Acórdão nº 1135/10.7TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelGRANJA DA FONSECA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Nas Varas Cíveis de Lisboa, AA intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra BB, S.A., pedindo que, na sua procedência, fosse a Ré condenada: a) - A pagar o capital seguro, entregando ao Banco BB, S.A., tomador do seguro, o montante de € 57.873,60, correspondente ao valor em dívida no mútuo destinado à compra de habitação própria da autora e do seu falecido marido, face ao óbito deste; b) – A pagar à Autora a quantia de € 111,41, relativa ao remanescente do capital contratado, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos contados, á taxa legal, desde a data do falecimento do marido da autora até efectivo e integral pagamento; c) – A restituir à Autora a importância de € 6.042,57, referente às prestações pagas pela Autora para pagamento do empréstimo desde Julho de 2008 até hoje, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde Julho de 2008 até efectivo e integral pagamento.

Fundamentando a sua pretensão, alegou, em síntese, que a Autora, em conjunto com o seu marido CC, celebrou com o BancoBB um contrato de empréstimo com hipoteca, destinado a aquisição de habitação própria e permanente, indexado ao qual foi celebrado um contrato de seguro de vida mediante o qual a seguradora, ora Ré, aceitou a cobertura do risco de morte ou invalidez total em consequência de acidente, sendo o capital seguro de € 57.985,01, do qual são beneficiários o Banco Santander relativamente ao capital em dívida e o segurado sobrevivo relativamente ao remanescente do valor.

Em 22 de Julho de 2008, o segurado, e marido da Autora, faleceu, vítima de acidente de viação, tendo a sua morte sido causada pelas lesões sofridas nesse acidente, ocorrido a 12/07/2008.

A Autora participou à Ré o falecimento do seu marido, tendo esta recusado o pagamento das importâncias seguras, com o fundamento de que o falecido acusava uma TAS de 0,54gr/l, superior ao limite legal.

Todavia, o acidente não foi causado pelo consumo de bebidas alcoólicas, sendo ilegítima a recusa da ré em pagar.

A Ré contestou, apenas, por excepção, alegando que, na data do acidente, o marido da Autora conduzia com uma TAS de 0,54gr/l, o que permite concluir que, na hora em que ocorreu o acidente, a taxa de álcool no sangue seria de 0,99 a 1,14gr/l no sangue e, não havendo qualquer outra justificação para o acidente, deverá entender-se que este foi causado pela TAS de que o falecido segurado era portador ou, pelo menos, que tal taxa contribuiu para a produção do acidente, afectando as suas capacidades de condução, prova essa retirada por via das presunções previstas nos artigos 349º e 351º, do Código Civil.

Assim, segundo ela, o acidente em causa mostra-se excluído das condições gerais da apólice.

A Autora replicou, respondendo à matéria da excepção deduzida pela Ré, alegando, nuclearmente, que o acidente que vitimou o marido da Autora não ocorreu sem qualquer razão aparente, pois, de acordo com as declarações do passageiro que com ele circulava no mesmo motociclo, naquele dia fatídico, o que deu causa ao despiste e posterior colisão foi, provavelmente, um movimento brusco e inesperado do próprio passageiro.

Além disso, segundo a Autora, a simples existência de álcool no sangue em medida superior à legalmente permitida não pode ser suficiente para fazer funcionar a exclusão da responsabilidade da Ré, pois que o acidente que originou a morte do marido da Autora poderia ter ocorrido independentemente da situação de ingestão de álcool em que o mesmo se encontrava.

Findos os articulados, o processo foi saneado, organizou-se a base instrutória e teve lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 3/11/2011) que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com o decidido, apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 5/06/2012, concedeu provimento à apelação, revogando a sentença recorrida e condenando a Ré: a) – A pagar o capital seguro, entregando ao tomador do seguro, o BancoBB, S.A., o montante de € 57.873,60, correspondente ao valor em divida no mútuo destinado à compra de habitação própria da Autora e do seu falecido marido, face ao óbito deste; b) – A pagar à Autora a quantia de € 111,41, relativa ao remanescente do capital contratado, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, contados, à taxa legal, desde a data do falecimento do marido da Autora até efectivo e integral pagamento; c) - A restituir à Autora a importância de € 6.042,57, referente às prestações pagas pela Autora, para pagamento do empréstimo, desde Julho de 2008 até hoje, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal desde Julho de 2008 até efectivo e integral pagamento do capital seguro, no montante verificado à data do óbito do marido da Autora (€ 57.873,60), do capital remanescente (€ 111,41), e ainda dos juros peticionados e prestações entretanto liquidadas pela Autora (€ 6.042,57) e até integral pagamento.

Inconformada, recorreu de revista a Ré, formulando as seguintes conclusões: 1ª - A prova de que o sinistrado conduzia sob o efeito do álcool é a única necessária para a aplicação da cláusula de exclusão do contrato de seguro em causa.

  1. - Apresentando o segurado falecido uma taxa de alcoolemia de, pelo menos, 0,54, gr/l, e havendo uma cláusula de exclusão da responsabilidade da seguradora nestas circunstâncias, esta encontra-se necessariamente exonerada de toda a responsabilidade assumida contratualmente com o segurado.

  2. - O contrato de seguro em causa, cujo risco de cobertura é o de morte ou invalidez permanente do segurado, é estruturalmente diverso do contrato de seguro automóvel necessário para a circulação de veículos nas vias públicas, a que se reporta o Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro.

  3. - A celebração de contratos de seguro de vida constitui uma garantia ao contrato de mútuo, isto é, aquelas instituições garantem que, em caso de morte ou invalidez do mutuário serão ressarcidas, por uma seguradora, do capital que mutuaram.

  4. - Perante a diversidade da estrutura finalística dos contratos de seguro de responsabilidade pessoal e de responsabilidade civil automóvel, aquele facultativo e este obrigatório, não tem qualquer apoio legal a interpretação da cláusula de exclusão em causa à luz do normativo relativo ao exercício do direito de regresso da seguradora no âmbito do segundo.

  5. - Estamos aqui perante uma cláusula de exclusão de conhecimento geral, pois que um homem médio, colocado na posição do contraente tem conhecimento de que um seguro de vida não poderá suportar o ónus de condutas que coloquem, precisamente, a vida do segurado em risco.

  6. - A aplicação analógica a este seguro da norma excepcional do artigo 19° do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, viola o artigo 10° do Código Civil.

  7. - Deverá ser esta a interpretação a dar à cláusula 6ª, n.º 1, alínea c) das Condições Gerais do Seguro de Vida celebrado com o falecido marido da Recorrida e, consequentemente, revogado o acórdão proferido e substituído por outro que, efectuando uma correcta interpretação desta disposição contratual, absolva a Recorrente do pedido.

  8. - Ainda que assim não se entendesse, o que apenas por cautela de patrocínio se configura, sempre se dirá que estão reunidos os pressupostos para considerar verificado, in casu, o nexo de causalidade adequada entre a taxa de alcoolemia e o acidente ocorrido.

  9. - Ficou dado por provado que: "7 - A morte do segurado, marido da Autora, resultou das lesões que sofreu quando, em 12/07/2008, pelas 17:30 horas, na E.N. 258, ao km 82, 680, no concelho de Moura, o veículo motociclo de matrícula 00-00-00 que conduzia, levando um passageiro, interveio em acidente de viação; 16 - O Serviço de Toxicologia Forense - Sul do Instituto de Medicina Legal, efectuou análise ao sangue do falecido marido da autora, em amostra colhida a 12.07.2008, pelas 20.30 horas, a qual apresentou um resultado de 0,54g/l; 20 - Era de dia e o tempo, à data, estava bom; 23 - Uma taxa de álcool de 0,54 g/L é susceptível de causar euforia, menor vigilância, diminuição da acuidade visual, estreitamento do campo visual, e reflexos motores diminuídos".

  10. – A Sr.ª Juiz de 1ª Instância fez uso de uma presunção natural para concluir pela existência do nexo de causalidade, presunção esta retirada dos factos que se lhe foram apresentados.

  11. - Ainda que se tivesse demonstrado que a taxa de álcool no sangue do marido da segurada não fora causa única na eclosão do acidente - o que apenas por cautela de patrocínio se configura, sem nunca conceder - sempre aquela taxa de alcoolemia foi concausal para a ocorrência do mesmo.

  12. - Resulta da factualidade dada como provada, que a taxa de alcoolemia de que o marido da Autora era portador no momento do acidente foi causa - ou pelo menos concausa - do acidente, como de resto foi, e bem, decidido pela Sr.ª Juiz do Tribunal de 1ª Instância e, agora, erradamente contrariado pela Relação de Lisboa.

  13. - Está cientificamente comprovado que uma TAS de álcool no sangue a partir de certos limites tem necessariamente influência no comportamento do indivíduo, nomeadamente, na sua capacidade de condução.

  14. - Termos em que sempre deverá ser considerado verificado, face à factualidade apurada, o nexo de causalidade adequada e, consequentemente, a absoluta aplicabilidade da cláusula de exclusão da cobertura, prevista na cláusula 6ª, alínea c) das Condições Gerais do contrato que se analisa.

  15. - O Acórdão recorrido deverá, assim, ser revogado por violar o disposto nos artigos 236º, 237º, 239º, 342º, 349º e 351º do C.C e artigo 19º, alínea c) do DL 522/85 de 31 de Dezembro.

    A Autora contra – alegou, defendendo a confirmação do acórdão recorrido, finalizando com as seguintes conclusões: 1ª - Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, alterando a matéria de facto...

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