Acórdão nº 107/12 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelCons. Carlos Fernandes Cadilha
Data da Resolução06 de Março de 2012
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 107/2012

Processo n.º 859/2011

  1. Secção

Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Por decisão da primeira instância proferida em processo penal, foi o arguido A. condenado na pena única de 17 anos de prisão.

    Declarada a especial complexidade do processo, por despacho proferido nos autos, foi, com tal fundamento, nos termos do disposto no artigo 107.º, n.º 6, do Código de Processo Penal (CPP), prorrogado de 20 para 30 dias o prazo de recurso previsto no artigo 411.º, nºs. 1 e 3, CPP «sem prejuízo do alargamento do prazo em mais 10 dias no caso de o recurso ter por objeto a reapreciação da prova gravada».

    O arguido, não se conformando com a decisão condenatória, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que foi admitido pelo Tribunal a quo mas rejeitado, por intempestivo, por decisão sumária do relator no Tribunal ad quem, que considerou não ter sido interposto, nos termos legais, recurso para reapreciação da prova gravada, pelo que, à data da interposição do recurso, já se havia esgotado o prazo de 30 dias (20 +10) que havia sido concedido por força da especial complexidade do processo.

    Notificado desta decisão, dela reclamou o arguido, alegando ter interposto recurso para reapreciação da prova gravada, com observância dos requisitos para tanto legalmente exigidos, mas a conferência, por Acórdão de 11 de maio de 2011, indeferiu a reclamação, por considerar que «[n]o estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias (…)» já que o n.º 6 do artigo 107.º do CPP «apenas excecionalmente permite a prorrogação até àquele limite de 30 dias dos prazos de 20 dias prevenidos nos ns. 1 e 3 do (…) artigo 411.º (…), cuja eventual/arbitrária alteração por decisão judicial, porque invasiva da exclusiva competência legislativa sobre a matéria da Assembleia da República, se haverá axiomaticamente por inconstitucional e juridicamente inexistente (…)».

    O arguido interpôs ainda recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o relator no tribunal da Relação de Coimbra, por despacho de 28 de setembro de 2011, rejeitado o recurso nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal (CPP).

    Deste último despacho apresentou, então, o recorrente reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 405.º do CPP, que foi, contudo, indeferida por despacho de 15 de novembro de 2011.

    É desta última decisão que recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:

    - a norma do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, interpretada no sentido de que se «limita a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que, mesmo havendo impugnação da matéria de facto, o prazo de recurso não pode exceder os 30 dias», por violação dos artigos 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP);

    - a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, interpretada «no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que considera intempestivo o recurso que fora admitido na 1ª instância», por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, conforme esclarecimento prestado, por convite, nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.

    O recurso prosseguiu seus termos, tendo o recorrente apresentado alegações onde conclui:

    1- A interpretação normativa, no nosso entender inconstitucional, que se pretende que seja apreciada por V. Exas. é a interpretação feita tanto pelo Tribunal da Relação de Coimbra, bem como pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma constante do art.º 400.º n.º 1 alínea c) do CPP.

    2- Ambos os Tribunais interpretam a referida norma no sentido ser irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça os Acórdãos proferidos pelas Relações que não conheçam a final do objeto do processo, entendendo por isso que os Acórdãos das Relações que rejeitem os recursos por extemporâneos não conhecem a final do objeto do processo, e por conseguinte são irrecorríveis para o STJ.

    3- A Lei não distingue a forma como os Acórdãos da Relação não conhecem a final do objeto do processo. Devendo pois, no nosso entender, tal norma ser interpretada restritivamente, sob pena de violação do direito ao recurso.

    4- Deve distinguir-se formas adjetivas e substantivas de não se conhecer a final do objeto do processo, e neste caso em concreto, parece-nos que esta foi uma causa adjetiva atentatória dos mais elementares princípios e normas constitucionais, nomeadamente dos art.ºs 32.º n.º 1 e 20.º n.º 1 da CRP.

    5- Assim, por via da aplicação do art.º 400.º n.º 1 c) do CPP e da interpretação que lhe foi dada, resulta coartado o direito de recurso do ora recorrente, e, com isso, mostra-se violado um direito fundamental constitucionalmente consagrado.

    6- O recurso para o STJ não visava a apreciação do objeto do processo, apenas que aquele Tribunal considerasse o recurso tempestivo, e em consequência o Tribunal da Relação de Coimbra fosse obrigado a apreciar o recurso tempestivamente interposto pelo arguido (garantindo, desta forma, um grau de jurisdição, ou seja, o direito ao recurso que está previsto no art.º 32.º n.º 1 da CRP).

    7- O objeto do presente recurso prende-se com o despacho que desatendeu a reclamação em apreço, por ter efetuado uma interpretação normativa do art. 400º nº 1-c) do C.P.P. no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que considera intempestivo o recurso que fora admitido na 1ª instância, a qual se julga inconstitucional por violação do direito ao recurso previsto no art. 32º nº 1 da CRP.

    8- As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional são as dos artigos 107.º n.º 6 e 400.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal, com o entendimento que lhes foi dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que infra se exporá, que por sua vez foi reafirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça na Douta Decisão que indeferiu a reclamação apresentada pelo arguido, entendimento que na opinião do ora recorrente, salvo Melhor e Mais Douto entendimento, fazem uma errada e inconstitucional interpretação dos art.º 107.º n.º 6 e 400.º n.º 1 al, c), ambos do CPP, por violação dos art.ºs 203.º, 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

    9- O recurso da decisão da 1ª instância foi interposto tempestivamente.

    10- Entende o Venerando Tribunal que o art.º 107.º n.º 6 do CPP limita-se a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que mesmo havendo reapreciação da matéria de facto, o prazo de recurso não pode exceder os 30 dias. Este entendimento é ilegal e inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, consagrado no art.º 32.º da nossa Lei Fundamental e a segurança e confiança das Decisões dos Tribunais.

    11- Está violado o direito constitucionalmente consagrado ao recurso, tratando-se neste caso do direito a um único grau de recurso, sob pena de violação dos art.º 32.º n.º 1, 20.º e 202.º, todos da CRP.

    12- Daí que não sejam admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente, dificultem excessivamente, imponham entraves burocráticos ou restringem desproporcionadamente tal direito. É exatamente o que está a suceder no presente caso. Um indivíduo foi condenado a 17 anos de prisão pela Primeira Instância (Tribunal Judicial de Mangualde) e por razões adjetivas/processuais erradas e inconstitucionais (por interpretações inconstitucionais das normas), está a ver o seu direito ao recurso coartado, impedindo-se desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior, por um único grau de recurso.

    13- É certo que o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende (nomeadamente, o prazo de interposição). Contudo, também é certo que tais pressupostos e requisitos foram cabalmente respeitados pelo ora recorrente, tendo sempre por base a confiança na tutela jurisdicional e nas Decisões dos nossos Tribunais, mormente na Decisão da 1ª instância que prorrogou o prazo de recurso.

    14- Por isso e em sede interpretativa do citado art. 107.º, n.º 6, e 400.º n.º 1 c) do CPP, afigura-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que, na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegurar de modo pleno as garantias de defesa do arguido. Mas não só,

    15- Sucede que o Acórdão do Tribunal da Relação conhece ex novo da questão. Estamos perante um Acórdão – o Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de maio de 2011 – que decide ex novo a questão da extemporaneidade do recurso, razão pela qual – e em relação a todos os arguidos – não se aplica qualquer uma das exceções previstas no art. 400.º nº 1 do C.P.P., sob pena de violação do direito ao recurso.

    16- Foi o que entendeu a 2.º Secção do Tribunal Constitucional no Ac. 597/00, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal, segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal.

    17- O entendimento dado pelo Supremo Tribunal de Justiça ao...

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