Acórdão nº 319/11 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Julho de 2011

Magistrado ResponsávelCons. João Cura Mariano
Data da Resolução06 de Julho de 2011
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 319/2011

Processo n.º 290/11

  1. Secção

Relator: Conselheiro João Cura Mariano

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

Relatório

A., S.A., deduziu, no Tribunal Tributário de Lisboa, impugnação judicial da liquidação de IRC n.º 8310037392, referente ao exercício de 1997, e da liquidação de IRC n.º 8310037391, referente ao exercício de 1998.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença de 25 de Março de 2009, julgou verificada a excepção de caducidade do direito de acção e, consequentemente, absolveu a Fazenda Pública do pedido de nulidade, anulação e ineficácia das aludidas liquidações de IRC referentes aos exercícios de 1997 e 1998.

Inconformada, a Impugnante A., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 9 de Março de 2010, negou provimento ao recurso.

A Impugnante recorreu deste acórdão para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo tal recurso não sido admitido por despacho de 12 de Maio de 2010.

A Impugnante requereu a aclaração desta decisão, o que foi indeferido por despacho de 14 de Julho de 2010.

A Impugnante apresentou então reclamação da decisão de não admissão do recurso e, por despacho da Conselheira Relatora proferido em 16 de Dezembro de 2010, tal reclamação foi desatendida.

Após ter requerido a aclaração deste último despacho e de tal lhe ter sido indeferido, a Impugnante recorreu para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

1. A ora recorrente não se conformando com o decidido no douto despacho, de 2010.12.16, e no douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2010.09.03, vem deles recorrer para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos dos arts. 69º e segs. da Lei do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro.

2. O presente recurso tem como fundamento as questões de inconstitucionalidade material dos arts. 34º do CPT, do art. 9º da LGT e dos arts. 36º e 37º do CPPT, na interpretação e com o sentido normativo que lhes foi atribuído in casu, por violação dos arts. 20.º, 103.º e 268.º/3 e 4 da CRP.”

Notificada para explicitar quais as interpretações dos preceitos indicados sustentadas nas decisões recorridas, cuja constitucionalidade pretendia ver sindicada, a Recorrente fê-lo da seguinte forma:

“I. DAS INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS CONCRETAMENTE INVOCADAS

I.1. DA INCONSTITUCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DAS REGRAS SOBRE PRESCRIÇÃO DA PRESTAÇÃO TRIBUTARIA - ARTIGOS 34º do CPT, 48.º DA LGT e 175.º DO CPPT

Nos n.ºs 2 e 3 artigo 34.º do CPT – Código do Processo Tributário, aplicável in casu, estabelecia-se que o prazo de prescrição da prestação tributária se conta desde o início do ano seguinte àquele em que aquele facto tiver corrido a obrigação tributária, a qual se interrompe com a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução.

A recorrente invocou a prescrição desse poder de tributar, alegando concretamente:

• Que reclamou graciosamente, em devido tempo, das correcções à matéria colectável dos exercícios de 1997 e 1998 e bem assim do imposto (IRC) adicionalmente liquidado, acrescido de juros compensatórios no decurso do ano de 2003;

• Que a decisão expressa, de indeferimento da referida reclamação graciosa, foi tomada apenas em 20 de Março de 2006 pela Direcção de Finanças de Lisboa tendo esse indeferimento sido comunicando precisamente no dia 28 desse mês, conforme consta provado nos autos;

• Que o processo de reclamação graciosa esteve parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte; e

• Que à data da entrada em vigor da Lei nº 53-A/2006, de 29.12 e da consequente revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT já o prazo de um ano tinha decorrido integralmente; e, ainda,

• Que embora o regime substantivo da prescrição aplicável seja o previsto no CPT, o prazo prescricional é o prazo de oito anos previsto na LGT, nos termos e com os fundamentos do artigo 279.º do Código Civil, para onde de resto remete o n.º 1 do artigo 5º do Dec. Lei n.º 398/98.

Consequentemente, a ora recorrente deixou plenamente alegada e provada a prescrição da obrigação tributária, que oportunamente invocou para todos os efeitos legais.

A qual, não obstante ser de conhecimento oficioso, não foi apreciada por nenhum dos Tribunais recorridos.

Mais invocou, e provou, a ora recorrente que a idêntica conclusão se chegaria ainda que o Douto Tribunal recorrido aplicasse aos factos o regime previsto no art. 48.º da LGT (e não o do CPT), mas essa invocação não foi, do mesmo modo, objecto de decisão do Douto Tribunal recorrido.

Pelo que, embora haja invocado plenamente a prescrição da dívida tributária ocorreu em 31.12.2006 e 31.12.2007, respectivamente, não logrou que a sua pretensão expressa de que a mesma fosse objecto de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 175.º do CPPT, fosse apreciada.

Não tendo suscitado o Douto Tribunal recorrido a aplicação do artigo 48.º da Lei Geral Tributária, o que constitui a violação de uma garantia fundamental constante do disposto no artigo 103.º da CRP, assim como os princípios da igualdade e da justiça material.

Termos em que a decisão em apreço padece de inconstitucionalidade material, por violação, nomeadamente, do 103.º da CRP, assim como dos princípios da igualdade e da justiça material.

I.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA INTERPRETAÇÃO DE NORMAS, POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 103.º, 266.º E 268.º N.º 3 E N.º 4 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E DA VIOLAÇÃO DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS POR ERRADA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 36.º E SEGS. DO CPPT, 66.º E SEGS. DO CPA

A recorrente invocou, ainda, nas petições iniciais apresentadas no Tribunal Tributário de 1.ª Instância e no requerimento de recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, que o comportamento do órgão da administração fiscal era violador do 268.º da CRP, em especial quando ali se determina que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”

Assim, um comportamento da administração fiscal que viola as regras legais sobre o dever específico de notificação dos actos lesivos de direitos, consubstanciados:

• na absoluta omissão de formalidades essenciais imperativas, em ambos os supra referidos procedimentos de notificação,

• na realização de outras formalidades de forma incompleta ou defeituosa,

• na violação do direito ao efeito suspensivo da liquidação previsto no artigo 91.º n.º 2 da LGT,

E que, de forma substantiva, não permitiu que o destinatário tivesse um conhecimento claro e completo dos actos que com aquelas se pretendia dar a conhecer e o impediu, na prática, de exercer o direito de recurso previsto no artigo 91.º da LGT e de exercer os seus mais legítimos direitos de defesa, violando claramente esse direito fundamental.

Ora, a recorrente sempre invocou, e provou, ter apenas tomado conhecimento informal, em JANEIRO DE 2003, das duas liquidações adicionais de IRC dos anos de 1997 e 1998.

Não obstante haver feito prova desse facto, foi erradamente, e de forma reiterada, dado como provado nas doutas sentenças recorridas que “o impugnante teve conhecimento das liquidações EM DEZEMBRO DE 2002 e dos fundamentos de facto e de direito desses actos tributários, na medida em que refere expressamente que foi notificada das liquidações de IRC através dos documentos de cobrança n.º 8310037392, 831007391” (cfr. fls. 2, primeiro parágrafo do Acórdão do TCA Sul e Sentença do Tribunal tributário de 1.ª Instância, fls. 2, primeiro parágrafo).

Assim se considerando procedente a excepção da intempestividade da impugnação judicial e consequente caducidade do direito à acção.

Sucede que tais factos não correspondem à verdade.

Antes, porém, constitui um relevante erro de julgamento, no qual laborou igualmente o Tribunal Central Administrativo Sul, porque:

• o envio postal daquelas notas de liquidação não foi acompanhado do envio da fundamentação dos actos que se pretendia dar a conhecer;

• a administração fiscal tentou alegadamente realizar a notificação dessa fundamentação através do sistema de notificação pessoal, a qual, para além de se encontrar enviada de ilegalidades, não chegou ao conhecimento da ora recorrente.

Ora, como é patente, a recorrente não teve acesso à fundamentação dos actos de liquidação, pelo que invocou que não se pode, de forma alguma, considerar-se regularmente notificada do acto de liquidação em Janeiro de 2003 (artigos 36.º do CPPT e 66.º e 68.º e segs. do CPA).

Mas nem o Tribunal Tributário de 1.ª instância, nem o Tribunal Central Administrativo Sul, relevam o facto de a impugnante haver solicitado, por certidão isenta, os fundamentos do procedimento administrativo de notificação, a qual lhe foi passada nos termos requeridos.

Embora esse constitua um facto da maior relevância na contagem dos prazos para reclamar ou recorrer.

O que constitui uma clara violação do artigo 37º do CPPT, o qual dispõe expressamente que “pode o interessado.., dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação... requerer... a passagem de certidão... isenta de qualquer pagamento.”

Pois que, tendo sido efectivamente passada certidão à recorrente, conforme requerera, tal passagem equivale à assunção de que a anterior notificação dos actos que a administração fiscal pretendeu levar ao seu conhecimento não foram por ela realizados nos termos legalmente previstos.

Assim, o entendimento sufragado pelo Tribunal Recorrido não tem nenhum apoio no disposto no artigo 37º n.º 1 do CPPT, nem tal entendimento se compagina com o princípio constitucionalmente consagrado do direito à tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem.

Face ao que dispõe a Constituição da República Portuguesa, não é de prescindir de uma comunicação formal do...

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