Acórdão nº 0247/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Abril de 2012

Data12 Abril 2012
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1 - RELATÓRIO A…… SA (A…), pessoa colectiva n.º …., com sede na Zona Industrial do …, Rua …, …, Apartado …, Santo Tirso, veio ao abrigo do disposto nos artigos (arts.) 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reclamar do despacho do Senhor Chefe de Finanças que ordenou a constituição de penhor dos seus direitos de crédito sobre clientes.

Pediu a anulação de tal despacho, no que veio a obter provimento por decisão judicial de 23/01/2012.

Notificada a Fazenda Pública de tal decisão judicial vem da mesma interpor recurso para este STA o qual termina com as seguintes conclusões: A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que concedeu provimento à reclamação apresentada e anulou a decisão que ordenou a constituição do penhor de direitos/créditos proferida no processo de execução fiscal n.º 1880201101053493 que corre os seus termos no Serviço de Finanças de Santo Tirso, por considerar tal decisão ferida de vício de forma, por preterição de uma formalidade essencial, consubstanciada na falta de notificação para exercício do direito de audição.

B. Centra-se a questão a decidir na aplicação ou não do princípio da participação dos executados na formação da decisão que ordena a constituição de penhor sobre os créditos que a executada detém sobre terceiros para garantia da divida exequenda, no âmbito de um processo de execução fiscal.

C. Entende a Fazenda Pública que não.

D. O art. 60º da LGT regula o direito de audição que assiste aos contribuintes interessados de serem ouvidos num determinado procedimento antes de ser proferida a decisão, com vista a garantir a real observância dos princípios do contraditório, da participação e da transparência procedimental.

E. A leitura deste preceito revela-nos que o direito de audição aí previsto depende de um procedimento dirigido à declaração de direitos tributários, não se aplicando quando o pedido dirigido à Administração Tributária (doravante, AT) não tiver aptidão para iniciar esse tipo de procedimento.

F. Cumpre ter presente que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, não sendo um procedimento tributário, pelo que, apesar de no mesmo puderem ser praticados actos que não tenham natureza jurisdicional, designadamente actos administrativos, uma vez que ao chefe do órgão de execução fiscal cabe-lhe uma função administrativa, G. o certo é que estamos no seio de um processo judicial e aos seus actos aplicam-se as normas de processo previstas na lei, seja do CPPT, LGT, seja em casos omissos o CPC (ex vi art. 2°, a (. e) do CPPT).

H. Analisadas as regras processuais relativas ao processo de execução fiscal, dada a sua natureza judicial, as mesmas não prevêem o exercício ds direito de audição antes de tomada uma decisão no âmbito do processo de execução fiscal, excepção feita ao acto de reversão, que antes da decisão fundamentada, tal como previsto na lei - art. 23°, n.° 4 da LGT - deverá ser precedido de audição do revertido.

I. Por aqui se vê que as normas do procedimento tributário não são aplicáveis ao processo de execução fiscal, ou seja, no exemplo em concreto, face è ião aplicação do princípio da participação previsto no art. 60º da LGT aos actos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, teve o legislador necessidade de prever expressamente na lei o cumprimento desse principio aquando do acto de reversão da divida exequenda.

J. O art. 60° da LGT respeita a um direito que os contribuintes têm durante o procedimento tributário, procedimento tributário esse que, tal como refere o art. 54° da LGT, onde descreve o âmbito e a forma do procedimento tributário, exclui do mesmo no seu n.°1, alínea h) "A cobrança das obrigações tributárias, na parte que não tiver natureza judicial".

K. O processo de execução fiscal, reitera-se, tem natureza judicial, expressamente reconhecida pelo art. 103.°, n.º 1, da LGT, "sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não têm natureza jurisdicional". Ora, L. O facto de a AT poder praticar no processo de execução fiscal (actos de natureza não jurisdicional não implica que todos os actos por ela praticados naquele processo constituam actos administrativos em sentido estrito, M. Como se tem doutrinado nos nossos Tribunais superiores, designadamente, entre outros, e a título de exemplo, no acórdão do STA de 07.12.2011, proferido no recurso n.°01054/11, que aqui nos permitimos citar: «no processo de execução fiscal, sendo certo que está vedada à AT a prática de actos jurisdicionais, é-lhe permitida a prática quer de actos administrativos de natureza tributária, que respeitam à dívida tributária e integram procedimentos tributários (v.g., a reversão) (...) quer de actos de natureza processual, constituindo alguns meras operações materiais (remessa do titulo executivo ao órgão da execução, instauração da execução) e outros actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional (citação, penhora, venda), cuja prática o legislador pôs a cargo da AT enquanto órgão da execução fiscal, a qual age aí como um mero "auxiliar"».

N. Estes actos judiciais de tramitação processual sem natureza jurisdicional não dão origem a qualquer procedimento de natureza tributária, tratando-se antes de actos praticados pela AT no processo de execução fiscal, enquanto órgão de execução fiscal e em que age como "auxiliar do juiz" no processo de execução fiscal, enquanto responsável pela prática de actos respeitantes à instauração e prossecução da execução com vista à cobrança dos créditos em cobrança coerciva, O. subordinado então às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário e, como tal, deve ficar sujeita às regras do Código de Processo Civil, por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT.

Assim, P. Apenas podemos concluir que a decisão de constituição de um penhor para garantir o pagamento de uma divida em cobrança num processo de execução fiscal, sendo um acto judicial de tramitação processual (de natureza não jurisdicional) sujeito a estritas regras processuais, e não como entendeu o Tribunal a quo, um acto administrativo em matéria tributária, Q. não dá origem a qualquer procedimento de natureza tributária, não tendo assim aplicação o art. 60° da LGT respeitante ao princípio da participação dos contribuintes nas decisões da AT no âmbito de um procedimento tributário.

R. Entender-se de forma diversa, retirar-se-ia qualquer efeito útil aos actos consignados no art. 195.° do CPPT, uma vez que a comunicação prévia poderia originar a subtracção à esfera garantística da administração dos créditos objecto de penhor.

S. Este entendimento tem logo acolhimento na redacção dada ao n.° 5 do art. 195.° do CPPT, nos termos do qual o penhor é constituído com o auto lavrado pelo órgão de execução fiscal, que na ausência do executado, o notifica nos termos previstos para a citação, T. Daí se depreendendo que é manifestamente vontade do legislador apenas notificar o devedor no próprio acto de penhor, ou em caso de impossibilidade, em momento posterior.

U. Transparece assim da redacção daquela norma, de forma clara e inequívoca, o afastamento da regra geral da participação dos interessados antes do acto de constituição de penhor no processo de execução fiscal.

V. Aliás, tal se compreende dadas as características da execução fiscal. Pois, W. "A execução fiscal, dado o seu fim de arrecadação coerciva de dívida ao Estado ou entidades equiparadas, caracteriza-se, em primeira linha, pela sua celeridade (...) [, tendo] este principio geral (...) uma notável premência nesta forma de processo" - cfr. Laurentino da Silva Araújo, Processo de Execução Fiscal, Almedina, p. 27.

X. Como refere, Soares Martinez, in Direito Fiscal, 7.a edição, p. 444, "no processo de execução fiscal está em causa a cobrança de receitas tributárias que visam "a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas" e a promoção da justiça social, da igualdade de oportunidades e das necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento - artigo 5.°, n.° 1, da Lei Geral Tributária." Y. E foi em consonância com o interesse público e a maior celeridade processual, de molde a obter-se a mais rápida arrecadação de receitas públicas a cobrar coercivamente, que o legislador fiscal no processo de execução fiscal regulou integral e imperativamente o regime de cobrança coerciva, não tendo expressamente previsto o exercício de audição prévia aquando da decisão de constituição de um penhor para garantia da divida exequenda, face desde logo à natureza judicial que lhe quis imputar.

Z. Vale isto por dizer que não foi violado qualquer preceito legal que preveja a participação dos contribuintes nas decisões a proferir num procedimento tributário, pela simples razão de que o mesmo não se aplica no caso concreto.

AA. De resto, o processo de execução fiscal como processo judicial que é, permite todos os meios de impugnação próprios dos actos judiciais, garantindo um esclarecido e conveniente exercício e defesa dos direitos do executado, como o presente meio processual - reclamação prevista no art. 276° do CPPT, ou seja, a uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal segue-se o respectivo recurso no caso, reclamação) para o tribunal competente, BB acrescendo ainda a possibilidade do órgão de execução fiscal antes da subida da reclamação apresentada ao Tribunal competente, poder revogar o acto reclamado, nos termos do art. 277.°, n.° 1 e 2 do CPPPT, caso entenda que os argumentos apresentados pelo reclamante são coerentes com uma decisão em sentido diferente.

Destarte, CC. No âmbito de um processo de execução fiscal, impõe-se ao órgão de execução fiscal a decisão de tramitação processual...

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