Acórdão nº 41/11 de Tribunal Constitucional (Port, 25 de Janeiro de 2011

Data25 Janeiro 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 41/2011

Processo n.º 363/10

  1. Secção

Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

  1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente Ministério Público e recorridos A. e B., foi interposto recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores, adiante designada LTC), para apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

  2. Notificado o representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional para esclarecer o objecto do recurso, veio dizer o seguinte:

    Estando o Ministério Público isento do pagamento de multa a que se refere o n.º 5 do artigo 145.º do Código do Processo Civil, essa isenção é substituída por uma declaração, sendo esse o sentido de jurisprudência constitucional -e não só - sobre tal matéria.

    Sendo inconstitucional exigir ao Ministério Público que emita uma declaração manifestando intenção de interpor recurso nos três dias subsequentes ao termo do prazo, antes de esgotar tal prazo (Acórdão n.º 538/2007), essa declaração deverá ser apresentada quando da interposição do recurso, naqueles três dias subsequentes.

    Ora, o que o Ministério Público sustenta é que não sendo essa declaração apresentada no montante próprio e equivalendo a apresentação ao pagamento da multa, deve ser aplicado regime do n.º 6 do artigo 145.º do CPC, ou seja, deve ser o Ministério Público notificado para a apresentar, como o seria outra parte para pagar a multa.

    O Ministério Público, nas instâncias, sustentou que uma interpretação daquele n.º 6 do artigo 145.º no sentido de não impor ou sequer permitir a notificação referida, era inconstitucional, por violação ao disposto nos artigos 2.º, 20.º, n.º 4 e 219, n.º 1, todos da Constituição.

    A Relação do Porto entendeu que essas notificações não têm que ser feitas, na fase processual em que os autos se encontravam.

    Efectivamente, segundo a Relação, o momento e a fase processual própria para cumprir o n.º 6 do artigo 145.º do CPC é no tribunal competente para a admissão do recurso - no caso a 1.ª Instância - , pois do cumprimento desses ónus dependerá a admissão, ou não, do recurso.

    Ora, a situação que se verifica nos autos tem especificidades que a afastam daquela “regra geral” e de jurisprudência do Tribunal Constitucional que vem citada.

    Na verdade, na fase considerada a própria, não faria sentido dar cumprimento ao n.º 6 do artigo 145.º do CPC em relação ao Ministério Público ou a qualquer outro recorrente, uma vez que o recurso foi admitido por se ter considerado ocorrer justo impedimento.

    A questão de necessidade de declaração, de saber qual o momento próprio para a sua apresentação e da eventual possibilidade de suprir algumas deficiências, apenas se colocou na Relação e na sequência de se ter entendido que não havia lugar a justo impedimento.

    10º

    Assim, conjugando o teor do requerimento de interposição do recurso e afirmado pelo Ministério Público na reclamação para a conferência com as decisões proferidas na Relação, deverá constituir objecto do presente recurso a questão da inconstitucionalidade de norma do n.º 6 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, tendo o recurso sido admitido no tribunal de 1.ª instância, exclusivamente com fundamento na existência de justo impedimento e concluindo a Relação pela inexistência desse justo impedimento, o Ministério Público já não pode ser notificado para apresentar a declaração devida pela interposição de recurso nos três dias subsequentes ao termo do prazo.

    11º

    Tal interpretação é violadora dos artigos 2.º, 20.º, n.º 4 e 219.º, n.º 1, da Constituição.

  3. O recorrente Ministério Público apresentou alegações onde conclui o seguinte:

    1. O presente recurso foi interposto, pelo Ministério Público, “ao abrigo do disposto nos arts. 280º nºs 1 al. b) e 4 da CRP e 70º nº 1 al. b)” da LOFTC, “com vista à apreciação da inconstitucionalidade do citado art. 145º nº 6 do CPC na interpretação que lhe foi dada no referido acórdão” (fls. 1449).

    2. Vem impugnado o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 2009/12/16, proferido nos autos n.º 230/07.4JAPRT.P1, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A. e outro (fls. 4120-1433) e do Acórdão complementar de aclaração, datado de 2010/02/24 (fls. 1443-1444).

    3. Segundo este Ministério Público, “deverá constituir objecto do presente recurso a questão da inconstitucionalidade de norma do nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, tendo o recurso sido admitido no tribunal de 1.ª instância, exclusivamente com fundamento na existência de justo impedimento e concluindo a Relação pela inexistência desse justo impedimento, o Ministério Público já não pode ser notificado para apresentar a declaração devida pela interposição de recurso nos três dias subsequentes ao termos do prazo” (fls…, art. 10.º).

    4. A decisão recorrida aceita, embora implicitamente, o entendimento de que a lei comporta a notificação oficiosa ao Ministério Público, nos termos do aludido art. 145.º, n.º 6, do CPC, recusando, porém, a prática de tal acto no Tribunal da Relação e naquele momento.

    5. O efeito prático desta “interpretação normativa” e da decisão dela decorrente, consiste em coibir, irremediavelmente, a administração da justiça penal em sede de recurso por motivos puramente adjectivos, rectius administrativos.

    6. Ora, o recurso do Ministério Público foi interposto no prazo dos três dias em que a lei, categoricamente, permite seja praticado o acto processual em causa.

    7. Por outra parte, na tramitação do tribunal recorrido, jamais foi sequer suscitada a questão da multa ou da declaração sucedânea, pelo que a decisão recorrida, ao afirmar que “sendo certo que o Ministério Público não desenvolveu as diligências necessárias para que o recurso fosse considerado em tempo” incorre em erro sobre os factos do processo.

    8. A decisão recorrida não invoca qualquer norma legal ou motivo racional que suporte a conclusão de que “não lhe cabe a si eventuais omissões na tramitação do processo perante as instâncias recorridas” (fls. 1432).

    9. O argumento de analogia, tirado do precedente jurisprudencial (fls. 1432, nota 7), assenta na identidade dos casos comparados, mas tal não é o que aqui ocorre, pois os casos tratados nos arestos invocados não são idênticos. Com efeito, aqueles respeitam a ocorrências em que no tribunal a quo se suscitou a questão da falta do pagamento da multa devida e, já neste, tal não sucedeu.

    10. Não há precedente jurisprudencial sobre a precisa questão de constitucionalidade em exame, embora o Tribunal Constitucional já tenha emitido pronúncia sobre uma questão de contexto idêntico, onde é feito um enquadramento da questão plenamente válido para o nosso caso.

    11. Ali se recorda, que o Ministério Público é um sujeito processual determinante na tramitação concreta do processo, onde actua como “órgão de administração da justiça”, “colabora[ndo] com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as suas intervenções a critérios de estrita legalidade” e tendo como um das suas incumbências, precisamente, a de “Interpor recursos(…)”.

    12. Depois, com a contada excepção dos “crimes particulares”, o Ministério Público está investido do exclusivo do exercício da acção penal, pelo que, qualquer impedimento ao legal exercício deste dever de ofício, ainda que por via de recurso jurisdicional, priva de tutela penal os superiores interesses, sociais e individuais, que a lei, assim, quis proteger.

    13. Finalmente, cumpre relembrar, com o dito aresto, que “essa medida visa evitar o efeito definitivamente preclusivo da não observância de um prazo, com o possível sacrifício irremediável de uma posição juridicamente tutelável. É para obviar a essa consequência desproporcionadamente gravosa de uma falha muitas vezes compreensível, ainda que não integrável no conceito de “justo impedimento”, que a lei concede um prazo suplementar, de curta duração, para a prática do acto.”

    14. Assim sendo, a “interpretação normativa”, materializada no acórdão recorrido, infringe, de modo plúrimo, as normas e princípios constitucionais relevantes no caso.

    15. Por uma parte, não está motivada de direito, violando, assim, a obrigação de fundamentar, na forma prevista na lei, as decisões dos tribunais (CRP, art. 205.º, n.º 1, e CPP, art. 97.º, n.º 5).

    16. Mais obsta à administração da justiça penal, substantiva, pois, sem motivo justificado, sobrepõe estritos motivos adjectivos ao exercício legítimo e tempestivo da acção penal pelo Ministério Público, em sede de recurso.

    Impede, ainda, a discussão, pelos sujeitos processuais, e a apreciação e decisão, pelo tribunal a quo, de uma “questão nova”, sendo certo que a solução perfilhada não é necessária, pois há outras medidas judiciais, que permitem regular o caso de conformidade com a lei e que são tendencialmente idóneas a promover a função própria dos tribunais, enquanto órgãos de soberania que administram justiça em nome do povo (CRP, art. 202.º, n.ºs 1 e 2).

    Por tais motivos, a decisão recorrida infringe o princípio do “Estado de direito” e da “proporcionalidade” que lhe é inerente e, bem assim, o “direito ao processo”, ao “processo equitativo” e os princípios da tutela jurisdicional efectiva (através das inerentes máximas pro actione e favor actione) e, finalmente, impede o exercício legítimo da acção penal pública pelo Ministério Público, em sede de recurso (CRP, arts. 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 202.º, n.ºs 1 e 2, e 219.º, n.º 1).

    Nestes termos, no entender deste Ministério Público, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, assim, revogada a decisão recorrida para ser reformada quanto à questão de...

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