Acórdão nº 321/12 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Vítor Gomes
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 321/12

Processo nº 277/12

  1. Secção

Relator: Conselheiro Vítor Gomes

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. O relator proferiu a seguinte decisão:

    1. O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu a seguinte decisão:

    “1. Por decisão da 1ª instância foi o arguido A. condenado, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 2, do CP, na pena de 4 anos e 10 meses de prisão.

    O acórdão recorrido confirmou a decisão da 1ª instância.

    2. Inconformado o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O recurso não foi admitido, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, tendo em conta que o acórdão da Relação confirmou a decisão da 1ª instância que aplicou pena de prisão não superior a 8 anos.

    O arguido reclama da não admissão do recurso, nos termos do art. 405.º do CPP, invocando, em síntese, os seguintes fundamentos:

    - O Tribunal da Relação limitou-se a não admitir o recurso transcrevendo a alínea f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.

    - Quando o que está aqui em causa é saber se ao caso concreto é de aplicar o anterior Código processual ou o atual, tendo em vista que o n.º 2 do art. 5.º do CPP prevê que apesar da sua aplicação imediata, não pode retirar ou restringir direitos de defesa ao arguido.

    - Sendo inconstitucional, a interpretação do art. 400.º do CPP, no sentido de que, não há recursos para o Supremo, independentemente de ferir ou não lei processual mais favorável.

    3. O acórdão recorrido foi proferido em 23.11.2011 e a decisão da 1ª instância em 18.10.2010; logo, ambas as decisões foram proferidas na vigência da Lei n.º 48/07, de 29 de agosto, que alterou o Código de Processo Penal.

    A influência das modificações da lei de processo penal nos processo pendentes - nos pressupostos, nos atos, na regulação sobre a prática e sobre as condições de validade dos atos - pode ter consequências mais ou menos intensas, requerendo fórmulas de resolução que permitam definir a lei aplicável.

    O CPP contém norma – o artigo 5.º – que dispõe a este respeito que a nova lei se aplica imediatamente (isto é, também aos processos iniciados anteriormente à sua vigência), sem prejuízo, naturalmente, da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior – artigo 5º, n.º 1, tudo na decorrência do princípio processual tempus regit actum.

    Todavia, no respeito por princípios materiais ligados à posição do arguido, ou por exigências de coerência sistemática e harmonia intraprocessual, a lei nova não se aplicará aos processos iniciados anteriormente quando da aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra de harmonia e unidade dos vários atos do processo.

    Nesta confluência de princípios e de compatibilidade entre a regra tempus regit actum e a posição processual de arguido, vista esta na perspetiva processual material das garantias de defesa, a modificação do sistema de recursos, ou das regras sobre a admissibilidade do recurso podem suscitar problemas específicos.

    A instância (a fase) de recurso tem autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo, tanto nos pressupostos em que o recurso é admissível, como nas sequências estritamente procedimentais de desenvolvimento e julgamento.

    Estando, por isso, em causa o exercício de direitos processuais de um sujeito processual, que são inerentes e se confundem com a própria fase de recurso, o momento relevante a ter em conta para verificar a existência dos respetivos pressupostos de exercício será aquele (ou a prática do ato) que primeiramente define no processo a situação do sujeito interessado e que seja suscetível de ser questionada como objeto do recurso com a abertura da respetiva fase.

    No que respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso é coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.

    Deste modo, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso, isto é, no momento em que for primeiramente proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a decisão da primeira instância.

    No caso, a decisão que primeiro se pronunciou foi proferida, como se referiu, já na vigência do regime de recursos após a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007.

    Anteriormente a este ato não existia no processo situação processual definida no que respeita aos pressupostos de direito de recorrer, seja na integração do interesse em agir, legitimidade, seja nas condições objetivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime, pena aplicada. Os pressupostos de recorribilidade são, pois, os definidos nesse momento, sem campo de intervenção do artigo 5º, n.º 1, do CPP, por se não contemplar um caso de confluência de regimes.

    Esta é a solução do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 4/2009 de 18.02.09, (DR, I Série, de 19-03-2009), que apenas considerou aplicável a...

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