Acórdão nº 275/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução13 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 275/2008

Processo n.º 115/08

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

1. Relatório

Por sentença do juiz do 1º Juízo Criminal da Comarca do Porto (a fls. 898 e seguintes), decidiu-se condenar A. como autor material de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de 50 euros, e, bem assim, suspender a execução da pena de multa pelo período de 3 anos, condicionada ao pagamento à Segurança Social do montante ainda em dívida e respectivos acréscimos legais, num prazo de 2 anos.

O Ministério Público recorreu desta sentença para o Tribunal da Relação do Porto (a fls. 918), sustentando, na motivação respectiva (a fls. 919 e seguintes), que ao determinar a suspensão da pena de multa o juiz a quo violara o artigo 11º do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, bem como o artigo 50º, n.º 1, do Código Penal.

Posteriormente, e por requerimento de fls. 943 e seguintes, veio A. requerer, junto do Tribunal da Relação do Porto, que se declarasse extinto o procedimento criminal, atendendo a que a redacção do n.º 4 do artigo 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) havia sido alterada, tendo o tipo legal do crime de abuso de confiança contra a Segurança Social passado a incluir, como novo elemento, o não pagamento das contribuições comunicadas através das competentes declarações, juros respectivos e valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

O Ministério Público emitiu o parecer de fls. 950 e seguintes, no qual sustentou nomeadamente que a alteração legislativa a que o arguido fizera referência no precedente requerimento introduziu mais uma condição objectiva de procedibilidade ou punibilidade, por isso se devendo suspender o recurso que havia interposto (fls. 918 e seguintes) e ordenar a notificação do arguido para o efeito do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 105º do RGIT, aguardando-se, no decurso do prazo estipulado, que o arguido eventualmente satisfizesse a nova condição de punibilidade ali cominada.

Foi, então, proferido pelo relator o despacho de fls. 954, ordenando a notificação dos arguidos para, em 30 dias, procederem ao pagamento previsto no artigo 105º, n.º 4, alínea b), do RGIT.

  1. arguiu, a fls. 963 e seguinte, a nulidade ou irregularidade deste despacho, por falta de fundamentação.

A arguição de nulidade foi julgada improcedente, por despacho de fls. 967.

Notificado para o efeito, A. respondeu ao mencionado parecer do Ministério Público (o de fls. 950 e seguintes), para o que agora releva nos seguintes termos (fls. 973 e seguintes):

“[…]

19.É, pois, inconstitucional, por violação do princípio constitucional da não retroactividade da penalização (art. 29.°, n.° 1, da CRP), a norma, que se extraia da interpretação conjugada da anterior e da actual versão dos n.ºs 1 e 4 do art. 105º e dos n.ºs 1 e 2 do art. 107.° do RGIT e do n.° 4 do artigo 2.° do Código Penal, segundo a qual não foi descriminalizada (continuando a constituir crime) a não entrega das contribuições devidas à Segurança Social por sujeito passivo que cumpriu as suas obrigações declarativas e que (ainda) não foi notificado nos termos do disposto na alínea b) do n.° 4 do referido artigo 105º do RGIT.

20. Do mesmo modo, é inconstitucional, por violação do princípio constitucional da não retroactividade da penalização (art. 29.°, n.° 1, da CRP), a norma, que se extraia da interpretação da anterior e da actual versão dos n.ºs 1 e 4 do art. 105.° do RGIT, conjugada com as normas do artigo 107.° do mesmo RGIT, segundo a qual é criminalmente punível, constituindo crime, a não entrega das contribuições devidas à Segurança Social por sujeito tributário passivo que cumpriu a obrigação de declaração constante da alínea b) do mencionado n.° 4 mas não foi notificado para proceder ao pagamento previsto nesta alínea.

[…]

27. […] mesmo que o novo pressuposto consagrado na alínea b) do n.° 4 do artigo 105.º do RGIT seja julgado uma condição objectiva de punibilidade, dos princípios constitucionais do acusatório e da plenitude das garantias de defesa dos arguidos decorre que o tribunal do julgamento ou de recurso não pode agir nem como uma entidade que acuse nem como — o que seria ainda mais grave — uma entidade que crie as condições para que venha a ocorrer (no plano da realidade da vida), um facto sem o qual o Arguido não poderia ser criminalmente punido.

[…]

34.Face ao que antecede, tendo em conta os mais elementares princípios enformadores do processo penal e, em bom rigor, do Estado de Direito, afigura-se intolerável que seja o tribunal de recurso (ou o do julgamento) a providenciar pela notificação a que alude a alínea b) do n.° 4 do artigo 105.° do RGIT, uma vez que assim está claramente a agir como órgão acusador ou, mesmo, pré-acusador.

35. O que também configuraria claramente uma violação dos princípios da separação de poderes (art. 2.° da CRP), da independência dos tribunais {art. 203.° da CRP) e da titularidade do exercício da acção penal pelo Ministério Público (art. 219°. n.° 1, da CRP e 48.° do CPP).

36.A única solução consentânea com os referidos princípios constitucionais é a do arquivamento dos autos ou a da absolvição do arguidos, sem prejuízo de eventual reabertura por impulso do Ministério Público ou do Instituto do Segurança Social caso este venha a decidir realizar a referida notificação e o Arguido não proceda aos pagamentos legalmente previstos.

37. É, assim, inconstitucional designadamente por violação dos princípios do acusatório (art. 32°, n.° 5, do CRP), da plenitude das garantias de defesa dos arguidos (art.32º n.° 1, da CRP), da separação de poderes (art. 2.° da CRP) e da independência dos tribunais (art. 203º da CRP) a norma que se retire da interpretação conjugada da anterior e da actual versão dos artigos 105°, n.° 1 e 4, e 107°, n.ºs 1 e 2, do RGIT, segundo a qual, nos casos em que o sujeito tributário passivo acusado, pronunciado ou condenado (sem trânsito em julgado) pela prática do crime da abuso de confiança contra a Segurança Social deu cumprimento às suas obrigações declarativas e não foi notificado para pagar a contribuição para a Segurança Social acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável (disso não tendo sido sequer acusado ou pronunciado), compete ao tribunal de recurso providenciar pela realização de tal notificação.

38 É, igualmente, inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do acusatório (art. 32°, n.° 5, da CRP), da plenitude das garantias de defesa dos arguidos (art.32.°, n.º 1, da CRP), da separação de poderes (art. 2.° da CRP) e da independência dos tribunais (art. 203.° da CRP) a norma que se retire da interpretação conjugada da anterior e da actual versão do artigo 105°, n.° 1 e 4, e do artigo 101°, n.ºs 1 e 2, do RGIT e do artigo 2°, n.° 4, do Código Penal, segundo a qual, nos casos em que o sujeito tributário passivo acusado, pronunciado ou condenado (sem trânsito em julgado) pela prática do crime da abuso de confiança contra a Segurança Social deu cumprimento às suas obrigações declarativas e não foi notificado para pagar as contribuições para a Segurança Social, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável (disso não tendo sido sequer acusado ou pronunciado), o processo não deve ser arquivado ou o arguido absolvido.

[…].”

A fls. 986 e seguintes, veio ainda A. requerer, ao abrigo do disposto no artigo 700º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que sobre a matéria do já referido despacho de fls. 954 recaísse acórdão, suscitando as inconstitucionalidades que já havia invocado na transcrita resposta ao parecer do Ministério Público.

Por despacho do relator (a fls. 1000) foi determinado que a decisão da reclamação seria tomada aquando da decisão do recurso. Foi ainda determinada a notificação deste despacho ao reclamante.

Por acórdão de fls. 1012 e seguintes, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a reclamação do arguido e procedente o recurso do Ministério Público, revogando, em consequência, a sentença, na parte em que decidiu no...

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