Acórdão nº 465/12 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução01 de Outubro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 465/2012

Processo n.º 595/2011

  1. Secção

Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

  1. A. instaurou, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, ação contra IEP – Instituto de Estradas de Portugal, pedindo que fosse declarado ilícito o despedimento de que fora alvo, e que, consequentemente, fosse o Instituto condenado, i.a., a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe o que mensalmente processava a seu favor mediante transferência bancária.

    Alegava, fundamentalmente, que a entidade empregadora havia lesado o seu direito à ocupação efetiva, visto que se recusara a dar-lhe por escrito ordens relativas ao exercício das funções que, conforme o acordado no contrato individual de trabalho, eram as suas (as de diretor do departamento de recursos humanos). Respondeu o Instituto de Estradas de Portugal, afirmando que, a partir de certa altura, A. faltara consecutivamente ao serviço, não comunicando antecipadamente qualquer falta.

    O Tribunal de Trabalho de Lisboa, se bem que considerando parcialmente procedente o pedido apresentado (condenando a ré num dos pedidos feitos pelo autor, cuja identificação é agora irrelevante), não declarou ilícito o despedimento.

    Apelou então A. para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo a ré interposto também recurso subordinado para o mesmo Tribunal.

    A Relação, decidindo, revogou a sentença recorrida na parte em que esta atendera parcialmente ao pedido apresentado por A.. Quanto ao resto – e, principalmente, quando à ilicitude do despedimento –, manteve o que fora decidido pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa.

    Interpôs então o autor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Nas respetivas alegações, sustentou que dos artigos 1.º, 2º, 20.º, nº4 e 59.º, nº1, alínea b) da Constituição da República – que consagram os princípios da dignidade da pessoa humana e da máxima efetivação dos direitos fundamentais; do processo equitativo e da ocupação efetiva do trabalhador “em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal” – decorria uma conceptualização do Direito do Trabalho que repudiaria, em termos do ónus da prova da ocupação efetiva do trabalhador, a conceção civilista constante, fundamentalmente, dos artigos 516.º do Código do Processo Civil e 342.º, 343.º e 344.º do Código Civil. Por estes motivos, concluía, seria inconstitucional, por violação dos princípios já referidos, a leitura das regras relativas ao ónus da prova, feita pelo acórdão recorrido, visto que esse ónus caberia, in casu e por imposição constitucional, à entidade empregadora.

  2. Por acórdão proferido a 13 de abril de 2011, o Supremo, depois de ter analisado as normas de direito infraconstitucional relativas ao ónus da prova, e de ter concluído que, face a elas, cabia inequivocamente ao autor da ação – que nela alegara estar em situação de inatividade profissional por nenhuma tarefa lhe ter sido distribuída – o ónus de provar a invocada facticidade, por esta incluir facto pretensamente constitutivo do direito que se pretenderia fazer valer em juízo, passou a examinar a questão de constitucionalidade que lhe havia sido colocada. E, quanto a esta, concluiu do seguinte modo:

    “Alega o recorrente que o regime civilista do ónus da prova – constante, fundamentalmente, do art.º 516º do Código de Processo Civil e dos art.ºs 342º, 343º e 344º do Código Civil – é, face à conceptualização constitucional do Direito do trabalho (com direta e necessária transposição para o direito processual laboral), materialmente inconstitucional, por contender com o disposto na Constituição e com os princípios nela consignados, designadamente: a) com o art.º 1º (enquanto nele se consagra o “princípio da dignidade da pessoa humana”); b) com o art.º 20º, n.º 4, enquanto nele se consagra o “princípio da judicialidade” – na vertente de “processo equitativo” (base de um verdadeiro direito de justiça, no sentido de um processo justo em que seja garantida a igualdade social na relação laboral); c) com o art.º 59º, n.º 1, b), enquanto contempla, entre os direitos dos trabalhadores, o direito à ocupação efetiva, em “condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal”.

    Ora, pelos raciocínios que já se expenderam a propósito da questão anteriormente analisada, entende-se que as disposições constitucionais citadas pelo recorrente não implicam um regime de ónus de prova diferente do que resulta da lei civil ordinária, de resto o único que o nosso ordenamento jurídico consagra.

    Por outro lado, os princípios da dignidade humana e do processo equitativo são princípios que se aplicam com o mesmo alcance quer em relação ao trabalhador quer em relação ao empregador, sob pena de violação de um outro principio constitucional, que é o princípio da igualdade (art.º 13º da Constituição da República), pelo que não se pode aceitar que os primeiros, quando invocados pelo trabalhador, lhe possam comportar o beneficio da inversão da prova, designadamente na situação do mesmo trabalhador invocar que o empregador lhe...

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