Acórdão nº 0840473 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2008

Data02 Julho 2008
ÓrgãoCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Tribunal da Relação do Porto 4ª secção (2ª secção criminal) Proc. nº 473/08-4 Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO: Nos autos de processo comum n º .../04.0GBSTS, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos: (...) Pelo exposto, decide-se condenar o arguido B.........., pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69°, n° 1, a), e 291°, nos 1, a), e 2, e, por remissão do artigo 294°, n° 3, do artigo 285°, este último com referência ao artigo 144°, b), c) e d), todos do Código Penal., na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 (um) ano, subordinada à entrega pelo arguido à APAV, no prazo da suspensão, de contribuição monetária no valor de €2.000, e na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor pelo período de 10 (dez) meses, nos termos do disposto pelo art. 69.º, nº1, al. a), do referido diploma.

(...).

Inconformado com esta decisão, dela recorre o arguido B.........., retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1 - O recorrente não se conforma com a sentença proferida nos presentes autos e entende que a mesma se acha enferma de várias nulidades e vícios. São eles os seguintes: a) a nulidade da sentença, nos termos do art. 379º, nº 1, al. b), com referência ao disposto no art. 358º; b) a nulidade da sentença, ainda, por inobservância da fundamentação devida nos termos do art. 374º, nº 2 do CPP; c) a nulidade da sentença decorrente da falta de explicitação da não valoração de alguns meios de prova; d) vícios da sentença, que decorrem do texto da própria decisão recorrida, resultantes de contradição entre factos provados e entre estes e a sua fundamentação, que consubstanciam erro de julgamento e por isso, determinantes da almejada alteração de alguns pontos da matéria de facto por via da renovação da prova, ou quando não assim, do reenvio do processo para novo julgamento - art.s 410º, nº 2 al. b) e 430º do CPP.

2 - O recorrente não se conforma igualmente com as respostas dadas pelo Tribunal a alguns dos pontos da matéria de facto, atinentes à dinâmica do acidente, os quais pretende ver alterados com recurso à gravação dos meios de prova; 3 - Com base nas aludidas gravações pretende o recorrente demonstrar serem contraditórios e inconciliáveis, quando à dinâmica do acidente, alguns dos factos dados como provados e versão credibilizada na sentença, segundo esta, resultado das declarações dos agentes de autoridade; 4 - O recorrente não se conforma também, e pretende ver alterada a redacção da matéria de facto, igualmente com recurso a depoimentos prestados em audiência de julgamento, e com recurso à prova gravada, em relação às faculdades e circunstâncias em que o arguido (aqui recorrente) então se apresentava a conduzir, vertidas nos pontos 5, 8 e 9 dos f.p. e nos artigos 3, 4 e 5 da sua contestação.

5 - Relativamente às nulidades da sentença refere-se o seguinte: • Os pontos 4° e 2° da matéria provada referem que o veículo conduzido pelo arguido embateu com a referida parte lateral direita na traseira do velocípede sem motor. O que significa que tribunal ao dar como provado que o automóvel bateu com a frente na traseira do velocípede, alterou, por isso, o que sobre tal matéria constava da acusação. De acordo com o disposto no art. 1º al. f), a contrario, tal alteração tem-se como não substancial, pelo que nos termos do disposto no art. 358°, n° 1 do CPP, porque tratando-se de matéria com relevo para a decisão da causa, deveria o tribunal oficiosamente comunicar tal alteração ao arguido e conceder-lhe a requerimento seu, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa. A alteração assim feita sem observância daquela regra inquina a sentença de nula, como decorre expressamente do art. 379°, nº 1 al. b) do CPP, nulidade que se argui para os devidos efeito.

• Na sentença em crise, entre outros, deu-se como provado que "...o arguido porque seguia sem o devido cuidado e atenção ..." - vide ponto 2 dos f.p. (pág. 2) e, " ... que se ficaram a dever à forma desatenta e inconsiderada ..." - vide ponto 5 dos f.p. Tais expressões não constituem factos mas meras conclusões a extrair de factos donde a mesma se evidencie. Acresce que, em nenhum momento da fundamentação o julgador fez apelo a regras da experiência ou da vida (regras que se impõe pela experiência comum dos homens, ou que sejam decorrência de conhecimentos científicos ou técnicos) por via das quais haja explicado o iter do seu raciocínio lógico, determinante da conclusão a que chegou, a pretexto daquele putativo facto que considerou provado. Assim, não constituindo facto em si mesmo, mas mera conclusão, não só aquela expressão deve ser considerada como não escrita - na medida em que não se trata sequer de facto - como impedido o tribunal de concluir por esse nexo causal, pois que também não decorre da sentença - em especial da motivação da decisão e do exame critico das prova (local onde deveria constar) - o facto ou os factos em que o tribunal se fundou ou ancorou que lhe permitissem extrair essa conclusão. Dito isto, não cumpre o preceituado no art. 374°, n° 2 a sentença, como a que se recorre, que não aludindo a qualquer raciocínio donde se retire que o arguido conduzia de forma descuidada e desatenta nem donde se infira que a TAS foi determinante quer a esse estado quer ao modo como eclodiu o acidente. Padece do vício da nulidade, nos termos do acima apontado art. 379° do CPP.

6 - Por padecer do vicio de contradição insanável entre factos provados e entre estes e a fundamentação, o recorrente também não se conforma com a sentença ora sob recurso e requer a V.a Exas, a sua alteração, porquanto, a sentença considera provados dois factos inconciliáveis entre si: • A respeito da localização do velocípede em relação à via, quando do momento que antecedeu o embate, a dado passo da sentença - vide ponto 2 dos f.p. escreveu-se, reportando-se ao condutor do jipe: "... invadindo com aquele a referida berma, embateu ..." , quando a respeito do mesmo assunto e referindo-se ao ofendido, na dita sentença, afirma-se o seguinte que este "... circulava, pela metade direita da faixa de rodagem relativamente ao mesmo e a curta distância daquela berma." 7 - A expressão "invadindo a berma, embateu" significa que o ciclista circulava na berma, pelo que, pelos motivos acima expostos, este não podia circular pela metade direita da faixa de rodagem como também assegura a sentença 8 - O Tribunal ao dar como provadas estas duas realidades contradiz-se nos seus termos, pondo em evidência que ele próprio não chegou a uma conclusão inequívoca por onde circulava o ciclista e o local, em concreto, onde eclodiu o acidente.

9 - A contradição destes factos constitui vicio de julgamento e consubstancia contradição insanável da fundamentação nos termos do art. 410°, nº 2 al. b) do CPP, determinante da renovação da prova ou se necessário (como a nosso ver e porque insuprível doutro modo) do reenvio - art. 430° do mesmo diploma.

10 - Da nulidade parcial da prova produzida em sede Audiência de Julgamento: • Pretendendo o recorrente usar da faculdade conferida pelo n° 3 do artigo 412° do CPP, deparou-se com a impossibilidade prática de o fazer, pelo menos relativamente a todo o depoimento testemunhal prestado por C.......... (cassete 3 Lado A, voltas 0000 a 1510).

• Na verdade, ouvida a cassete onde este depoimento se devia achar registado, entregue pelo Tribunal a requerimento do arguido, constata-se que é impossível ouvir o que disse esta testemunha, tal com é impossível perceber - por inaudível -- quais as afirmações e questões colocadas à dita testemunha pelo Mm. Juiz, M.P. e pelo mandatário do arguido.

• De acordo com os registos escritos efectuados pelo signatário no decurso da audiência de julgamento, o depoimento desta testemunha é essencial para a impugnação da matéria de facto vertida no ponto 4 dos f.p., nomeadamente quanto ao local onde veio a cair o sinistrado/ofendido, na sequência do acidente dos autos.

• Depôs igualmente acerca dos vestígios do acidente dos autos, a saber: que havia rastos de travagem no local do acidente, alguns dos quais anteriores à ocorrência deste; que o ofendido deixou uma poça de sangue no pavimento da EN, sensivelmente a meio da hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido de marcha dos intervenientes, no local onde ficou caído após o acidente; que havia partes de peças de viaturas automóveis espalhadas no local do acidente, provenientes de outros embates; que, finalmente, reside ali há cerca de 40 anos e assegura que se trata de um local onde ocorrem acidentes com muita frequência; 11 - Para o recorrente impugnar a decisão sobre este concreto ponto da matéria de facto, a saber, o local onde o corpo do ofendido ficou prostrado após o acidente, se na hemifaixa de rodagem, se na berma, era essencial ter acesso a este depoimento o que se mostra em absoluto inviável porque nada ficou registado na cassete.

12 - O depoimento gravado desta testemunha era essencial para aquilatar acerca da correcção da decisão proferida pelo Tribunal, face à prova produzida em Audiência, a este concreto ponto da matéria de facto. A falta de gravação deste depoimento testemunhal, decorrente de deficiência do sistema sonoro do Tribunal, gera a nulidade do acto com as necessárias consequências legais - a obrigatoriedade da renovação deste concreto meio de prova, o que desde já se requer.

13 - A sentença sob recurso padece igualmente do vício de erro de julgamento e, consequentemente, existe a necessidade de se proceder à modificação de alguns pontos da matéria de facto (art. 431º do CPP): 14 - Os pontos 2, 3, 4, 5, 8 e 9 da fundamentação de facto constante da sentença carecem de alteração, do mesmo modo que alguns "factos" que o Tribunal. entendeu...

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