Acórdão nº 77/12.6YREVR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Janeiro de 2013

Data10 Janeiro 2013
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1.

Por acórdão de 20 de novembro de 2012, o Tribunal da Relação de Évora determinou a execução do mandado de detenção europeu para entrega do cidadão A às competentes autoridades do Reino Unido para efeitos de procedimento criminal, pelos factos e infrações que o motivaram.

Com efeito, o referido cidadão do Reino Unido (Escócia) encontra-se indiciado naquele País pela prática de dois crimes de Violação da Obrigação de Saída para o Estrangeiro, previstos pelas Secções 85ª e 86ª da Lei 2003, relativa a Crimes de Natureza Sexual, correspondendo a cada um deles, em abstrato, pena de prisão com duração máxima de 5 anos.

O cidadão identificado foi detido pela Polícia Judiciária no dia 23 de outubro de 2012 e mantém-se em prisão preventiva.

  1. Desse Acórdão recorre agora o requerido para o Supremo Tribunal de Justiça e, da sua fundamentação, retira as seguintes conclusões: 1ª- O Mandado de Detenção Europeu foi emitido contra o recorrente por factos que não estão previstos como crime na lei penal portuguesa nem por elas são puníveis; 2ª- A União Europeia criou a Decisão - Quadro do Conselho de 2002/584/JAI de 13-06-2002, que estabeleceu regras relativas ao MDE e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, prevendo no seu art.º 3.º a sua não execução obrigatória e no art.º 4.º a sua não execução facultativa; 3ª- Portugal posteriormente promulgou a lei 65/2003 de 23-08 que aprovou o regime jurídico estabelecido na referida Decisão-Quadro e no seu art.º 2.º n.º 3 estatui que "nas infrações não previstas no seu n.º 2, só é admissível a entrega da pessoa reclamada, se os factos que justificam a emissão do Mandado de Detenção Europeu constituírem infração punível pela Lei portuguesa, independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação"; 4ª- Em face desta clara definição legal não é passivel a sua entrega ao país requerente, mas o douto acórdão decidiu que, por força do "princípio da interpretação conforme", a recusa só pode manter-se, se além de não ser crime em Portugal, o facto cometido no país requerente não for punível com privação da liberdade por tempo superior a 3 anos; 5ª- Ora, o douto acórdão não fundamentou nem em factos, nem em demonstrações jurídicas, nem com citações legais a afirmação que agora se regista, o que à face do art.º 374.º, 2 e 379.º, 1, a) do C.P.P. é causa da sua nulidade e que se deixa deduzida; 6ª- Invoca também como fundamentos para a existência apenas da recusa facultativa da execução do MDE, prevista no art.º 12, 1, a) da nossa Lei 65/2003, o facto de a referida Decisão-Quadro no seu art.º 4.º, 1 permitir a não execução facultativa, se a infração que determinou a sua emissão não constituir crime no Estado-Membro da execução o que não é referido no seu art.º 3.º, onde se encontra a não execução obrigatória; 7ª- Todavia este referido art.º 3.º pressupõe e de maneira nenhuma prescinde da não incriminação do facto no país da execução, pois que fala na amnistia da infração, sendo de admitir que muito mais força tem para a recusa da execução do mandato, a não incriminação, do que a sua amnistia, e daí não ser legítimo concluir como referiu o douto acórdão; 8ª- Por outro lado, ficou expresso no douto acórdão que o país da execução do mandato, tendo esta o caráter de recusa facultativa, tem obrigação de fazer uma acrescida ponderação dos interesses relevantes da necessidade, da proporcionalidade e da adequação das finalidades da entrega, tendo em conta os valores em conflito, o que efetivamente não julgou; 9ª- Pois, apenas se remeteu para a simples afirmação de que os crimes de natureza sexual que subjazem ao registo e obrigatoriedade legal das notificações previstas na Secções 85.ª e 86.ª da Lei 2003 do Reino Unido, merecem fortíssima censura social, o que acaba por ser apenas uma conclusão sem factos; 10ª- Tornava-se necessário como foi reconhecido, a enumeração dos factos por que foi condenado, com uma exposição tanto quanto possível completa ainda que concisa dos motivos e conduta do recorrente art.º 374, 2 do C.P.P. para que pudessem ser respeitados os termos e limites consagrados na nossa Constituição, art.ºs 27.º e 29.º, o que não foi feito e determinará a nulidade do acórdão nos termos do art.º 379.º, 1, a) e c) do mesmo Código; 11ª- Tanto mais que o recorrente já vive em Portugal há 2 anos, tem a sua vida estabilizada, com atividade comercial registada e impostos pagos, não constando qualquer notícia contrária ao seu correto comportamento, sendo de referir que a causa da sua conduta punida no seu país se deveu a conduta condenável ou até provocatória de quem funcionou como ofendido; 12ª- Ama o país em que se encontra, tem o propósito de aqui se manter dentro do maior respeito pelas suas pessoas e pelas suas leis, terra que é abençoada para tratamento de algumas das suas doenças, sendo felizmente agora pessoa muito mais saudável do que quando cá entrou; 13ª- Por tudo quanto refere, e pelas disposições citadas, há de ser recusada a execução do Mandado de Detenção Europeu requerido.

    NESTES TERMOS, por erradas interpretação e aplicação das disposições legais citadas, há de o douto acórdão ser revogado e recusada a sua entrega às autoridades competentes do Reino Unido, ou se assim não for entendido, declarada a sua nulidade (…).

  2. O M.º P.º respondeu ao recurso e disse, em resumo, o seguinte: - “Os factos integradores dos crimes que determinaram a emissão do MDE não estão previstos nem são puníveis pela legislação penal portuguesa”.

    - “…a inexigibilidade de controle da dupla incriminação só vale para os crimes elencados no artigo 2° n.º 2 da Lei n° 65/03, de 23 de agosto”.

    - “Sendo que para as infrações nele não previstas só é admissível a entrega da pessoa reclamada se os factos que justificam a emissão do M.D.E. constituírem infração punível pela lei portuguesa, embora independentemente dos seus elementos constitutivos ou da sua qualificação (n.º 3° do mesmo artigo e diploma legais)”.

    - “Trata-se, por isso, de infração que cai no âmbito do n° 3° do mesmo artigo e diploma legais”.

    - “E que, nos termos do disposto no artigo 12° n° 1° alínea a) da Lei n" 65/03, constitui causa de recusa facultativa de execução do MDE (exatamente porque se trata "de infração não incluída no n.º 2° do artigo 2.º)”.

    - “É certa, por outro lado, a existência de aparente contradição entre o disposto neste inciso legal (que consagra uma causa de recusa facultativa de execução do MDE) e o disposto no n? 3° do artigo 2° da Lei n" 65/2003 (…)”.

    - “Haverá, assim, que proceder aqui à interpretação destas normas, em ordem a apurar a solução desta (ao menos) aparente contradição”.

    - “Ora, o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 16 de junho de 2005, proferido no Processo n° C-105/03 (o chamado "Acórdão Pupino") veio consagrar, no seu ponto n.º 43°, o "princípio da interpretação conforme" relativamente às Decisões-Quadro adotadas no âmbito do Título VI do Tratado da União Europeia, nos termos do qual ao aplicar o direito interno, o órgão jurisdicional de reenvio chamado a proceder à sua interpretação é...

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