Acórdão nº 370/08 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução02 de Julho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 370/2008

Processo n.º 141/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

1.1. A., B., C., D., E., F. e G. requereram, no Supremo Tribunal Administrativo (STA), contra a Comissão de Inscrição da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, ao abrigo do artigo 161.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a extensão dos efeitos do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 5 de Julho de 2005, proc. n.º 164/04, que confirmou o acórdão da 1.ª Subsecção, de 3 de Novembro de 2004, que anulara o acto da requerida que recusara a inscrição de um interessado na então designada Associação dos Técnicos Oficiais de Contas (ATOC), criada pelo Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro (designação alterada para Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas (CTOC) pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro).

Nessas decisões entendeu-se que, para efeitos de inscrição na ATOC que a Lei n.º 27/98, de 3 de Junho, possibilitara aos “profissionais de contabilidade que desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do Decreto-Lei n.º 265/95, de 17 de Outubro, tenham sido, durante três anos seguidos ou interpolados, individualmente ou sob a forma de sociedade, responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Oficial de Contabilidade, de entidades que naquele período possuíssem ou devessem possuir contabilidade organizada”, era possível provar por qualquer meio probatório admissível em procedimento administrativo esse requisito de responsabilidade directa por contabilidade organizada, sendo ilegal a limitação da possibilidade de prova a cópias de declarações modelo 22 de IRC ou anexo C ao modelo 2 de IRS, como a Comissão de Inscrição estabelecera num “Regulamento”, de 3 de Junho de 1998, que aprovara para execução daquela Lei.

Aduziram os requerentes que se encontram na mesma situação daqueles casos, já superiores a cinco, em que foram proferidas decisões judiciais, transitadas em julgado, em processos em que foi parte a ora requerida, que julgaram inválidos os actos de recusa de inscrição por considerarem ilegais as normas restritivas de meios probatórios constantes do referido Regulamento: Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/2005, de 6 de Julho de 2005, e acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, de 5 de Julho de 2005, proc. n.º 164/04, de 6 de Outubro de 2005, proc. n.º 342/04, de 10 de Novembro de 2005, proc. n.º 343/04, de 19 de Janeiro de 2006, proc. n.º 424/04, de 7 de Fevereiro de 2006, proc. n.º 419/04, e de 2 de Março de 2006, proc. n.º 423/04.

A pretensão formulada obteve acolhimento no acórdão da 1.ª Secção do STA, de 19 de Abril de 2007, que determinou que “na esfera jurídica dos requerentes se produzam os mesmos efeitos que o mencionado acórdão do Pleno da 1.ª Secção, de 5 de Julho de 2005, proferido no proc. n.º 164/04, projectou na esfera jurídica dos respectivos beneficiários”.

Contra este acórdão interpôs a recorrente recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, terminando a respectiva alegação com a formulação das seguintes conclusões:

“1. O acórdão recorrido incorreu em deficiente aplicação do direito aos factos;

2. Desde logo, deveria ter procedido à desaplicação in casu da norma contida no artigo 161.º do CPTA, porquanto a mesma não está conforme à Constituição da República Portuguesa;

3. Com efeito, são violados os princípios do Estado de Direito, na sua vertente da protecção da segurança jurídica e da protecção da confiança, e o princípio da igualdade, plasmados, respectivamente, nos artigos 2.º e 13.º da Constituição;

4. A opção tomada pelo legislador viola, intoleravelmente, a confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações administrativas e nos seus efeitos;

5. Além disso, traduz um benefício concedido em favor dos que, perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal para tanto fixado, tratando-se, pois, de forma desigual face àqueles particulares que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados, para que não se firmasse na sua esfera jurídica um acto que lhes era desfavorável, assim se violando o princípio constitucional da igualdade;

6. Ao contrário do que considerou o tribunal a quo, o artigo 161.º mais não é, em termos materiais, do que a atribuição a quem já não o tinha, do direito de impugnar um acto administrativo desfavorável, indo até mais além do que isso, pois esse particular, que vê, assim, «ressuscitado» o seu direito de acção, poderá, por essa via, ver automaticamente produzidos na sua esfera jurídica os mesmos efeitos que veria caso tivesse impugnado atempadamente o acto desfavorável e tivesse obtido vencimento;

7. A argumentação oferecida pelo acórdão recorrido para sustentar a constitucionalidade da norma perspectiva, assim, a questão de um prisma estritamente formal, não atendendo à materialidade das razões que apontam, ao contrário, para a inconstitucionalidade da norma;

8. Por outro lado, e independentemente da posição tomada quanto à conformidade do artigo 161.º do CPTA, andou mal o acórdão recorrido ao considerar que a situação em apreço se encaixava na respectiva previsão da norma;

9. O artigo 161.º está pensado para se aplicar nos casos em que foram praticados actos administrativos com vários destinatários, e não, como é o caso, actos administrativos distintos;

10. Ao não dar razão à aqui recorrente, procedeu o acórdão recorrido a uma errada interpretação e aplicação do artigo 161.º [do CPTA].”

Por acórdão de 13 de Novembro de 2007, o Pleno da 1.ª Secção do STA negou provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação jurídica:

“2.2. Matéria de direito.

A recorrente insurge-se contra o acórdão da Subsecção por entender que o artigo 161.º do CPTA é inconstitucional e, se assim não for entendido, por não se verificarem os requisitos aí previstos para se declarar a extensão de efeitos de uma decisão judicial, ou seja, por não estar em causa uma sentença anulatória de um acto plural.

Vejamos cada uma das questões.

2.2.1. Inconstitucionalidade do artigo 161.º do CPTA.

A recorrente retoma, no recurso, os argumentos que esgrimira na acção e que o acórdão não acolheu. O acórdão recorrido, em suma, entendeu que o artigo 161.º do CPTA não violava os princípios da segurança inerente ao Estado de Direito (artigo 2.º) e da igualdade (artigo 13.º, ambos da Constituição). A recorrente insiste na tese oposta, vendo no referido artigo uma intolerável violação da confiança que a Administração deve poder pôr na estabilidade das relações jurídicas (violação da protecção da segurança jurídica) e ainda a violação da igualdade, na medida em que o preceito em causa traduz um «favor dos que, perante um acto desfavorável, se quedaram passivos e não reagiram judicialmente dentro do prazo legal… tratando-os de forma desigual face àqueles que, dentro do prazo de que dispunham, tiveram que mobilizar os meios processuais adequados».

i) Princípio da segurança jurídica.

O artigo 161.º do CPTA, sob a epígrafe «extensão dos efeitos da sentença», permite que os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável possam ser estendidos a outras pessoas que «se encontrem na mesma situação jurídica» [A redacção do preceito é a seguinte: «Os efeitos de uma sentença transitada em julgado que tenha anulado um acto administrativo desfavorável ou reconhecido uma situação jurídica favorável a uma ou várias pessoas podem ser estendidos a outras que se encontrem na mesma situação jurídica, quer tenham recorrido ou não à via judicial desde que, quanto a estas, não exista sentença transitada em julgado».]

É verdade que a eficácia de um acto administrativo inimpugnável – e que portanto gozava de alguma estabilidade na ordem jurídica – pode vir a ser inutilizada, por aplicação do artigo 161.º do CPTA. Mas essa destruição dos efeitos, não obstante o «caso decidido», não significa uma intolerável quebra da confiança na estabilidade das relações jurídicas inerente a um Estado de Direito.

O acórdão recorrido sublinhou, citando a propósito o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/84, que o cidadão deve «poder prever as intervenções que o Estado poderá levar sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. (…) Deve poder confiar em que a sua actuação seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as consequências juridicamente relevantes». Ora, a introdução na ordem jurídica do artigo 161.º do CPTA não é uma ruptura inesperada da irrelevância (em determinadas situações) do caso decidido. A lei, a doutrina e a jurisprudência desde sempre admitiram – como veremos – hipóteses em que o caso decidido não gozava de total protecção.

Como é sabido, nem sequer os actos favoráveis, constitutivos de direitos, não impugnados têm essa protecção, pois podem ser revogados com fundamento em ilegalidade no prazo de um ano – cf. artigo 141.º, n.º 1, do CPA. Por outro lado, a ilegalidade dos actos inimpugnáveis (consolidados), como hoje decorre do artigo 38.º, n.º 1, do CPTA pode ser posta em causa e, portanto, reconhecida. O artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48 051, ainda em vigor, também permite a discussão da ilicitude de actos administrativos consolidados, mostrando que um acto ilegal não impugnado pode levar à condenação da Administração pelos danos causados a terceiros com a prática desse acto.

Freitas do Amaral (Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, pág. 227) defendia – desde há muito – a eficácia erga omnes de algum tipo de sentenças anulatórias, tudo dependendo do seu fundamento: «terão eficácia erga omnes se forem baseadas em fundamentos objectivos, e eficácia inter partes se baseadas em fundamentos subjectivos». Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, II, págs...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
4 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT