Acórdão nº 08B1265 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução03 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA e mulher BB, CC e mulher DD, EE e mulher FF, GG e mulher HH intentaram, na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial da comarca de Braga, contra II e mulher JJ acção com processo ordinário, pedindo que os réus sejam condenados a - reconhecer o direito de servidão de passagem por destinação de anterior proprietário ou pai de família, em favor dos autores, sobre o caminho identificado na petição inicial; - restituir aos autores a posse plena sobre o mesmo caminho, segundo as dimensões, características, tempo, modo de exercício, finalidade e demais elementos identificadores, repondo as condições de dureza e compactação do solo que existiam no leito daquele caminho e permitiam o trânsito de tractores, máquinas agrícolas e veículos automóveis utilizados quer pelos autores quer pelas pessoas ao seu serviço e que até então aí se verificava, e retirando os tranqueiros e a cancela em ferro que colocaram na confrontação desse mesmo caminho com a estrada municipal e dificulta o movimento dos diferentes tipos de veículos utilizados pelos autores; - pagar aos autores uma indemnização, a apurar em execução de sentença, pelos prejuízos verificados e a verificarem-se, decorrentes das actuações assumidas pelos réus e traduzidos na inutilização do mesmo caminho, impedindo em definitivo a sua utilização pelos autores ou pessoas ao seu serviço.

Alegaram, em síntese, terem os 1.os autores adquirido, em 22.12.1983, um prédio rústico, sito em ...., Braga, de que venderam aos 2.os, em 24.08.1984, metade indivisa, e terem os 3.os autores adquirido, em 23.12.1981, um prédio urbano sito no lugar da Igreja, ...., Braga, sendo que dos dois prédios foi dono AP, que transmitiu a propriedade deles aos antecessores dos autores. Por seu turno, os réus são proprietários de um prédio rústico, sito no lugar de Ribeiro, ...., em Braga, prédio esse que foi propriedade daquele AP, anterior proprietário dos prédios dos autores. O acesso ao prédio dos 1.os e 2.os autores e aos anexos e garagem do prédio dos 3.os autores é feito através de um caminho que se encontra marcado no solo e com o qual confrontam aqueles prédios, respectivamente, a poente e norte/poente. Tal caminho confronta com o limite a nascente do prédio dos réus e foi criado há mais de 50 anos pelo aludido AP, que foi proprietário único de todos os prédios que são hoje de autores e réus, sendo então utilizado para aceder aos terrenos de cultivo e às instalações onde se encontravam as explorações de animais, mantendo-se até aos dias de hoje com as mesmas características e uso.

Sucede que o réu colocou dois tranqueiros em pedra na ligação desse caminho com a estrada municipal e depois colocou lá uma cancela, mas os autores continuaram a fazer uso do caminho para as finalidades que sempre lhe deram. Até que, no dia 28.05.2002, o réu destruiu o dito caminho, lavrando o terreno que constituía o seu leito e, assim, inviabilizou o acesso dos autores aos seus prédios, impedindo também que os 4.os autores utilizem a garagem do prédio dos 3.os autores, para o que estavam autorizados por estes.

Tal comportamento dos réus acarretou e acarreta prejuízos de vária ordem, cuja quantificação não é ainda possível efectuar-se.

Os réus contestaram, impugnando a matéria alegada na petição inicial, sustentando que o caminho ali aludido nunca existiu e que os prédios dos autores são servidos por mais de um acesso à via pública, pelo que nunca sofreram qualquer prejuízo.

Arguiram ainda a ilegitimidade dos 4.os autores, que não são titulares de direito de propriedade, e pretendem valer-se de uma autorização/comodato que não é oponível aos réus; e deduziram também a excepção de caso julgado, sustentando não só que a questão da ilegitimidade dos 4.os autores já foi decidida noutra acção, como ainda que na mesma acção se decidiu pela inexistência de sinais visíveis e permanentes que revelem a existência da alegada servidão.

Com esta fundamentação, pediram que a acção seja julgada improcedente e a condenação dos 3.os e 4.os autores, como litigantes de má-fé.

No despacho saneador foram os 4.os autores, GG e mulher HH, julgados partes ilegítimas, e julgada improcedente a arguida excepção de caso julgado.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença pela qual a Ex.ma Juíza julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Sob recurso dos autores, a Relação de Guimarães revogou a sentença recorrida, condenando os réus - a reconhecerem a existência de servidão de passagem, por destinação do pai de família, em benefício dos prédios dos recorrentes e incidente sobre a parcela de terreno (caminho) pertencente ao prédio dos recorridos e localizada na sua confrontação a poente com o prédio dos recorrentes, tal qual está identificada e descrita na acção; - a restituírem aos recorrentes a posse plena sobre o mesmo caminho, segundo as dimensões, características, tempo, modo de exercício, finalidade e demais elementos constantes dos autos, de forma a permitir aí o trânsito de pessoas, animais, tractores, máquinas agrícolas e automóveis, como até à propositura da acção aí se verificava.

São agora os réus que não se conformam com o assim decidido, trazendo a este Supremo Tribunal recurso de revista.

Antes, porém, ainda formularam um pedido de "aclaração ou esclarecimento da obscuridade" que imputaram ao acórdão da Relação, que esta desatendeu, condenando os recorrentes nas custas respectivas, fixando em 3 UC a taxa de justiça.

Os ora recorrentes finalizam a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões: 1ª - Os autores não demonstraram, nem sequer alegaram, que a parcela de terreno onde se acha implantado o alegado caminho de servidão é parte integrante do prédio dos réus, nem tal resulta da factualidade apurada ou dos documentos juntos aos autos; 2ª - Ademais, como se refere no Ac. do STJ de 19.07.1979, não é necessário, para excluir a servidão, que as partes se refiram expressamente à relação de serventia; a declaração de que um prédio é vendido livre de quaisquer ónus ou encargos basta para impedir que sobre ele se constitua determinada servidão; 3ª - Ora, aquando da venda, aos anteriores proprietários, do prédio hoje dos recorrentes, apenas ficou a constar, como encargo, a existência, no ângulo nordeste do prédio, de "uma cabine com moto-bomba, para extracção de água de mina ali localizada, água, construção e equipamento que são de consortes, pertencentes ao prédio vendido apenas três dias de água por semana, durante todo o ano e na cabine e equipamento elevatório a parte correspondente ao direito à água" - o que afasta a existência de qualquer outra servidão a onerar o prédio; 4ª - Sendo um dos requisitos para a constituição da servidão por destinação do pai de família que, ao tempo da separação, outra coisa se não haja declarado no respectivo documento, verifica-se que na escritura de compra, feita pelo anterior proprietário, do prédio hoje dos réus, tal como na subsequente escritura de compra por parte dos réus, foi consignado que o prédio era vendido livre de encargos ou responsabilidades, mencionando-se também o ónus ou encargo aludido na conclusão anterior; 5ª - Dado que a servidão assenta num facto voluntário, resulta do que antecede que o único encargo que o anterior proprietário dos prédios que se separaram quis que ficasse a onerar o prédio vendido, e hoje dos réus, foi a existência da cabine e o encargo do direito à água: o vendedor quis avisar o comprador de que o prédio que lhe vendia tinha aquele ónus ou encargo, não fazendo sentido avisá-lo de um encargo tão simples e à vista e não o fazer relativamente a um encargo tão pesado como uma servidão como a pretendida; 6ª - Relativamente ao prédio dos 3.os autores nada foi alegado nem provado quanto ao momento da alegada constituição de servidão por destinação do pai de família, apenas tendo ficado provado que estes autores "só muito recentemente e sem autorização camarária alteraram a parte inferior do seu prédio, por forma a nele construir uma habitação"; 7ª - A condenação dos réus/recorrentes no pagamento de 3 UC só porque pediram a aclaração/esclarecimento do acórdão recorrido, da Relação de Guimarães, é ilegal e injusta, não se justificando minimamente, até por ser evidente a razão dos recorrentes; 8ª - O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 1543º, 1546º, 1547º e 1549º, todos do CC, e os arts. 653º, 655º, 659º, 660º, 666º, 667º, 668º e 670º, todos do CPC.

Os autores apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

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