Acórdão nº 243/08 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução22 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 243/2008 Processo n.º 144/08 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 3 de Março de 2008, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não tomar conhecimento do recurso.

1.1. A decisão sumária reclamada tem a seguinte fundamentação:

“1. Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 2 de Maio de 2006, foi concedido provimento ao recurso jurisdicional deduzido pela recorrente B. contra a sentença de 8 de Abril de 2005 do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, que negara provimento ao recurso contencioso de anulação por ela deduzido contra a deliberação do Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED), de 27 de Setembro de 2002, que homologara a lista de classificação final dos concorrentes admitidos ao «Concurso público para instalação de uma farmácia no lugar e freguesia de Nespereira, concelho de Guimarães, distrito de Braga», cujo aviso fora publicado com o n.º 7968-B/2001 (2.ª Série), no Diário da República, II Série, 1.º Suplemento ao n.º 137, de 15 de Junho de 2001, e, consequentemente, foi também concedido provimento ao referido recurso contencioso. Na base dessa decisão esteve essencialmente o entendimento de que, nos termos da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, só os farmacêuticos podem ser proprietários de farmácia, mas nenhum deles pode ser dono de mais do que uma, pelo que deve ser rejeitado, por violação do princípio da hierarquia das fontes normativas, o artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, interpretado no sentido de que os proprietários de farmácia há mais de 10 anos não estavam impedidos de ser opositores a concursos para instalação de novas farmácias (interpretação esta em que se alicerçara a revogada sentença da 1.ª instância).

Notificada do aludido acórdão, a recorrida particular A. (que fora graduada em 1.º lugar no aludido concurso, e que era proprietária de uma farmácia desde 1989), apresentou requerimento de rectificação de erros materiais e de aclaração, no âmbito do qual, após sustentar que a única interpretação correcta da norma da Base II, n.º 3, da Lei n.º 2125 («A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais de um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais de uma sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia») é a de que «ninguém (farmacêutico e/ou sociedade poderá ser titular, ao mesmo tempo, de mais do que um alvará de farmácia» [sustentando depois que «ter um alvará de farmácia é uma coisa (…); adquirir a possibilidade, por via de concurso, de instalar, abrir e adquirir uma outra farmácia é outra completamente diferente»], aduziu:

«37 – Importará, por isso, clarificar e reconhecer que a norma do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125 só pode ser susceptível daquela leitura e não de outra, com as legais consequências, e sob pena de, com o alcance e a leitura que dela o acórdão pretende retirar, a mesma deve ser considerada ilegal (por violação do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil) e até inconstitucional, por violação e desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no n.º 5 do artigo 20.º, com o princípio da igualdade previsto no n.º 1 do artigo 13.º e com o disposto no n.º 5 do artigo 112.º, todos da Constituição da República Portuguesa.»

Por acórdão de 7 de Novembro de 2006, o STA deferiu o pedido de correcção de erros materiais e indeferiu o pedido de aclaração.

Decidido, por acórdão do Pleno do STA, de 13 de Novembro de 2007, julgar findo o recurso interposto para essa formação pela entidade recorrida e pela recorrida particular, por se entender inexistir a invocada oposição de julgados, veio a mesma recorrida particular interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o acórdão de 7 [por lapso, a recorrente refere 6] de Novembro de 2006, pretendendo «ver apreciada, em fiscalização concreta, a inconstitucionalidade do n.º 3 da Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, mormente da interpretação que delas foi feita no referido acórdão, por força da qual se concluiu que a interpretação que foi feita, na sentença recorrida, da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 936-A/99 – a de que ‘quem for proprietário de farmácia há mais de 10 anos pode, candidatando-se, ver constituído em seu favor o direito à propriedade e exploração de uma outra farmácia’ – ‘viola o disposto na Base II da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965, fonte normativa de hierarquia superior’, e em consequência do que se entendeu ter de rejeitar-se, com tal alcance, a aplicação da regra do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), da Portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro». Mais consigna a recorrente, nesse requerimento, que, na sua perspectiva, tal interpretação «é materialmente inconstitucional, por violação e desconformidade com o direito à tutela jurisdicional efectiva previsto no n.º 5 do artigo 20.º, com o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º e com o disposto no n.º 5 do artigo 112.º, todos da Constituição da República Portuguesa», e que «a questão das inconstitucionalidades que ora se pretende sejam apreciadas foram suscitadas pela recorrente no pedido de aclaração que apresentou neste Tribunal do acórdão proferido a 2 de Maio de 2006».

O recurso foi admitido por despacho de 16 de Janeiro de 2008 do Conselheiro Relator do STA, decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), e, de facto, entende-se que o presente recurso é inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.

2. Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.

Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido proferir a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida.

No presente caso, como a recorrente reconhece, não suscitou a questão de inconstitucionalidade, que pretende ver apreciada, antes de proferido o acórdão de 2 de Maio de 2006 – que foi a decisão que fez efectiva aplicação do critério normativo questionado –, apesar de haver disposto de oportunidade processual para o fazer (designadamente nas contra-alegações que apresentou no recurso jurisdicional) e sendo manifesto que a adopção, pelo STA, desse critério normativo nada tem de insólito, anómalo ou inesperado, já que correspondia à interpretação sustentada ao longo dos autos pela recorrente contenciosa.

A suscitação da questão de inconstitucionalidade pela recorrente, pela primeira vez nos autos, em requerimento de aclaração e de rectificação de erros materiais do acórdão que aplicou o critério normativo questionado, quando se encontrava já esgotado o poder jurisdicional do tribunal sobre a questão de mérito, não constitui modo processualmente adequado de cumprimento do ónus inicialmente referido. Ao que acresce que nem o subsequente acórdão de 7 de Novembro de 2006 (que rectificou erros de escrita e indeferiu pedido de aclaração), que a recorrente elegeu como objecto do presente recurso, fez aplicação das normas arguidas de inconstitucionais, mas apenas das normas dos artigos 667.º, n.º 1, e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, e nem mesmo nesse pedido de aclaração (apesar de...

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