Acórdão nº 4871/07.1TBBRG.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 22 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
AA, identificada nos autos, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra “Herança de BB”, representada por CC, cabeça-de-casal, e também contra esta, pedindo que as rés sejam condenadas: 1º - A eliminar definitivamente os defeitos de construção existentes no imóvel urbano (que lhes comprou e identifica no item 1.º da petição inicial), bem como aqueles que surjam na pendência da acção, no prazo de 90 dias; 2º - A pagar-lhe a realização das obras de eliminação dos defeitos, caso elas, rés, não procedam às mesmas obras no prazo acima referido; 3º - A pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais de valor não inferior a € 10.000; 4º - A pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação, sobre qualquer quantia em que vierem a ser condenadas.
Fundamentando a sua pretensão, alega, em síntese, que comprou aos referidos BB e esposa, que se dedicavam à construção civil e à compra e venda de imóveis, um prédio urbano para habitação, sito em Real, Braga, o qual apresenta graves defeitos de construção, dos quais lhes deu conhecimento. Apesar de reconhecerem a existência dos defeitos e de terem procedido a reparações, persistem os que descreve, os quais, segundo alega, põem em risco a salubridade e a habitabilidade do imóvel.
As rés contestaram e deduziram reconvenção, pedindo que a autora/reconvinda seja condenada a entregar-lhes o imóvel que lhes vendeu, e que constitui parte do preço da compra do prédio urbano que àquela foi vendido e ainda a pagar-lhes a quantia de € 350 por mês, devida pela ocupação daquele imóvel, a partir de Agosto de 2006 até que a entrega se verifique.
Na contestação alegam que corrigiram todos os defeitos que a autora lhes foi sucessivamente indicando e por que se julgaram responsáveis.
Replicou a autora e, quanto ao pedido reconvencional, invocou a excepção de não cumprimento para não entregar às rés o imóvel e nem lhes pagar qualquer importância pela sua ocupação.
Os autos prosseguiram os seus termos, e, na sequência do julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando as rés a eliminar, no prazo de 90 dias, os defeitos que enumera nos pontos elencados.
Mais se decidiu julgar improcedentes os pedidos reconvencionais, deles absolvendo a Autora, assim como o pedido de indemnização por danos morais formulado pela autora, dele absolvendo as rés.
Inconformadas com o decidido, apelaram as rés, pretendendo que a decisão seja revogada e substituída por outra que condene a autora no pedido reconvencional que formularam.
Por sua vez, não aceitando a absolvição das rés quanto ao pedido de condenação em indemnização pelos danos não patrimoniais, recorreu a autora, recurso subordinado, pretendendo que as rés sejam condenadas no pagamento de uma quantia não inferior a € 15.000.
Por acórdão de 11 de Junho de 2012, a Relação confirmou integralmente a decisão impugnada, julgando, consequentemente, improcedentes os recursos interpostos.
Inconformada, recorreu de revista a ré Herança de BB, circunscrevendo o recurso á admissibilidade (ou inadmissibilidade) da excepção de não cumprimento do contrato, invocado pela autora para recusar o pagamento de parte do preço do contrato de empreitada celebrado com a ré, invocando as seguintes conclusões: 1ª - A excepção de não cumprimento do contrato é definida pelo artigo 428º do Código Civil como a possibilidade de um dos contraentes, no âmbito de um contrato bilateral, poder recusar a sua prestação enquanto o outro contraente não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
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- A ré/recorrente assumiu no negócio jurídico aqui em apreço a veste de construtora/vendedora, traduzindo-se, assim, a sua prestação, na construção e venda do prédio urbano sito no Lugar de S. ........, Lote n.º ........, Real, Braga.
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- Já a prestação a que a recorrida se obrigou traduzia-se na entrega do preço acordado, que no caso dos autos se concretizaria mediante a entrega da fracção autónoma designada pela letra "G" e do montante global de € 140.000 (cento e quarenta mil euros).
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- Resulta da matéria de facto assente que: a) - O falecido DD e a sua mulher CC construíram o prédio urbano para habitação, sito no Lugar de S. ........, Lote ....n.º ...., Real, Braga (Alínea B).
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- Quando a autora/recorrida se mostrou interessada em adquirir o referido bem imóvel, propôs como forma de pagamento a entrega do apartamento de que era, à data, proprietária e o remanescente em dinheiro, o que as partes acordaram (alínea E).
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- Em escritura pública, outorgada em 28/06/2006, BB e mulher CC declararam vender e a autora declarou comprar, com destino a habitação própria permanente, pelo preço de cento e quarenta mil euros, o prédio urbano composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, com logradouro, sito no Lugar de S. ........, Lote n.º ........, Real, Braga (alínea C).
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- Em escritura pública, outorgada em 28/06/2006, a autora declarou vender e BB e mulher CC declararam comprar, pelo preço de cinquenta mil euros, a fracção autónoma designada pela letra "G", correspondente ao 3.º andar direito, lado norte, destinada a habitação, com um lugar marcado na cave para recolha de um automóvel ligeiro, com entrada pelo n.º 172 de polícia (alínea D).
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- Com a outorga das escrituras referidas em 3) e 4) - a que ora se fez menção - a autora passava a ocupar a casa referida em 4) e desocupava a habitação referida em 3) (alínea G).
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- Cumprida que estava a obrigação da recorrente, de construção e venda do imóvel, e parcialmente cumprida a obrigação da recorrida, que já havia entregado parte do preço em dinheiro, o integral cumprimento das respectivas prestações ficaria agora totalmente concretizado, mediante entrega das chaves dos imóveis adquiridos, o que, nos termos do estabelecido pelas partes, deveria ocorrer no acto de outorga das escrituras.
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- Pese embora tenha aceitado as chaves do imóvel por si adquirido à recorrente, a aqui recorrida não entregou a recorrente as chaves do imóvel por si dado como forma de pagamento, nem nessa data, nem posteriormente - já lá vão mais de 5 anos (!) 7ª - A recorrida encontrava-se, assim, em mora para com a recorrente quanto à obrigação de entrega do predito bem imóvel - representativo de parte do preço acordado pela compra do prédio urbano sito em Real, mora esta que se havia iniciado antes de a mesma invocar a excepção de não cumprimento.
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- Esta falta de cumprimento por parte da recorrida, que ocorreu a partir da data de outorga da escritura pública, não foi acompanhada de declaração relativa ao contrato celebrado entre as partes, juridicamente significativa.
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- Só quando interpelada pela aqui recorrente para proceder à entrega das chaves do imóvel dado como forma de pagamento, mais de 30 dias corridos desde a data da outorga da escritura e, consequentemente, desde a data em que se obrigou a cumprir a sua prestação, é que a autora/recorrida arguiu a excepção de não cumprimento.
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- A não entrega do referido imóvel, representativo de parte do preço que remanescia por pagar, é apenas isso, falta de cumprimento por parte da recorrida.
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- A recorrente tinha realizado as prestações a que se obrigou.
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- Não se questiona que a recorrida tenha aceitado as prestações de execução da obra e de venda do imóvel tal como cumpridas pela recorrente, nem tal se poderá questionar em face dos factos descritos nas alíneas C) e H) da matéria de facto assente.
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- A falta de entrega do imóvel que mais não é do que a falta de pagamento de parte do preço pela aquisição do prédio sito em Real, é uma estrita recusa de cumprimento com as consequências prescritas nos artigos 798º e 804º do Código Civil.
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- Embora se tenha verificado - posteriormente - que a obra tinha sido executada com ligeiras deficiências [alínea L) e quesitos 11º a 52º] e que a recorrente as não eliminou, nessa data já a recorrida se encontrava em situação de ilícito contratual, concretamente em mora.
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- A eliminação das deficiências faz parte da própria prestação de execução da obra mas tem um regime legal próprio consagrado nos artigos 1219º a 1226º do Código Civil, não permitindo a persistente recusa de pagamento de uma fracção do preço, já vencida e relativamente à qual o comprador se encontra em mora, como um meio de coagir o vendedor a eliminar essas deficiências.
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- Esse regime legal não permite afirmar, como parece aceitar o acórdão recorrido, que a obrigação de pagamento do preço ou de uma das fracções correspondentes se não vence enquanto subsistir a possibilidade legal de exigir ao empreiteiro a eliminação dos defeitos.
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- Pretendendo a eliminação dos defeitos da obra, perante a recusa da recorrente em fazê-lo - o que nem sucedeu -, poderia a recorrida recorrer aos meios próprios, o que não fez, antes parecendo querer fazer operar uma espécie de compensação entre o que deve e o que entende ser-lhe devido, sendo certo que não lhe é admissível que...
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