Acórdão nº 326/08 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 326/2008

Processo nº 503/2007

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. O representante do Ministério Público junto dos Juízos de Execução do Porto interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão proferida em 7 de Março de 2007 pela 3.ª Secção do 1.º Juízo de Execução do Porto, que “decidiu recusar a aplicação das normas constantes do Anexo da Lei n.º 34/2004 e da Portaria n.º 1085-A/2004, publicada no D.R. I-B de 31 de Agosto de 2004, por serem inconstitucionais e violarem o disposto no art.º 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na parte em que impõem que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento”. Pode ler-se na fundamentação da decisão recorrida:

    Estabelece o artigo 204°, da CRP que nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os seus princípios, o que implica que a questão relativa à inconstitucionalidade é do conhecimento oficioso.

    Conforme referem os Srs. Prof. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (in C.R.P. Anotada, pág. 796 e 797), quanto ao artigo 282° da CRP; “Este preceito significa que a função jurisdicional integra também a fiscalização da constitucionalidade e que os tribunais – todos e cada um deles – têm o poder e o dever de confrontar com a lei fundamental as normas infraconstitucionais que sejam chamados a aplicar, tendo de recusar-se a aplicá-las se elas não forem compatíveis com ela (...). Desde que considere que uma norma é inconstitucional, o tribunal não pode aplicá-la em nenhuma circunstância – recusa de aplicação da norma inconstitucional –, salvo se em recurso o juízo de inconstitucionalidade vier a ser revogado. Tal é o teor expresso deste preceito (“não podem os tribunais aplicar”). Desaplicada a norma por motivo de inconstitucionalidade, o tribunal deve aplicar a norma que teria de aplicar na ausência da norma julgada inconstitucional – que tanto pode ser a norma que anteriormente regulava a matéria, uma norma subsidiariamente aplicável ao caso ou directamente uma norma constitucional –, podendo porém dar-se o caso de não subsistir qualquer norma uma vez afastada a norma julgada inconstitucional, devendo então a causa ser julgada em conformidade.

    A questão a decidir prende-se com a questão de saber se o executado tem ou não direito ao apoio que peticionou, dado que o mesmo aufere em 2006 uma pensão de 343,45 Euros e a esposa aufere 223,24 Euros, de pensão, sendo que tais valores são inferiores ao salário mínimo nacional quer em 2006 quer em 2007.

    Cumpre referir que realizando os cálculos de acordo com o simulador que existe no site da CRSS, dado ter-se em conta o agregado familiar, se obtém a decisão dada pela CRSS, ou seja, de acordo com a fórmula de cálculo prevista na lei actual do apoio Judiciário, o requerente apenas teria direito ao pagamento faseado tal como foi decidido.

    Como é sabido a nova Lei do Apoio Judiciário decidiu para se apreciar a insuficiência económica estabelecer uma fórmula de cálculo rígida, que permite determinar de forma matemática se uma dada família ou um agregado familiar tem direito à protecção jurídica. Tal fórmula consta dos artigos 6°, 7º, 8° e 9° da Portaria n° 1085/2004 de 31/8 que concretiza o que se deve entender por rendimento relevante e explicita a fórmula de calcular esse rendimento.

    Portanto a Lei 34/2004 veio implementar uma reforma profunda no que respeita à concretização do que é a insuficiência económica para efeitos de apoio judiciário, atento o artigo 8°. O n° 5 desse artigo estabelece que a prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas de acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à presente lei.

    Sobre tal matéria foi já proferido douto Acórdão do Tribunal Constitucional n° 654/2006, publicado no D.R. II Série, de 19/1/2007, que decidiu: «Julga inconstitucional por violação do n°1 do artigo 20° da constituição da República Portuguesa, o anexo à Lei 34/2004 de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6° a 10° da Portaria n°1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio Judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção usufruir de tal rendimento.».

    Refere o citado Acórdão, que vamos seguir de perto, que o n° 5 do artigo 8° da lei em análise delimita o direito ao acesso ao direito e aos tribunais, por critérios de apreciação tabelados e fixados, por recurso a uma fórmula matemática. Nesta altura, e ao contrário da anterior lei do apoio judiciário, deixou de se atender ao caso concreto e passou a ter-se uma norma fechada e a pondera-se critérios estritos económico-financeiros.

    Entende o citado Tribunal que o uso de uma fórmula matemática para se apreciar a situação de insuficiência económica nos termos dos artigos 6° a 10º da citada Portaria, traduz-se numa delimitação do direito de aceder aos tribunais.

    Mas a aplicação desta fórmula no caso conduz a um resultado que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais porque implica uma restrição desse direito e numa violação do princípio da igualdade (é que o requerente recebe um valor inferior ao salário mínimo mesmo a considerar-se a pensão de 2006).

    Neste caso resulta que só se tivesse em conta o rendimento do requerente que o mesmo teria de acordo com a fórmula, direito ao apoio total, mas como se integra o valor da pensão da esposa, dado ser do mesmo agregado familiar, recusou-se o apoio e apenas se concedeu na modalidade do pagamento faseado. Por outras palavras fazendo-se as contas ao valor 44648,85 no simulador da CRSS (o valor da pensão vezes 13 meses) o requerente teria direito ao apoio judiciário, mas tendo-se em conta o valor da pensão da esposa tal conduz a conceder o pagamento faseado.

    Entende-se no citado Acórdão que tal se traduz numa violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade.

    Assim, entende-se que o único rendimento a ter em conta é o do requerente – 343,45 Euros – e tal rendimento é inferior ao salário mínimo o qual é estabelecido como o mínimo da dignidade humana.

    Portanto, entende o tribunal não aplicar a norma acima mencionada por se entender que se viola o artigo 20°, n°1 da CRP que estabelece que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus interesses e direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência económica.

    Actualmente a apreciação em concreto da insuficiência económica do requerente passou a ter lugar a título excepcional (artigo 20°, n° 2 da Lei e 2° da Portaria), ao contrário do que ocorria na lei anterior. A fórmula considera todos os rendimentos do agregado familiar do interessado, isto é, todas as pessoas que vivam em economia comum com o requente, sendo que tal valoração é feita de maneira rígida e tabelar através de uma «fórmula matemática» (artigos 6° a 10º da Portaria citada).

    A aplicação do anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, dado que o valor do rendimento relevante é determinado pelo do agregado familiar independentemente de o requerente fruir ou não desse rendimento do terceiro que integra a economia comum (mas tal poderá não ser assim, poderão existir conflitos). Tal como se refere no citado Acórdão o dever de alimentos não compreende as despesas relativas à taxa de justiça, e como tal não se pode dar como assente que o requerente dispõe do valor da pensão da esposa (cfr. Lei n° 6/200 1, de 11/5).

    Portanto, o tribunal entende que as normas do Anexo da Lei 34/2004 e da Portaria n° 1085-A/2004 de 31/8, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar independentemente de o requerente fruir esse rendimento, não garantem o acesso aos tribunais e violam o artigo 20°, n°1 da CRP, sendo inconstitucionais.

    Por outras palavras, e atento aos ensinamentos do Acórdão do Tribunal Constitucional n° 654/2006, publicado no D.R. II Série, de 19/1/2007, adere-se a este entendimento, e nesta medida e sequência, julga-se inconstitucional, as normas referidas quanto à fixação da insuficiência económica para efeitos de apoio judiciário.

    O recurso de constitucionalidade foi admitido por despacho proferido em 23 de Março de 2007.

    Determinada a produção de alegações, o representante do Ministério Público em funções neste Tribunal concluiu assim as suas:

    1. Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito fundamental de acesso à justiça, sem discriminações fundadas na situação económica, a tabelar ponderação do rendimento global, auferido por todas as pessoas que vivem em economia comum com o requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo cônjuge, independentemente da natureza da demanda para que é peticionado o apoio judiciário e da sua possível e exclusiva conexão com interesses pessoais do requerente.

    2. É inconstitucional, por violação do n° 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o Anexo à Lei n° 34/04, conjugado com os artigos 6° a 10º da Portaria n° 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio de apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.

    3. Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida.

    O recorrido não contra-alegou.

    ...

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