Acórdão nº 74/08 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Fevereiro de 2008

Magistrado ResponsávelCons. Pamplona Oliveira
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2008
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 74/08

Processo n.º 51/08

  1. Secção

Relator: Carlos Pamplona de Oliveira

Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional

I.

Relatório

  1. 1.1. O representante do Ministério Público no 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto deduziu reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 77.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), contra o despacho de 12 de Novembro de 2007 do juiz daquele Tribunal que lhe não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de um outro despacho proferido em 29 de Outubro de 2007 que teria recusado a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 389.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (CPP).

    1.2. O processo de que emerge a presente reclamação teve origem em “auto de notícia por detenção”, instaurado pela PSP a A., por condução de veículo automóvel com excesso de álcool. O sujeito foi constituído arguido e notificado, nos termos do artigo 385.º n.º 3 do Código de Processo Penal, para comparecer perante o Ministério Público do Tribunal de turno do Porto, em 27 de Outubro de 2007, pelas 10h00, para ser submetido a audiência de julgamento, em processo sumário.

    Recebida a participação, o representante do Ministério Público naquele Tribunal exarou, com data de 27 de Outubro de 2007, o seguinte despacho: “Apresente o expediente ao M.mo Juiz de turno, para os efeitos do artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, atento o disposto no artigo 60.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 186-A/99”.

    Os autos foram, depois, apresentados a um juiz que proferiu, na mesma data, o seguinte despacho:

    “Neste Tribunal não existe qualquer sala de audiências que permita a realização do julgamento sumário, com observância do formalismo legal.

    Importa, por igual, frisar que o edifício onde se encontra instalado é de acesso reservado ao público, o que impede o cumprimento do artigo 387.º, n.º 1, do CPP.

    Verifica-se, assim, a impossibilidade da realização de audiência imediata, referida no artigo 387.º do CPP.

    Nestes termos, determino que o arguido seja notificado para comparecer no próximo dia 29 de Outubro de 2007, pelas 10 horas, no Tribunal competente, a fim de aí ser julgado em processo sumário – artigo 387.º, n.º 2, alínea a), do CPP.”

  2. 2.1. Foi o processo então distribuído ao 2º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto, tendo, ainda nesse dia 29 de Outubro, o juiz exarado o seguinte despacho:

    “Do auto de notícia elaborado pela autoridade policial resulta que o arguido foi detido em flagrante delito e depois restituído à liberdade, tendo sido notificado para comparecer perante o M.P. junto do Tribunal de turno.

    Resulta também dos autos, que não foi deduzida verdadeira acusação escrita contra o arguido.

    O M.P. apresentou apenas o expediente ao juiz de turno para os efeitos do art. 387º n.º 2 ali, a) do C.P.P., pretensão que foi deferida, adiando-se simplesmente o início da audiência de julgamento.

    Aberta vista à Digna Magistrada do M.P., pela mesma foi referido que aguardará o início da audiência, para aí requerer a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção.

    E certo que no auto de notícia constam alguns factos.

    Todavia, tais factos, por si só, não constituem qualquer crime.

    E de ter em conta que a consciência e a vontade de praticar tais factos típicos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei — o dolo — constitui elemento típico dos ilícitos criminais, e designadamente do perfunctoriamente indiciado no auto de notícia.

    O mesmo sucede quanto à negligência, nos termos do disposto nos artºs. 13º e 15º do C.P.

    Tal elemento subjectivo deverá constar da acusação e/ou do auto de notícia — cfr os artºs 243.º e 283.º, n.º 3 ali. b) do C.P.P., e ainda sobre o tema, entre outros, o AC do TRG de 7/04/2003, in CJ. tomo II, pág. 291-294.

    Qualquer acusação em que se omita este facto — falta dos factos integradores do dolo ou da negligência—deve ser rejeitada, por se encontrar manifestamente infundada, com base no artº 311.º,3, ali. d) do C.P.P.— quando os demais elementos típicos do crime se encontrarem nela descritos.

    Do expediente ora em análise não consta qualquer um desses elementos (dolo ou negligência).

    De tal expediente também não se retira a indicação das disposições legais aplicáveis, a chamada qualificação jurídica dos factos, o que é relevante e implica até a rejeição da acusação, nos termos do citado art. 311. nº 3 ali. c) do C.P.P.

    Dado o teor do auto de notícia, mesmo com a sua leitura em audiência nada mais se acrescenta ao que aí consta.

    E condição da realização de julgamento em processo sumário e desta forma de processo especial a existência de um crime concreto e devidamente identificado, com indicação dos respectivos factos integradores (objectivos e subjectivos) e de todas as disposições legais aplicáveis. Só assim se podem apreciar os apertados requisitos de admissibilidade do professo sumário, bem como a competência do tribunal.

    Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além das garantias de defesa do arguido e o princípio a vinculação temática do tribunal.

    Afigura-se-nos, pois, que não se verificam os requisitos que justificam o julgamento em processo sumário, nos termos do disposto no artº 381.º do C.P.P., na redacção da lei 48/07 de 29/08.

    Assim sendo, e por razões de economia processual, e ainda nos termos dos artºs. 381.º, e 390.º, ali, a) do C.P.P., na actual redacção, determino a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual”.

    2.2. Na convicção de que este despacho desaplicara, com fundamento em inconstitucionalidade normativa, o n.º 2 do artigo 389.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público pretendeu interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

    “(…)

    Por douto/a despacho/decisão, proferido/a no p. p. dia 19 do transacto mês de Outubro do corrente ano 2007 e exarado/a a fls. 1 e 12, dos autos à margem identificados, o/a Mmo/a Juiz, nos termos e com os fundamentos de facto e de direito daquele/a constantes, tendo consignado, além do mais,Está em causa a natureza acusatória do processo penal, além...

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