tal decisão.

  24. O que releva é a existência de uma prognose social favorável ao arguido, ou seja a esperança de que sentirá a sua condenação como uma advertência e que de futuro não cometerá nenhum crime (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, tomo I, pág. 444).

    A fundamentação da necessidade do cumprimento efectivo da pena de prisão, no acórdão recorrido, mais não constitui do que considerações de ordem genérica.

  25. No caso temos que, à data da prática dos factos, o arguido conta com 53 anos de idade. Anteriormente à condenação nos presentes autos sofreu várias outras condenações por crimes de natureza essencialmente idêntica, o que nos leva a concluir que a ressocialização do arguido não passa por uma pena de prisão efectiva.

  26. Do relatório social resulta que o arguido é oriundo de uma família de modesta condição social, sendo que a vivência familiar desde sempre é descrita como conflituosa.

  27. Sendo que durante a execução da pena de prisão acima mencionada o arguido teve uma evolução muito positiva.

  28. Tornou-se abstinente do consumo de drogas, sendo acompanhado no CRI Porto Central integrando o programa de substituição de metadona.

  29. Sucede porém que, uma vez restituído á liberdade, defrontou-se com algumas adversidades, designadamente a falta de apoio familiar e a dificuldade em conseguir colocação laboral.

  30. Entendemos, assim, que, com o apoio adequado, pode existir uma prognose social favorável ao arguido em termos que permitem suspender-lhe a execução da pena de prisão em que foi condenado, designadamente mediante o seu ingresso na associação F….

  31. Nos termos do art. 51.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime. E nos termos do art. 52.º do mesmo código, o tribunal pode impor ao condenado, durante o período da suspensão, o cumprimento de regras de conduta.

  32. Uma dessas regras de conduta poderia ser o dever de frequentar curso de formação profissional que permita ao arguido, poder endireitar a sua vida, possibilitando-lhe, assim, ter um futuro inserido plenamente na sociedade pois, e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT