Acórdão nº 211/08 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Joaquim de Sousa Ribeiro
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 211/2008

Processo n.º 729/07

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente a Caixa Geral de Aposentações e recorrido o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, de 06.06.2007, que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade material, das normas vertidas no artigo 1º, n.º 6, e no artigo 2.º da Lei n.º 1/2004, quando entendidas no sentido de que não é aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, aos processos que, apesar de se terem iniciado antes de 31.12.2003, não deram entrada na CGA até à data da entrada em vigor daquela Lei.

  2. O presente recurso emerge de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido que o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em representação do seu associado A., intentou contra a CGA. Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 31.10.2006, a acção foi julgada procedente e a R. condenada a apreciar o pedido de aposentação antecipada apresentado por aquele associado, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril.

    A decisão da primeira instância foi confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 06.06.2007, ora recorrido.

  3. Neste acórdão, de que vem interposto o presente recurso, foram dados como provados os seguintes factos, no que agora releva:

    ? O associado do recorrido, A., é funcionário da Câmara Municipal da Figueira da Foz desde 15.01.1975 (cfr. n.º 12) dos factos assentes).

    ? Em 11.11.2003, A. formulou pedido de aposentação antecipada, ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 116/85, junto dos serviços da Câmara Municipal da Figueira da Foz (cfr. n.ºs 1) a 3) dos factos assentes).

    ? Por ofício de 12.01.2004, recebido em 14.01.2004, o Município da Figueira da Foz remeteu à Caixa Geral de Aposentações o pedido de aposentação, instruído com a documentação aí indicada (cfr. n.ºs 4) e 10) dos factos assentes).

    ? Entre os documentos anexos ao referido ofício, constava o Parecer do Comandante dos Bombeiros e o Despacho da Vereador dos Recursos Humanos, sobre aquele exarado, ambos no sentido de “não haver inconveniente no pedido de aposentação” (cfr. n.ºs 8) e 9) dos factos assentes).

    ? Por ofício de 30.01.2004, a CGA devolveu o processo de aposentação ao Município da Figueira da Foz, invocando que o pedido carecia de fundamento legal, pelo facto de o Decreto-Lei n.º 116/85 ter sido revogado pelo n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 1/2004 e o pedido de aposentação não ter sido enviado à Caixa dentro do prazo estabelecido no n.º 6 do citado artigo 1.º (cfr. n.º 11) dos factos assentes).

  4. No acórdão recorrido lê-se o seguinte, na parte que agora importa:

    […] É certo que numa interpretação estritamente literal das disposições conjugadas do n° 6 do artigo 1° e do artigo 2° da Lei n°1/04 o regime de aposentação antecipada previsto e regulado no DL n°116/85 não se aplicaria aos processos de aposentação que tivessem sido enviados à CGA em data posterior a 01/01/2004, já que atendendo à data em que o processo de aposentação do associado do recorrido foi enviado à CGA, no caso, 12/01/2004, e nela recepcionado em 14/01/2004, a ele não seria aplicável aquele DL mas ao invés o regime previsto no artigo 37°-A EA [ora aditado n°2 do artigo 1° da Lei n°1/04].

    Contudo, pensamos não ser ou dever ser essa a correcta interpretação do quadro legal.

    Na verdade, a Lei n°1/04 foi aprovada pela Assembleia da República em 04/12/2003 e só veio a ser publicada, gozando de força de lei e de eficácia, em 15/01/2004 quando o associado do recorrido havia formulado a sua pretensão substantiva de aposentação antecipada em 11/11/2003 e fundado num quadro legal no qual confiava legitimamente e do qual poderia esperar, nos termos do artigo 3° n°1 do DL n°116/85, um prazo de 30 dias contado da data da entrada do seu requerimento, para o processo ser informado pelo respectivo departamento, designadamente quanto a inexistência de prejuízo para o serviço, para a sua submissão a despacho de concordância por quem tiver poderes para esse efeito e obtido esse à sua remessa ou envio para a CGA.

    Aquele interessado uma vez formulada a sua pretensão deixa por completo de controlar o procedimento administrativo tendente à análise do pedido de aposentação. Assim, não pode o mesmo ser responsabilizado ou prejudicado pela demora na actuação dos serviços da Administração, não sendo legítimo que o mesmo, confiando no regular e normal andamento dos processos e no respeito escrupuloso dos prazos, venha a ser confrontado com o incumprimento daqueles prazos e penalizado na sua esfera jurídica por motivos aos quais é alheio e que apenas são assacáveis a omissão da Administração.

    Sob pena de enfermar de inconstitucionalidade pensamos que tanto a letra como o sentido da norma transitória inserta no n° 6 do artigo 1° na sua concatenação com o n° 8 do mesmo normativo vão no sentido de não aplicar o disposto nos n°s 1 a 5 aos subscritores cujos processos de aposentação tenham sido formulados e enviados à CGA pelos respectivos serviços ou entidades até a data da entrada em vigor daquela Lei aqui entendida no sentido dado pelo artigo 2° da Lei n° 74/98, ou seja, até à data da sua publicação [15/01/2004] e desde que os interessados reunissem até 31/12/2003 as condições legalmente exigidas para a concessão da aposentação.

    O que o legislador ordinário pretendeu foi salvaguardar as situações dos subscritores cujos processos de aposentação se haviam iniciado antes de 31/12/2003, que entraram na CGA até à data da entrada em vigor da lei nova, aposentando-os de harmonia com a lei antiga desde que os mesmos reunissem, àquela data, os respectivos requisitos. Atente-se, aliás, para o efeito o regime vertido no n° 8 do artigo 1° da citada Lei.

    A assim se não interpretar este quadro legal, num esforço para o compatibilizar com a Lei Fundamental, temos que outra solução não nos resta que não seja a de que considerar tal regime transitório definido na Lei n°1/04 como violador dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica estruturantes dum Estado de Direito Democrático [ver artigos 2º, 3º e 266º n°2 da CRP] e como tal inconstitucional.

    De facto, o requerente, associado do ora recorrido, quando efectuou o pedido de aposentação antecipada [em 11/11/2003] teria de ter completado os 36 anos de serviço, sendo que, para obter o deferimento da sua pretensão, impunha-se conseguir informação e despacho concordante quanto ao outro requisito cumulativo, o da “inexistência de prejuízo para o serviço”.

    Tinha, pois, nesse momento uma séria, uma fortíssima e legítima expectativa de que a reforma lhe seria concedida nos moldes legalmente existentes e ao abrigo dos quais formulou a sua pretensão, mas nunca em função de requisitos futuros totalmente ignorados e que vieram a ser introduzidos pela Lei n°1/04.

    Formulada pretensão junto da Administração ao abrigo de determinado quadro legal é de entender que o regime aplicável será o existente na data em que o pedido é apresentado, devendo ser à sua luz, dos seus requisitos, que a pretensão terá de ser analisada, deferindo-a ou indeferindo-a.

    A assim não ser considerado estar-se-á perante uma violação dos princípios sagrados da confiança e da segurança jurídica, os quais se apresentam como pilares basilares dum Estado que se reclama de direito e respeitador do indivíduo.

    A lei nova não pode legitimamente retroagir os seus efeitos sobre uma situação de facto consolidada anteriormente [dedução de requerimento contendo pretensão de aposentação ao abrigo de determinado regime legal] quando a confiança do cidadão na manutenção da situação jurídica com base na qual tomou a sua decisão foi violada duma forma que se reputa de intolerável por efeito duma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, não podia contar e sem que a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se devam considerar prevalecentes.

    Um regime transitório como o consagrado na Lei n°1/04 que se abstrai por completo da data em que é formulado o requerimento contendo...

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