Acórdão nº 435/12 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. José Cunha Barbosa
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 435/2012

Processo n.º 358/2012

  1. Secção

    Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa

    Acordam, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

    1. Relatório

      1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (doravante “LTC”), da decisão sumária proferida pelo relator que decidiu não conhecer das questões de constitucionalidade elencadas no requerimento de interposição de recurso.

      2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, o reclamante argumentou do seguinte jeito:

        “(...)

        A- INTRODUÇÃO E INDICAÇÃO DE SEQUÊNCIA

        Salvo o devido respeito, não se afigura ao signatário, nem no plano da tradição jurisprudencial do Tribunal, nem no da judicial policy, que a decisão reclamada seja, em muitos pontos feliz.

        Continua, em geral, a manter as posições já veiculadas no anterior requerimento.

        Pelo que considera que, com o douto suprimento desse Tribunal, os recursos deveriam ter sido recebidos.

        Reconhecendo que o processo é de invulgar complexidade e (aparentemente) de pouca valia e braevitatis causa, limitar-se-á a apontar alguns dos pontos mais salientes da sua discordância.

        B - O PONTO MAIS EVIDENTE: Ónus de levar a conclusões as inconstitucionalidades suscitadas nas instâncias? (ponto 4.2- fls. 11 e 12 da reclamada)

        Aqui, não pode dúvidas haver de que se decidiu contra toda a tradição e os precedentes do Tribunal Constitucional.

        Em momento que pode localizar com segurança entre 1984 e 1986, na Faculdade de Direito de Coimbra, em conversa com um então juiz deste Tribunal Constitucional, e tendo o signatário perguntado a este por novidades da respetiva jurisprudência, respondeu-lhe este haver sido objeto de longo e aprofundado debate entre os membros do Tribunal se deveria ou não exigir-se que, nas alegações produzidas nos tribunais a quo, a invocação da inconstitucionalidade fosse levada às conclusões. E a solução que unanimemente aceitaram era de que não.

        Por isso mesmo, nunca - que se saiba - até hoje um juiz do T.C. decidiu em sentido oposto.

        Tanto que o único acórdão que versa o tema, tirado por unanimidade de 7 juízes - o Acórdão 41/92, de 28 de janeiro (relator Cons. Tavares da Costa) - surge por força de reclamação de um despacho de Conselheiro relator no S.T.J.

        Ali se patenteia que, sendo a questão da inconstitucionalidade do conhecimento oficioso de qualquer tribunal, não terá de ser levada às conclusões, podendo ser invocada “em qualquer via”, desde que “suscitada durante o processo”.

        Pelo que o despacho reclamado, nesta parte, se não poderá manter.

        C - DECISÃO SURPRESA E DEFESA EM PROCESSO PENAL

        Tratando-se de questão que surge recorrentemente na douta decisão reclamada, afigura-se adequado tratá-la aqui, “em bloco” e em geral.

        Para a jurisprudência do Tribunal, decisão surpresa será uma decisão de questão inaudita e inesperada ou surpreendente no processo.

        Designadamente, por antes não haver sido suscitada em tal processo. Ou, como escreve o Cons. Lopes do Rego, no artigo “Acesso ao Direito e aos Tribunais”, publicado nos “Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional”, Editorial Notícias, 1993, pp. 65 e 66, «uma decisão que implica a consideração de aspetos ainda não abordados pelas partes nas suas alegações processuais».

        Ao que poderá acrescentar-se decisão em sentido oposto a corrente jurisprudencial pacifica.

        Por sua vez, não se considera exigível — muito menos em processo penal, para a defesa — que a parte “antecipe” todos os “critérios jurídicos” que, com maior ou menor probabilidade, possam ser convocados para se decidir a pretensão que formulam, como se pressupõe a fls. 24 da decisão reclamada.

        Tal transformaria qualquer alegação numa peça verdadeiramente “kafkiana”, e até em dois sentidos diversos.

        Por um lado, no sentido de que teria facilmente de equacionar dezenas de critérios que poderiam, com maior ou menor probabilidade, concorrer para a decisão - o que transformaria as alegações, quer em peças divinatórias, quer em peças bem mais longas que o côngruo.

        Por outro lado — e no quadro do processo penal (em que nos encontramos) —, no sentido em que imporia à defesa o ónus de se antecipar e perspetivar toda ela, isto é, de antecipar e responder “ex ante” a todas as possíveis argumentações “ex adverso”.

        Como abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional não deixa de reconhecer.

        Nem se vê como tal pudesse ser compatível com o princípio da razoabilidade dos ónus e encargos processuais, que o Tribunal de há muito também proclama com ênfase.

        D - DESIGNAÇÃO DE CONSULTOR TECNICO E RESPETIVA RELEVÂNCIA (ponto 4.1 da Decisão — fls. 8 a 10)

        Antes do mais, haverá que precisar um ponto de facto.

        Uma coisa é o Tribunal de 1ª Instância, a fls. 402/403, decidir que «a perícia se encontra já realizada», em 12 de janeiro — facto indesmentível, já que, nessa data, o relatório daquela perícia foi junto aos autos.

        Coisa bem diferente é saber se, em 3 de janeiro, «a perícia tinha de estar em estado muito adiantado de realização», como decidiu o Tribunal da Relação, na pág. 15 do seu acórdão. Para daí concluir pela extemporaneidade da indicação do consultor técnico. Ambas questões controversas e novas.

        As afirmações do Tribunal de 1ª Instância e as do recorrente, nas suas alegações, reportam-se claramente, àquele primeiro facto e não ao segundo, pelo que tal em nada retira o caráter surpreendente daquela decisão do Tribunal da Relação.

        O argumento do Tribunal da Relação para não invalidar a perícia é, pois, novo. Não é a argumentação da 1ª instância.

        O que diz — ou o que pressupõe — é que a nomeação do consultor já não pode ter lugar no decurso da perícia. Por outras palavras: que o consultor tem de assistir a toda a perícia.

        Este argumento é novo. Não é o argumento de a perícia estar integralmente realizada. É um argumento diverso.

        E não é exigível que o recorrente, na motivação do recurso para a Relação, figurasse esse argumento.

        Tendo sido esse o argumento do Tribunal da Relação, claro que ela aplicou a norma nessa dimensão — e não na da primeira instância.

        E se a decisão do Tribunal da Relação é nova e inesperada, não teria também o recorrente, face a tal factualidade, de já ter questionado a interpretação do art. 120° C.P.P., então aí apresentada

        Por outro lado, é agora, face às presentes explicitações, claro que a decisão do Tribunal da Relação aplicou tal norma nas dimensões ora impugnadas.

        E - QUANTO À JUNÇÃO DO DOCUMENTO DA FUNDAÇÃO DR. ... (ponto4.3 da Decisão—fls. 12a 15)

        Salvo o muito respeito devido, a decisão reclamada é contraditória, quanto ao afirmado na sua fl. 13: é que se o Tribunal da Relação usou estes preceitos para considerar tal documento irrelevante, naturalmente que os aplicou — e na dimensão normativa controvertida.

        E, por outro lado, não se visa aqui obter uma apreciação intrínseca do documento, mas sim que se aprecie um certo entendimento da lei, adotado pela decisão recorrida, que conduz a considerar irrelevante um documento.

        O que se contesta é a interpretação das ditas normas, que leva, em geral, a considerar como irrelevantes documentos como o que o recorrente apresenta.

        Pelo que já se deixou dito sob C, é falso que o recorrente devesse equacionar, em sede constitucional, a questão (não suscitada) da relevância do documento. Trata-se de exigência excessiva (para mais, tratando-se de processo penal).

        Também é anódino o facto de o recorrente referir haver interesse na junção do documento — afirmação quase tabeliónica e que não tem como consequência necessária o antecipar da questão de constitucionalidade.

        Aliás, sempre tal afirmação estaria implícita no simples requerimento para junção de tal documento, já que, se uma parte requere a junção dc certo documento, é necessariamente porque entende ter este interesse para o processo.

        F - SOBRE A OMISSÃO DE PRONÚNCIA (parte 4.9 - pp. 22 a 25 da Decisão)

        Em sentido diverso do doutamente referido na p. 24, o «momento de aplicação» incorporado é apenas o momento que define a norma que o Tribunal da Relação aplicou.

        Não se trata de questionar, em recurso para o Tribunal Constitucional, se a questão é “nova” ou não.

        O que se questiona é, sim, a extensão de uma norma que se refere a uma situação em que a questão é a mesma a outra situação em que a questão é apenas fundamentalmente a mesma (e não exatamente a mesma).

        Trata-se, portanto, de questão normativa, que este Tribunal deve conhecer.

        Quanto ao referido nos parágrafos 5º a 7º da p. 24 da decisão, dá-se por reproduzido o já aduzido sob B (decisão surpresa).

        G - OUTRAS QUESTÕES

        Face aos elementos dos autos e após melhor ponderação, aceita-se a bondade das soluções dos pontos 4.4 e 4.5.

        Quanto aos restantes - e com o douto suprimento do Tribunal - espera-se que, à luz do que se deixou escrito sob B sejam reapreciados, quando tal ponto (decisão surpresa) estiver em causa.

        (...)”.

      3. Notificado para o efeito, o Representante do Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação.

      4. Foi proferido acórdão intercalar, pelo Pleno da Secção, no qual se determinou a audição prévia das partes, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem sobre a possibilidade de rejeição, no que concerne à questão suscitada no ponto b).1 do requerimento de interposição de recurso, por não coincidência com a ratio decidendi da decisão recorrida a esse propósito.

      5. O Ministério Público, notificado para se pronunciar, apresentou resposta em que conclui pela inexistência de «… coincidência entre a interpretação acolhida pela Relação e a identificada com o objeto do recurso, …», faltando, por isso, um requisito de admissibilidade do recurso.

      6. O recorrente, notificado de igual forma, veio arguir (A) ‘dúvidas insuperáveis’ sobre qual seja a verdadeira fundamentação da possibilidade de rejeição a que se refere o Tribunal, e, bem assim, arguir (B) nulidade do mesmo acórdão por ausência de fundamentação, mau grado invoque a alínea a) do n.º 1 do artigo...

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