Acórdão nº 273/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Maria Lúcia Amaral
Data da Resolução13 de Maio de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 273/2008

Processo nº 471/2007

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A representante do Ministério Público junto do Tribunal de Comarca de Gondomar interpôs, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (Lei Tribunal Constitucional), recurso para este Tribunal da decisão proferida em 21 de Março de 2007 por aquele Tribunal, que recusou, com fundamento em inconstitucionalidade material, a aplicação do conjunto normativo constante do “Anexo à Lei n.º 34/04, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõem que seja considerado para efeitos do cálculo do rendimento relevante do requerente do benefício do apoio judiciário, casado, desempregado e sem que beneficie de qualquer subsídio ou pensão, o rendimento da sua mulher e da sua filha maior (ou pelo menos o desta), por violação do direito de acesso ao Direito e aos tribunais consagrado no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa”. Pode ler-se na respectiva “Fundamentação de Direito”:

    Nos termos do art. 20°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa – que está integrado na parte relativa aos princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais – a todos é assegurado o acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

    Em termos de lei ordinária, o apoio judiciário é hoje regulado pela Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, onde se dispõe, no seu art. 1°, que o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.

    Acrescenta depois o art. 7°, n.° 1 do referido diploma legal que têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com titulo de residência válido num Estado membro da União europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica.

    A Lei n.° 34/2004 implementou uma remodelação no que respeita à delimitação/concretização da insuficiência económica como pressuposto da concessão do benefício do apoio judiciário, remodelação que começa com o n.° 1 do art. 8°, onde se dispõe que se encontra em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta factores de natureza económica e a respectiva capacidade contributiva, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo. E nos termos do n.° 5 do mesmo preceito, a prova e a apreciação da insuficiência económica devem ser feitas dc acordo com os critérios estabelecidos e publicados em anexo à referida lei.

    Conforme tem vindo a ser entendido quer pela Doutrina, quer mesmo pela Jurisprudência, a referida regulamentação em anexo não se consubstancia em delimitação do direito fundamental consagrado no art. 20°, n.° 1 da CRP.

    Como parece resultar claro do citado n.° 5 do art. 8°, e como resultará claro da simples leitura dos preceitos que a seguir serão citados, outra coisa não se faz que não seja delimitar o direito de acesso ao Direito e aos tribunais, pois tal acesso depende de uma situação de insuficiência económica, cujos critérios de apreciação são fixados/tabelados, inclusive por recurso a uma fórmula matemática.

    Repare-se ainda que a norma que constituía o art. 7°, n.° 1 da Lei n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e que era preenchida em face do caso concreto, passou a ser uma norma preenchida legislativamente. O que era antes uma norma aberta à ponderação do caso concreto passou a ser uma norma fechada, ponderando estritos aspectos económico-financeiros, como resulta claro da adopção de uma fórmula matemática. Sendo pressuposto da concessão do benefício do apoio judiciário uma situação de insuficiência económica, ao tabelarem-se os critérios de apreciação dessa situação, inclusive com recurso a uma fórmula matemática como resulta dos artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de Agosto, é manifesto que se procedeu a uma delimitação do direito de acesso ao Direito e aos tribunais. Tal delimitação não foi feita na norma que consagra o direito; foi feita ao nível da sua concretização.

    O Instituto da Segurança Social indeferiu o pedido de apoio judiciário ao requerente porque considerou que o seu agregado familiar tinha um rendimento relevante que lhe dava direito ao benefício do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado.

    Sendo um dado assente, atenta a matéria de facto supra descrita, que o requerente vive em “economia comum” com a sua mulher e os dois filhos do casal, sempre a questão a decidir terá de se colocar ao nível da aplicação do Anexo à Lei n.° 34/2004, que remete a apreciação da insuficiência económica para o rendimento relevante do agregado familiar e da fórmula matemática previstas nos artigos 6° a 10° da Portaria n.° 1085-A/04.

    E a aplicação destes critérios conduzem, no caso concreto, a um resultado que não se mostra conforme o direito fundamental de acesso ao Direito e aos tribunais, quer por que implica uma restrição intolerável de tal direito – violação do princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins tidos em vista – quer por que se traduz numa violação do principio da igualdade – que obriga à diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades, o que pressupõe a eliminação, pelos poderes públicos, de desigualdades fácticas de natureza social, económica ou cultural (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 3ª edição, pág. 127).

    Com efeito, o rendimento relevante assenta todo ele no rendimento obtido pela mulher e filha do requerente, que se encontra desempregado e não aufere qualquer pensão ou subsídio.

    Parece, por conseguinte, claro que se recusou o benefício do apoio judiciário ao requerente não com base na sua insuficiência económica, mas na suficiência económica de terceiros que com ele vivem em economia comum e que não tem qualquer tipo de obrigação de suportar as despesas inerentes à demanda em que aquele se encontra envolvido, o que constitui uma clara distorção ao art. 20º, n.° 1 da CRP nas vertentes já referidas: violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.

    Não auferindo o requerente, comprovadamente, qualquer rendimento, e considerando a alínea a) do Anexo que dispõe que o requerente cujo rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica seja igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional, não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, impõe-se conceder provimento ao recurso e em consequência conceder ao requerente o benefício do apoio judiciário na modalidade peticionada: dispensa total de taxa de justiça e demais encargos com processo.

    Em sentido em tudo idêntico ao agora perfilhado decidiu o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 654/06, de 28 de Novembro de 2006, proferido no âmbito do processo n.° 840/05 – 1ª Secção (Relatora Conselheira Maria João Antunes), para cujas considerações se remete.

    Mas ainda que se entendesse que o rendimento auferido pela mulher do requerente deveria (ou deverá) ser tido em consideração na questão em apreço, por se tratar de um bem integrado na comunhão conjugal (cfr. art. 1724°, alínea a) do Código Civil), sempre a conclusão seria em tudo idêntica à anteriormente referida.

    Com efeito, atendendo a prova documental junta aos autos constata-se que o rendimento líquido (e não o ilíquido como se fez na decisão impugnada) auferido pelo casal e que serviu de base à decisão impugnada se cifrou cm €5.455,50 (e não se refere aqui as contribuições para a segurança social, uma vez que estas também não foram tidas em consideração na decisão impugnada).

    Sendo o produto do trabalho bem comum (ou integrado na comunhão, por força da disposição legal supra referida), sempre se teria de concluir que daquele rendimento o requerente teria direito a metade, ou seja, €2.727,75. E, por conseguinte, seria este montante a ter em consideração para cálculo do valor do rendimento para efeitos de protecção jurídica.

    Ora, se a este rendimento aplicássemos os coeficientes referidos na Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de Agosto, facilmente concluiríamos que o...

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