Acórdão nº 113/09.3TBSBG.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelLOPES DO REGO
Data da Resolução30 de Janeiro de 2013
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA demandou, em acção com processo comum ordinário, o Município do Sabugal, invocando a ilegítima ocupação por esta autarquia de parte de um prédio rústico (“R........”) cuja propriedade reivindica, no quadro – invocado pelo R. – da beneficiação de um “caminho público”- negando a existência desse caminho e formulando os pedidos de: a) ver reconhecido o direito de propriedade a favor da A. sob parcela do terreno, em toda a sua largura e extensão, onde o R. se permitiu abrir o referido caminho; b) entregar a referida parcela de terreno, propriedade da A., pedido a que se atribui o valor de €40.000,00, e ainda condenado [o R.] a pagar: c) uma indemnização à A. por danos patrimoniais no montante de €51.417,14; d) uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de €18.000,00.

[…]” O R. contestou, afirmando o carácter de caminho público do espaço reivindicado pela A., pugnando pelo não atendimento da pretensão reivindicatória desta quanto ao espaço do prédio coincidente com o leito do caminho.

Findo o julgamento, foi proferida sentença a julgar parcialmente improcedente a acção, já que – condenando-se embora o R. a reconhecer a A. como proprietária do imóvel reivindicado - se absolveu este dos demais pedidos formulados, por se entender que o espaço reivindicado constituía um caminho público.

Inconformada, apelou a A., impugnando, desde logo, a decisão proferida em sede de matéria de facto.

A Relação, após ter apreciado tal impugnação, exercendo sobre a factualidade dada como provada o duplo grau de jurisdição – alterando em pontos relevantes a factualidade provada em 1ª instância – concedeu provimento ao recurso, proferindo a seguinte decisão:

  1. Condena-se o R. Município do Sabugal a reconhecer a A. AA como proprietária de todo o prédio rústico identificado na alínea a) dos factos provados, incluindo o espaço actualmente ocupado pelo caminho indicado em m) do mesmo rol de factos; B) Condena-se o mesmo R. a pagar à A., a título de indemnização, a quantia de €6.000,00, acrescendo a esta juros já vencidos e a vencer, calculados à chamada taxa civil e contados desde a data da citação do R. no foro administrativo (v. aviso anexo a fls. 85), tudo até integral pagamento.

    Tal decisão suporta-se na seguinte fundamentação essencial: I – Numa acção de reivindicação na qual o demandante pretenda obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre um prédio, alegando à partida inexistir nesse mesmo prédio um “caminho público” no qual o demandado (o Município), por o considerar como tal, realizou obras, tal acção configura-se, na sua estrutura argumentativa, como “acção negatória” desse caminho (do direito correspondente), visando, em última análise, a afirmação pelo tribunal da inexistência do dito caminho público; II – Numa acção deste tipo – fundamentalmente uma acção de simples apreciação negativa – o ónus da prova incumbe ao demandado que afirma a existência desse caminho, nos termos do artigo 343º, nº 1 do CC; III – E também sempre incumbiria ao demandado esse ónus da prova, em função da oposição deste à pretensão reivindicatória do demandante sobre o espaço que aquele afirma corresponder ao leito do tal “caminho público”, isto por a invocação do caminho funcionar, neste quadro argumentativo, como invocação de uma excepção (v. o artigo 342º, nº 2 do CC); IV – Em qualquer caso, incumbindo ao demandado o ónus da prova da existência do dito “caminho público”, conduzirá um non liquet final quanto a essa existência à prolação de uma decisão favorável ao demandante (artigo 516º do CPC), caso este tenha demonstrado o respectivo direito de propriedade sobre o prédio; V – Tendo em conta que o artigo 1383º do CC de 1967 extinguiu os atravessadouros em geral, exceptuando apenas aqueles “[…] com posse imemorial, que se dirijam a ponte ou fonte de manifesta utilidade […]” (artigo 1384º do CC), a afirmação da dominialidade de um caminho – a sua natureza de “caminho público” – implicará, para que exista uma identidade de razão com a teleologia presente nesse artigo 1384º, a demonstração de uma afectação por um uso das populações desde tempos imemoriais, uso que tem de ser referido a uma concreta utilidade pública e não à mera utilidade decorrente do encurtamento de distâncias entre prédios pelos utentes dos terrenos vizinhos do afectado.

    VI – O Assento do STJ de 19/04/1989 foi, na prática, exautorado pelo Acórdão do STJ de 10/11/1993, passando a valer (como fixação de jurisprudência), tão-só, como precedente persuasivo, a seguinte asserção estabelecida no Acórdão de 1993: “I - O Assento de 19 de Abril de 1989 deve ser interpretado restritivamente, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir a sua afectação à utilidade pública ou seja, à satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância. II - Quando assim não aconteça, e se destinem apenas a fazer a ligação entre os caminhos públicos por prédio particular, com vista ao encurtamento não significativo de distância, os caminhos devem classificar-se de atravessadouros, figura esta que não foi excluída por aquele Assento e que está prevista no artigo 1383º do Código Civil”.

    1. O exercício dos poderes da Relação sobre a livre valoração das provas conduziu à fixação do seguinte quadro factual:

    1. O prédio rústico, sito em R........, da freguesia de Alfaiates, concelho Sabugal, composto de terra de cultura de sequeiro, lameiro, mata de carvalhos e pastagem, com área de 140.000 m2, a confrontar a norte com BB (Perloiro) e outros; sul com caminho; nascente com CC e outros; e poente herdeiros de DD e outros, inscrito na matriz sob o artigo 802, está descrito na Conservatória do Registo Predial do Sabugal sob o n° 00000000000 – Doc. de fls. 258 a 259.

    2. A aquisição do prédio identificado em a) encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial do Sabugal a favor da A., pela inscrição G-1, pela Ap.00 de 2002/11/25, por partilha judicial. Doc. de fls. 258 a 259.

    3. O referido prédio adveio à titularidade da A. por sucessão mortis causa de seus pais.

    4. Tendo-lhe sido adjudicado no âmbito do Processo de Inventário Judicial n° 35/95, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Sabugal – Doc. de fls. 191 a 232.

    5. Em Outubro de 2003, o R. candidatou-se a apoios comunitários integrados na medida ‘AGRIS’, e no âmbito dessa candidatura, levou a efeito no concelho do Sabugal um conjunto de acções tendo em vista ‘A Prevenção de Riscos por Agentes Abióticos’ com objectivo de protecção da mancha florestal, nomeadamente a salvaguarda de espécies naturais como o carvalho negral, pinheiro bravo e o freixo. Doc. de fls. 25 a 49.

    6. O projecto da referida candidatura foi elaborado pela ‘Côa Flor – Associação de Produtores do Alto de Côa’.

    7. Tal candidatura tinha, ainda, como objectivos: - ‘Execução de operações para protecção de um espaço florestal de enorme valor natural, florestal e social para o concelho’; - ‘Acções de intervenção visam sobretudo a protecção da produção de incêndios, compartimentando como espaço florestal para diminuir as áreas ardidas’; - ‘Diminuição de risco de elevados danos económicos, ecológicos e de acidentes pessoais’; - ‘Melhorar o espaço físico envolve das aldeias inseridas e envolventes da área de intervenção, possibilitando de futuro acções de outro âmbito como o turismo, a caça, pesca e desportos radicais, contribuindo deste modo para evitar a desertificação humana’.

    8. Do Plano Orientador de Prevenção referido em e), consta que: ‘Verificando o sistema fundiário existente, essencialmente privado, e a situações especificas da zona, as acções idealizadas tentarão afectar no mínimo o direito de propriedade, mas haverá casos em que muros, vedações e áreas de terreno sofrerão intervenções, nestes casos tentar-se-á informar as pessoas a repor a situação anterior ou colocação de cercas. No entanto está prevista uma forte divulgação nos meios locais de informação e editais deste projecto e das suas acções, de forma a mostrar as vantagens e os objectivos a atingir (trabalho a desempenhar pelo responsável do projecto), tentando dessa forma obter o apoio dos proprietários’. Doc. de fls. 25 a 49.

    9. O projecto do R. abrange o território de sete freguesias do concelho do Sabugal, entre as quais Alfaiates, onde se situa o prédio identificado em a).

    10. O R. delimitou a área de intervenção por cartografia demarcada por caminhos florestais, estradas municipais e vales agrícolas e pela localização de parques, pontos de água e locais de interesse arqueológico; I) Os caminhos a construi r no âmbito do referido projecto ‘terão sobretudo o objectivo de ligação de caminhos, para evitar becos sem saídas, mas também para procurar melhores condições para a passagem dos veículos’.

    11. No prédio referido em a), existe actualmente um caminho, em terra batida, com pelo menos 5 m de largura e 120 m de cumprimento.

    12. A A. quando confrontada com a abertura do caminho referido em m), participou criminalmente contra a Junta de Freguesia de Alfaiates por ter sido informada que a referida obra era iniciativa dessa freguesia.

    13. O que veio dar origem aos autos de Inquérito n.° 24/07.7 GBSBG que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal da Comarca do Sabugal, e que viria a terminar com um despacho de arquivamento.

    14. Os pais da A. sempre cultivaram e tiraram proveito económico do prédio referido em a), o que fizeram até à sua morte.

    15. O prédio referido em a), sempre teve a área e confrontações aí referidas.

    16. A A. procedeu à vedação do prédio referido em a), num perímetro de 3000 m com rede apoiada em estacas de ferro, com cerca de 1,50 m de altura.

    17. Ao vedar o prédio, a A. respeitou as confrontações referidas em a).

    18. No âmbito da candidatura referida em e) o R. alargou e beneficiou a passagem referida em ii) infra.

    19. O que fez sem conhecimento ou consentimento da A. que se viu confrontada com o facto consumado.

    20. Algumas plantas foram destruídas por bovinos que entraram na propriedade. [facto impugnado...

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