Acórdão nº 560/04.7TBVVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução27 de Setembro de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra BB, S. A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 255 215,60, acrescida de juros, a contar da citação pedido que posteriormente veio a ampliar para o montante total de € 452 030,60.

Alegando, para tanto, e em suma: Nas circunstâncias de tempo, lugar e modo referidas na p. i., ocorreu um acidente de viação, em que foi interveniente o veículo, de matrícula 00-00-00, conduzido pelo seu proprietário CC, segurado na ré, e a autora, que nele, e por culpa daquele, foi atropelada.

Do acidente resultaram-lhe danos, que também melhor descreve, deles pretendendo ser ressarcida.

Contestou a ré, impugnando a versão do acidente, imputando a responsabilidade do mesmo, de forma exclusiva, à autora Mais requerendo a intervenção acessória provocada do condutor e proprietário do veículo automóvel, de modo a exercer o direito de regresso respectivo.

O interveniente contestou, sustentando a responsabilidade exclusiva da demandada seguradora.

Na réplica, veio a autora também deduzir a intervenção principal provocada, quer do referido condutor do veículo, quer do Fundo de Garantia Automóvel.

Por decisão do Tribunal da Relação de Guimarães veio a ser admitida tal intervenção, tendo sido citados os chamados, que contestaram.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Veio a autora, entretanto, deduzir incidente de liquidação, com ampliação do pedido para o montante acima mencionado.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 950 a 955 consta.

Foi proferida a sentença, que julgando a acção parcialmente procedente, e na parte que aqui releva, condenou a ré a pagar à autora a quantia global de 379 246,73, acrescida de juros (de forma não impugnada). Absolvendo a mesma do demais peticionado. Absolvendo os demais demandados/intervenientes do pedido.

Inconformada, veio a ré, sem êxito, interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

De novo irresignada, veio a mesma ré pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: 1ª - Uma vez mais, não podemos concordar com a decisão proferida pelo tribunal "a quo", isto porque sempre se dirá que, hoje em dia. é jurisprudência assente que o contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel tem natureza pessoal.

2ª - Ora, a questão de fundo relativa ao contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória é que. não obstante qualquer pessoa poder celebrar um contrato de seguro automóvel. este terá de ter sempre como objecto uma dada viatura.

3ª - Porém. no caso em apreço, o condutor da viatura segura na Ré, portador de deficiência física, celebrou um contrato com a ora Ré/recorrente, tendo como objecto a viatura segurada sem que para tal se tivesse declarado como seu condutor habitual, sem as alterações adequadas à sua condição, caso em que tal seguro jamais teria sido contratado com o consentimento da Ré.

4ª - Neste sentido, não podemos concordar com o entendimento sufragado pelo tribunal "a quo", uma vez que o segurado não podia desconhecer esta sua impossibilidade decorrente da lei, pelo que não era exigível à seguradora que conhecesse a circunstância futura do seu segurado vir a conduzir a viatura segura sem lhe efectuar as adaptações necessárias.

5ª - O risco que a Recorrente assumiu foi a condução do veículo devidamente adaptado! 6ª - A tónica na qual insistimos é que um contrato de seguro tem natureza pessoal, de acordo com as circunstâncias próprias do segurado sendo que, o capital de cobertura não se destina a cobrir circunstâncias, as quais, à partida, eram do conhecimento do segurado e da ora Ré (a deficiência física do primeiro), mas que aliadas ao facto (que este obviamente omitiu) de vir a conduzir a viatura segura, sem que para tal a adaptasse às mesmas, seriam ilícitas e como tal fora do âmbito do contrato de seguro! 7ª - O proprietário do veículo seguro cumpriu a sua obrigação legal de, na qualidade de proprietário, efectuar seguro de responsabilidade civil automóvel, significando isto que o veículo mesmo parado ou circulando por terceiro que o fazia por empréstimo do proprietário ou até por sua conta e interesse, é gerador de riscos que tenham de ser cobertos.

8ª - E a ora recorrente, se sobreviesse um acidente nestas circunstâncias obviamente assumia a respectiva responsabilidade.

9ª - Agora o que não pode assumir é o risco do próprio condutor, inabilitado, por via das restrições constantes da sua carta de condução, conduzir o veículo seguro sem o mesmo se encontrar devidamente adaptado à sua condição física.

10ª - Isto porque seria o mesmo que dizer-se que a pessoa estaria a coberto da responsabilidade do contrato de seguro sendo a sua condução ilícita! Ou seja, será possível a lei conferir a transferência de responsabilidade por uma conduta ilícita? Pode a seguradora aceitar a transferência da responsabilidade por essa conduta ilícita? Pensamos que não.

11ª - Quanto ao exemplo dado do caso de furto, o mesmo não será aplicável, nem mesmo analogicamente porque o mesmo se encontra especialmente regulado em norma própria, o que não sucede no presente caso.

12ª - O que somos a defender de qualquer forma é que o segurado, ou qualquer outra pessoa qualquer que seja a sua condição pessoal, pode celebrar um contrato de seguro visando transferir a responsabilidade civil de um dado veículo para uma dada seguradora. O que já não poderá é beneficiar desse mesmo seguro com a omissão de que seria o seu condutor mesmo não estando a viatura adaptada à sua deficiência física sabendo como sabia que tal seria a sua intenção.

13ª - Pelo que, não se poderá defender, como referiu o julgador de 1ª instância que neste caso - estando a viatura MP devidamente segurada sem terem sido, contudo, efectuadas as adaptações necessárias - o segurado não teria interesse em segurar a viatura, pois nas duas hipóteses possíveis, ou o segurado pretendia segurar a viatura, mesmo sem estar adaptada, visando mantê-la parada a aguardar a sua transformação ou pretendia apenas emprestá-la a terceiros que pudessem tripulá-la sem restrições.

14ª - Para ambas as situações, dúvidas não há de que a viatura MP sempre necessitaria de estar segura mercê do risco inerente a qualquer viatura! 15ª - De igual modo, também não sufragamos o entendimento do julgador de 2ª instância que entende que, no caso de acções dolosas efectuadas durante a condução do veículo seguro, sempre haveria cobertura dos danos assim causados pelo mesmo, por caírem no âmbito da responsabilidade civil imanente à condução daquele veículo, uma vez que, a contratação do referido contrato de seguro não foi efectuada tendo em conta, como não poderia deixar de ser, a omissão do segurado quanto ao facto de pretender conduzir o MP sem para o efeito o adaptar devidamente.

16ª - Como tal, deveria o tribunal "a quo" ter decidido no sentido de afastar a responsabilidade da ora Ré pelos factos ocorridos em consequência da actuação do condutor do MP, concluindo pela não abrangência contratual da Apólice, absolvendo a ora Ré do pedido.

17ª - Ao decidir como decidiu, violou o ilustre Tribunal "a quo" o disposto nos artigos 1. °, 2.° e 8.°, todos do DL n.º 522/85 de 31 de Dezembro.

18ª - Em nosso entender o montante arbitrado a título de danos patrimoniais futuros é exagerado tendo em conta, não só, o montante de danos apurados, mas igualmente quatro aspectos que, inegavelmente, impõe a sua justa redução.

19ª - Em primeiro lugar atendendo à prática jurisprudencial quanto ao apuramento de montantes indemnizatórios, à data da citação (2004).

20ª - Atendendo ao exemplo referido no corpo das alegações o montante arbitrado foi de € 120.000,00, o que por si só é menos do que foi arbitrado em € 30.000,00 diferença essa muito significativa e sendo indevida como reputamos que é, é injusta, favorecendo a Autora e prejudicando a Ré, daí que não lhe sendo devida a chancela de um qualquer tribunal.

21ª - Mas será de atender ainda neste ponto que o Autor tinha à data apenas 14 anos de idade o que torna ainda mais urgente, face ao exemplo supra referido alterar em conformidade a dita decisão.

22ª - Assim, é justo afirmar que à data, a jurisprudência atribuía a casos idênticos, montantes indemnizatórios consideravelmente mais baixos, o que implicará uma redução do montante a arbitrar no caso presente por parte do julgador.

23ª - De qualquer forma, não[1] estamos em face de uma responsabilidade pelo risco, pelo que, o montante indemnizatório aqui em causa deveria ter sido também por este motivo, e em função de critérios de equidade ser mais reduzido, uma vez que, a decisão recorrida não cumpre, deste modo, uma função sancionatória.

24ª - Pelo que não há, como não poderia haver qualquer juízo de censura a efectuar sobre o condutor do MP, pois como se disse e assim se mantém, a responsabilidade que aqui se lhe imputa é de natureza muito diferente da que resulta quando há culpa! 25ª - Nesse sentido, tal aspecto deverá ter uma ponderação na decisão em apreço determinando também uma redução do montante indemnizatório arbitrado.

26ª - O terceiro aspecto a ter em conta é a idade limite, em Portugal, para se ser considerada pessoa activa que deverá ser os 65 anos.

27ª - Mesmo que se considere que e bem que após a idade da reforma persistem as necessidades do indivíduo, a verdade e que após essa data, receberá uma pensão de reforma, com a qual se bastará nessa medida.

28ª - No caso vertente, a indemnização em apreço, deverá cumprir a função de suprir a diferença patrimonial que poderá advir à Autora da sua situação actual.

29ª - Neste ponto importa ainda dizer que usamos a palavra "poderá", uma vez que, embora a I.P.P. referida seja de 85,00%, a mesma impede-a de trabalhar na sua...

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