Acórdão nº 395/12 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Agosto de 2012

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução22 de Agosto de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 395/2012

Processo n.º 569/12

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

Relatório

O Representante da República para a Região Autónoma da Madeira requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos dos n.ºs 2 e 3, do artigo 278.º, da Constituição da República Portuguesa (Constituição), e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a apreciação da conformidade com a Constituição das normas constantes dos artigos 1.º e 2.º do Decreto que “assegura a devolução proporcional dos descontos realizados pelos trabalhadores da ANAM para um fundo social criado em 1993”, aprovado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em sessão plenária de 17 de julho.

O pedido de fiscalização de constitucionalidade apresenta a seguinte fundamentação:

[…]

I – Enquadramento normativo

1.º

O decreto remetido para assinatura e publicação como decreto legislativo regional visa, de harmonia com o seu artigo 1.º, devolver verbas depositadas num Fundo Social a trabalhadores da ANAM – Aeroportos e Navegação Aérea da Madeira, S.A., determinando, de acordo com o artigo 2.º, o prazo para entrega dos respetivos valores.

2.º

O artigo 1.º do decreto que se submete à sindicância do Tribunal Constitucional dispõe o seguinte:

“Artigo 1.

Objeto

O presente Decreto Legislativo Regional visa atribuir e devolver, de forma definitiva, as verbas depositadas no Fundo Social criado em 1993 por Despacho Conjunto da Secretaria Regional de Economia e Cooperação Externa e Secretaria dos Assuntos Sociais, aos trabalhadores que efetuaram os respetivos descontos, ou em caso de falecimento dos respetivos titulares a entrega deverá ser feita aos respetivos herdeiros legais.”

3.º

Por seu turno, o artigo 2.º do decreto em apreciação determina o seguinte:

“Artigo 2.º

Prazo

Para efeitos do artigo 1.º, a ANAM, no prazo máximo de 60 dias a contar da data de publicação deste diploma, procederá à respetiva entrega dos valores depositados.”

4.º

Por último, o artigo 3.º do diploma dispõe que a entrada em vigor ocorre no dia seguinte ao da sua publicação.

5.º

De acordo com o preâmbulo do diploma sob escrutínio, a criação de um Fundo Social na então Direção Regional de Aeroportos encontrava-se prevista na cláusula 140.º do Acordo de Trabalho, aprovada pela Resolução do Conselho de Governo n.º 651/91, de 20 de fevereiro.

6.º

Através de Despacho Conjunto da Secretaria Regional de Economia e Cooperação Externa e da Secretaria dos Assuntos Sociais de 31 de maio de 1993, o referido Fundo foi criado através de normas essenciais, concedendo um prazo de seis meses para a criação do respetivo regulamento.

7.º

Acrescenta o mesmo preâmbulo que, mais tarde, a 15 de março de 1994, o citado Despacho foi revogado, transferindo, todavia, para a ANAM – Aeroportos e Navegação Aérea da Madeira, as negociações constantes da cláusula 140.º do Acordo de Trabalho.

8.º

Por último registe-se, ainda de harmonia com o preâmbulo que vimos acompanhando, que, “segundo um parecer da Secretaria Regional do Plano e Finanças, que teve a concordância da Secretaria Regional da Cultura, Turismo e Transportes, e que é do conhecimento da ANAM, S.A., “(…) a ANAM, S.A., na qualidade de entidade patronal e cocontratante do Acordo de Trabalho relativo a esses trabalhadores, detém legitimidade bastante para deliberar e acordar com esses trabalhadores, no sentido da satisfação e pagamento desses seus créditos. (…) A atribuição, distribuição ou restituição dos montantes em depósito que integram o dito Fundo Social, por constituírem, de facto, créditos dos trabalhadores quotizados, já que são parte integrante da sua remuneração, decorre, diretamente da Lei (artigo 337.º do Código do Trabalho) e, como tal, não depende de quaisquer instruções ou deliberações do governo regional, seja enquanto entidade que tutela o setor ou concedente.”

9.º

Está em causa, no diploma em apreciação, um Fundo Social criado para os trabalhadores da ANAM não oriundos da função pública para o qual descontaram, no período que mediou entre 1991 e 1994, tendo por base 2% dos salários auferidos.

10.º

O Fundo Social a que se refere o diploma em apreço foi criado por despacho conjunto das Secretarias Regionais da Economia e Cooperação Externa e Assuntos Sociais de 31 de maio de 1993, publicado na II Série do Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, de 11 de junho de 1993, na esteira do previsto na cláusula 140.º do Acordo de Trabalho da ANAM.

11.º

O mesmo Fundo Social dispunha de uma dotação inicial no valor de 40.651.630$00, atribuída por ocasião do início do contrato de concessão de exploração dos Aeroportos da Madeira, iniciado em 9 de julho de 1993.

12.º

O Fundo Social destinava-se à atribuição futura de benefícios sociais em matéria complementar de pensões de reforma por velhice e invalidez aos trabalhadores dos aeroportos da Região Autónoma, não oriundos da função pública.

13.º

Todavia, o Fundo não chegou a ser executado e posto em prática, uma vez que, para além de outros requisitos e formalidades, carecia igualmente de regulamentação que nunca chegou a ser aprovada.

14.º

Pelo que o referido Fundo foi revogado, com efeitos à data da sua criação, por despacho conjunto das Secretarias Regionais da Economia e da Cooperação Externa, de 15 de março de 1994.

15.º

De acordo com o despacho anteriormente referido, de 15 de março de 1994, pretendia-se que “a extinção do fundo não prejudique os direitos adquiridos pelos trabalhadores abrangidos, podendo os seus representantes retomar junto da ANAM as negociações que originaram a cláusula 140.ª do Acordo de Trabalho.”

16.º

Entre janeiro e fevereiro de 1994 foram efetuados acertos e transferências no montante de 570.556$00, equivalente em moeda atual a 2.845,92 Euros, que viria a acrescer à dotação inicial do Fundo.

17.º

Em 15 de abril de 1994, o conjunto das supras indicadas verbas, perfazendo o total de 41.222.186$00, equivalente em moeda atual a 205.615,40 Euros, foi depositado em conta autónoma aberta no BANIF- Banco Internacional do Funchal.

18.º

Desde então, e de acordo com informação obtida, permanece a indicada verba em conta autónoma, vindo esta a manter-se à guarda da ANAM, sem que todavia e até hoje, se tenha logrado obter o destino a dar à mesma.

19.º

Recentemente, em 6 de julho de 2012, a ANAM propôs uma ação declarativa de condenação sob forma de processo ordinário contra incertos tendo em vista apurar o destino a dar ao Fundo (cfr. documento n.º 2 que se junta em anexo).

II – Da violação dos direitos dos trabalhadores

20.º

O diploma sob escrutínio determina que a ANAM, no prazo máximo de 60 dias a contar da data de publicação do diploma, proceda à respetiva entrega dos valores depositados aos trabalhadores que efetuaram os respetivos descontos, ou em caso de falecimento dos respetivos titulares a entrega deverá ser feita aos respetivos herdeiros legais.

21.º

O diploma impõe assim uma injunção a uma empresa, na qualidade de fiel depositária de um Fundo Social de Trabalhadores – a entrega em 60 dias dos valores depositados -, não especificando de que forma ou sequer a quem especificamente devem ser entregues os valores em causa.

22.º

Interferindo, desta forma, em relações jurídicas privadas subjacentes a um Acordo de Trabalho celebrado entre uma empresa (a qual, ainda que formalmente pública, é uma pessoa coletiva de direito privado – cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto Legislativo Regional n.º 13/2010/M, de 5 de agosto) e alguns trabalhadores dessa empresa (não-oriundos da função pública).

Com efeito,

23.º

A criação do Fundo Social encontra-se prevista na Cláusula 140.ª do Acordo de Trabalho, aprovado por Resolução do Conselho do Governo n.º 651/91, de 20 de Fevereiro, que se aplica a todos os trabalhadores que prestam serviço nos Aeroportos da Região Autónoma da Madeira abrangidos pelo regime de contrato individual de trabalho, com exclusão dos que prestam serviço no setor da navegação aérea.

24.º

O próprio diploma assinala, no preâmbulo, que está em causa uma relação jurídico-privada quando, citando um despacho, refere que “(…) A atribuição, distribuição ou restituição dos montantes em depósito que integram o dito Fundo Social, por constituírem, de facto, créditos dos trabalhadores quotizados, já que são parte integrante da sua remuneração, decorre, diretamente da Lei (artigo 337.º do Código do Trabalho) e, como tal, não depende de quaisquer instruções ou deliberações do governo regional, seja enquanto entidade que tutela o setor ou concedente.”

25.º

De acordo com o projeto de diploma em apreço que nada refere a este propósito, a Comissão de Trabalhadores da ANAM não foi ouvida, o que viola o direito constitucionalmente protegido de participação na elaboração da legislação do trabalho (cfr. artigo 54.º, n.º 5, alínea d) da CRP) ou quando ocorra alteração das condições de trabalho (cfr. artigo 54.º, n.º 5, alínea c) in fine da CRP).

26.º

Estando em causa matéria relacionada com o direito dos trabalhadores, devia ter sido ouvida, nos termos constitucionais, a respetiva Comissão de Trabalhadores.

27.º

O mesmo se diga relativamente às associações sindicais.

28.º

Com efeito, estando em causa a cláusula 140.º do Acordo de Trabalho, competia às associações sindicais exercer o direito de contratação coletiva – e não à Assembleia Legislativa – como decorre do artigo 56.º, n.º 3 da CRP.

Por outro lado,

29.º

As associações sindicais não foram auscultadas no âmbito da preparação do diploma em apreço, encontrando-se, por conseguinte, posto em crise o disposto no artigo 56.º, n.º 2, alíneas a), b) e e), in fine da Constituição.

III - Da violação do princípio da reserva de administração e do princípio da separação de poderes

30.º

A ANAM é uma sociedade anónima detida exclusivamente por capitais públicos sendo juridicamente qualificada como uma empresa pública...

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