Acórdão nº 89/08 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Fevereiro de 2008

Data13 Fevereiro 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 89/2008

Processo nº 72/08

2ª Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

O representante do Ministério Público junto do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho do Juiz daquele Juízo, de 9 de Novembro de 2007, que não admitiu recurso por ele interposto, ao abrigo das alíneas a) e c), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, do despacho de 12 de Outubro de 2007, que teria recusado a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP).

O processo de que emerge a presente reclamação teve origem em “auto de notícia por detenção”, instaurado, por agente da PSP, a A., por, no dia 27 de Outubro de 2007, pelas 4 horas e 54 minutos, conduzir o veículo automóvel de matrícula ..-..-.., na Rua …, no Porto, e, ao ser submetido a teste para a detecção de álcool, ter acusado a taxa de 1,19 g/l, e, posteriormente conduzido à Secção de Acidentes da Divisão de Trânsito do Porto da PSP, onde foi submetido a novo controlo, ter acusado a taxa de álcool no sangue de 1,24 g/l, e tendo requerido contraprova, ter acusado 1,21 g/l, o que integraria a prática de “crime contra a segurança das comunicações”. O referido condutor foi constituído arguido e notificado, nos termos do artigo 385.º, n.º 3, do CPP, para comparecer perante o Ministério Público, junto do Tribunal de Turno do Porto, nesse dia 27 de Outubro de 2007, pelas 10h00, para ser submetido a audiência de julgamento, em processo sumário.

O representante do Ministério Público no Tribunal do Turno do Porto exarou, com data de 27 de Outubro de 2007, o seguinte despacho: “Apresente o expediente ao M.mo Juiz de Turno, para os efeitos do artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 186-A/99”.

O Juiz do Tribunal de Turno do Porto proferiu, na mesma data, o seguinte despacho:

“Neste Tribunal não existe qualquer sala de audiências que permita a realização do julgamento sumário, com observância do formalismo legal.

Importa, por igual, frisar que o edifício onde se encontra instalado é de acesso reservado ao público, o que impede o cumprimento do artigo 387.º, n.º 1, do CPP.

Verifica-se, assim, a impossibilidade da realização de audiência imediata, referida no artigo 387.º do CPP.

Nestes termos, determino que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29 de Outubro de 2007, pelas 10 horas, no Tribunal competente, a fim de aí ser julgado em processo sumário – artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do CPP.”

Distribuído o processo ao 2.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, o respectivo Juiz, em 29 de Outubro de 2007, exarou o seguinte despacho: “Atenta a promoção e o despacho meramente formal de adiamento proferido no TIC (artº 387º, nº 2, a), do C.P.P.), vão os autos ao M.P. para os fins tidos por convenientes, respectivamente apresentação da acusação”..

Dada vista dos autos ao representante do Ministério Público junto desse Juízo, o mesmo consignou, na mesma data, que “Atento o disposto no artº 389º, nº 2, do C.P.P. o Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver presidido à detenção, o M.P. aguardará o início da audiência para aí e então, se for o caso, requerer, nos termos legais supra, a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia (por detenção de fls 1) da autoridade (PSP) que procedeu à detenção”.

Ainda nesse dia 29 de Outubro de 2007, o Juiz do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto exarou o seguinte despacho:

“Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno.

Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita contra o arguido.

O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do artº 387º, nº 2 ali. a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se simplesmente o início da audiência de julgamento.

Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção.

É certo que no auto de notícia constam alguns factos.

Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime.

É de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei – o dolo – constitui elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente indiciado no auto de notícia.

O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos artºs. 13º e 15º do C.P.

Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia – cfr. os artºs 243º e 283º, nº 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ, tomo II, pg. 291-294.

Qualquer acusação em que se omita este facto – falta dos factos integradores do dolo ou da negligência – deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente infundada, com base no artº 311º, nº 3, ali. d) do C.P.P. – quando os demais elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos.

Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou negligência).

De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado artº 311, nº 3 ali. c) do C.P.P.

Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais se acrescenta ao que aí consta.

É condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integrados (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se...

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