Acórdão nº 25/12 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2012

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução18 de Janeiro de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 25/2012

Processo n.º 13/11

Plenário

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

Relatório

O Provedor de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, deduziu pedido de fiscalização abstrata sucessiva, requerendo a declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que constam do artigo 69.º-D, n.º 1, alíneas a) a j), do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de abril, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro.

Invocou, em resumo, os seguintes fundamentos:

Quanto à questão da ilegalidade

– A Comissão para a Eficácia das Execuções (C.P.E.E.) foi criada pelo Governo (Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), no âmbito da estrutura orgânica da Câmara dos Solicitadores, enquanto órgão independente da mesma, ao abrigo de uma lei de autorização parlamentar (Lei n.º 18/2008, de 21 de abril).

– Da referida lei de autorização consta o artigo 5.º, o qual estabelece o sentido e a extensão da autorização legislativa, que, na parte que diz respeito ao teor do pedido, dispõe do seguinte modo:

“Fica o Governo autorizado a alterar o Estatuto da Câmara dos Solicitadores, com o seguinte sentido e extensão:

  1. Modificar a estrutura orgânica da Câmara dos Solicitadores e alterar as competências dos órgãos atuais;

  2. Criar um órgão destinado a disciplinar a eficácia das execuções ao qual compita o exercício do poder disciplinar sobre os agentes de execução, com possibilidade de delegação, prevendo as suas demais competências e composição, tendo em conta a alínea a) do artigo 2.º”.

    Estipula este último dispositivo que “fica o Governo autorizado a criar o estatuto do agente de execução, adaptando o estatuto do solicitador de execução nomeadamente para o efeito de: a) Permitir que advogados e solicitadores possam exercer funções de agentes de execução”.

    – Se a introdução da representação dos agentes de execução inscritos na Ordem dos Advogados na Comissão era a inovação expressamente autorizada pelo Parlamento, a manutenção da natureza associativa desse órgão impunha que, na sua composição, pelo menos a maioria dos seus membros encontrasse legitimação na autotutela associativa devolvida pelo Estado às classes profissionais em causa.

    - No entanto, apenas dois dos onze membros da Comissão são representantes da Câmara dos Solicitadores, a que se soma apenas mais um da Ordem dos Advogados.

    - Sendo o peso dos membros estranhos às referidas associações profissionais consideravelmente superior aos membros representantes dessas associações, verifica-se que o Governo atuou sem credencial parlamentar e contrariando o sentido da autorização concedida.

    – Por isso, as normas constantes do artigo 69.º-D, n.º 1, alíneas a) a j), do Estatuto da Câmara dos Solicitadores (E.A.S.) padecem de ilegalidade material por violação do sentido da lei de autorização legislativa contido no artigo 5.º, alínea b), da Lei n.º 18/2008, de 21 de abril.

    Quanto à questão da inconstitucionalidade

    Inconstitucionalidade por violação do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição

    – Segundo o disposto no n.º 4, do artigo 267.º, da Constituição, as associações públicas, como a Câmara dos Solicitadores, têm que ter uma “organização interna baseada no respeito dos seus membros e na formação democrática dos seus órgãos”.

    – Sucede que a C.P.E.E., órgão integrado na Câmara dos Solicitadores com amplos poderes decisórios, foi imposta pelo legislador a esta associação pública, não sendo a esmagadora maioria dos seus membros designada pela Câmara dos Solicitadores.

    - Tal composição não é compatível com o princípio constitucional da formação democrática dos respetivos órgãos, uma vez que não conta com uma maioria de representantes da própria classe profissional, eleitos pelos membros da Câmara ou designados por órgãos eletivos da Câmara;

    - Esta solução viola, assim, os direitos de participação democrática dos membros da Câmara dos Solicitadores e o princípio da formação democrática dos órgãos desta associação pública, princípios esses que decorrem da parte final do artigo 267.º, n.º 4, da Constituição.

    Inconstitucionalidade por violação do artigo 199.º, alínea d), da Constituição

    – De acordo com o prescrito neste dispositivo constitucional ao Governo compete apenas o exercício de uma tutela da legalidade sobre a administração autónoma.

    – Tendo a C.P.E.E. poderes decisórios e integrando a sua composição três membros com direito a voto nomeados pelo Governo (alíneas b), c) e d), do n.º 1, do artigo 69.º-D, do E.C.S.), a este cabem efetivos poderes de decisão que não se enquadram nos limites da mera tutela da legalidade para a qual nos remete a norma do artigo 199.º, alínea d), da Constituição.

    – Deste modo, o poder de decisão do Governo no âmbito da C.P.E.E., órgão inserido na estrutura orgânica de uma associação pública profissional e com efetivos poderes decisórios, incluindo desde logo os que se prendem com o exercício do poder disciplinar sobre os profissionais investidos nas funções de agente de execução, viola a norma inserida no artigo 199.º, alínea d), da Constituição, na parte respeitante à administração pública autónoma.

    Notificado, nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, veio o Primeiro-Ministro responder, alegando, em suma, o seguinte:

    – O pedido apresentado pelo Provedor de Justiça e as correspondentes alegações de inconstitucionalidade e de ilegalidade, partem de dois equívocos substanciais: primeiro que a C.P.E.E., especificamente na formação de plenário, é o órgão ao qual compete a regulação e o exercício do poder disciplinar sobre os agentes de execução, segundo que a C.P.E.E. é, sem qualquer especificidade, um órgão da pessoa coletiva associativa Câmara dos Solicitadores.

    – O pedido do Requerente ignora a configuração de órgão complexo que o legislador deu à C.P.E.E.; este é um órgão que, mais do que funcionando em duas formações, compreende dois órgãos distintos e com competências diferentes. A C.P.E.E. funciona como Plenário (C.P.E.E.P.) e como Grupo de Gestão (C.P.E.E.G.G.).

    – Em matéria disciplinar, a C.P.E.E.P. apenas funciona como órgão de recurso (um recurso hierárquico impróprio, facultativo), para as decisões da C.P.E.E.G.G. que apliquem penas de suspensão e de expulsão (alínea b), do n.º 1, do artigo 69.º-F, do E.C.S. na redação atual).

    - É como C.P.E.E.G.G. que a Comissão atua no âmbito da regulação profissional, enquanto a C.P.E.E.P. apenas define orientações gerais e através de recomendações, para além de definir o número de estagiários admitidos e escolher a entidade externa que intervém na avaliação.

    – Quanto ao segundo dos equívocos substanciais acima referenciados, deve dizer-se que a C.P.E.E. apenas formalmente está associada à Câmara dos Solicitadores por...

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