Acórdão nº 417/03.9TACBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelORLANDO GON
Data da Resolução02 de Abril de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência , na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório Por decisão de 7 de Maio de 2007, o Ex.mo Juiz do 3.º Juízo Criminal de Coimbra julgou improcedente o requerimento do arguido L….

em que arguiu a incompetência material do mesmo Juízo para cumprir o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra , de 14 de Fevereiro de 2007, e condenou este no respectivo incidente.

Inconformado com a decisão dela interpôs recurso o arguido L… , concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. Prescreve o art.426.º, número 1,do Código de Processo Penal «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do número 2 do art. 410.º, não for possível decidir da causa o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo,ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio».

  1. Nos presentes autos, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra entendeu reformar a decisão absolutória proferida pelo tribunal ora recorrido, no sentido da condenação do ora recorrente, remetendo para a primeira instância a escolha da medida concreta da pena, depois de a mesma averiguar as condições socio-económicas daquele.

  2. Deste modo, identificou uma questão concreta a ser decidida - e que não o foi por ter considerado não o estar em condições de o fazer, apesar de se encontrarem nos autos os competentes relatórios do Instituto de Reinserçao Social.

  3. O tribunal a quo, contornou uma óbvia situação de reenvio, baseando-se na ausência de indicação expressa do tribunal superior nesse sentido, que, por sua vez, deveria ter concluído estarem reunidos os pressupostos e verificadas as limitações que obrigam sempre à remessa dos autos ao tribunal imediatamente inferior, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida.

  4. A decisão posta em crise deveria ter densificado e corrigido tudo aquilo que este mesmo Venerando Tribunal deixou omisso e imperfeito, começando, desde logo, por julgar procedente a suscitada questão da sua incompetência e, seguidamente, ordenar a remessa dos autos à distribuição.

  5. Tudo por forma a que viesse a ser cumprido o estipulado pelo art. 426.º-A, número 2 do Código de Processo Penal.

  6. A decisão ora recorrida, ao manifestar a intenção de «cumprir a decisão do tribunal superior interpretando-a dentro da literalidade possível e das disposições legais respectívas», optou por um sentido interpretativo da norma do art. 426.º do Código de Processo Penal que exclui, sem justificação, do segmento final do normatívo os elementos sociais, económicos, pessoais e profissionais do ora Recorrente.

  7. Tais elementos deverão ser tidos como «questões concretamente identificadas na decisão.de reenvio».

  8. Ao não ter procedido a tal esforço jus-hermenêutico constitucionalmente exigido, a decisão ora posta em crise violou o art. 32.º, número 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa.

  9. O objectivo do expediente do reenvio consiste em suprir, definitivamente, os vícios de que padece a decisão da primeira instância objecto de recurso, por tribunal diverso daquele mesmo que neles incorreu, através de nova distribuição dos autos operada nos termos do art. 426-A do Código de Processo Penal, assegurando a independência, isenção e equidade de uma nova decisão.

  10. Esta nova decisão mais não será do que a consequência necessária da observância do princípio do auto-esgotamento do poder jurisdícional - uma das últimas linhas de garantia dos direitos de defesa, consagrados no art. 32.º, número 1 da Constituição - e do juiz natural, positívado, no número 2 deste mesmo preceito.

  11. O número 1 do art. 32.º da Lei Fundamental traduz-se numa cláusula geral que engloba todas as garantias de defesa que, mesmo não estando integralmente enunciadas naquele normativo, decorram do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do cidadão em processo penal.

  12. Tais garantias gerais de defesa encontram concretização, para o que este caso interessa, no número 9 do mesmo art. 32.º, onde se consagra o princípio do juiz legal.

  13. Este principio consiste na predeterminação do tribunal competente para o julgamento da lide, passando pelas características da determinabilidade, fixação de competência e divisão funcional interna.

  14. A decisão ora posta em crise - a mesma que foi objecto de um juizo que concluiu pela existência de vícios entre os seus fundamentos e o dispositivo nela constante -, apoiada na letra do acórdão condenatório, ao defender ainda a sua competência para decidir de questões concretamente identificadas naquele violou o princípio do juiz natural.

  15. Fê-lo optando por um sentido interpretativo da norma do art. 426.º do Código de Processo Penal que inconstitucionalmente não veio qualificar como « questões concretamente identificadas » aquelas tendentes ao apuramento das condições socio-económicas e pessoais do ora Recorrente, tal como tinha sido ordenado na decisão de tribunal superior que possui todas as caracteirísticas de uma decisão de reenvío.

  16. Tal sentido interpretativo fará sempre perigar as garantias de imparcialidade, que o reenvio assegura, nos casos em que se imponha que o tribunal para onde é remetido o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT