Acórdão nº 914/07.7TDLSB.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Abril de 2012

Magistrado ResponsávelALMEIDA CABRAL
Data da Resolução26 de Abril de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência (art.º 419.º, n.º 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: 1 – No 4.º Juízo Criminal de Lisboa, Processo Comum Singular n.º 910/07.7TDLSB, onde é arguido A...

, e assistente/recorrente B...

, havendo aquele sido acusado da prática de um crime de “gravações ilícitas”, p. p. nos termos do art.º 199.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, veio do mesmo a ser absolvido, por suposta existência de causa de exclusão da respectiva ilicitude.

Porém, com a referida decisão absolutória não se conformou o assistente, pelo que da mesma interpôs o presente recurso, o qual sustentou na verificação de todos os elementos típicos do crime de “gravações ilícitas”, quer na previsão da al. a), n.º 1, do art.º 199.º do Cód. Penal, quer da al. b), devendo, por isso, ser proferida sentença condenatória.

Da respectiva motivação extraiu as seguintes conclusões: “(…) 1 - Resulta dos factos que o Tribunal a quo considerou provados - grande parte dos quais foi alegada pelo Arguido na sua contestação - que o Recorrido praticou a factualidade típica do crime de gravações ilícitas (artigo 199.º do Código Penal), quer quando (no dia 22 de Janeiro de 2006), sem consentimento, gravou as palavras do Assistente (n.º 1, alínea a); quer quando (no dia 23 de Janeiro de 2006), sem consentimento, entregou a gravação às autoridades, permitindo que estas a utilizassem (alínea b).

2 – O ilícito criminal indiciado pela prática da segunda modalidade de conduta típica entrega às autoridades - não foi afastado pela ocorrência de nenhuma causa de justificação. Nem das causas gerais de justificação presentes na Parte Geral do Código Penal; nem das excludentes da ilicitude dispersas pela unidade da ordem jurídica e particularmente pela lei processual penal.

3 - A gravação e a utilização das gravações para efeitos de processo penal só são legítimas e admissíveis preenchidos que sejam todos os pressupostos - materiais, orgânicos, procedimentais e formais - prescritos nas pertinentes autorizações legais. Que, invariavelmente, fazem depender a validade e a justificação da prévia e insuprível autorização jurisdicional.

4 - A gravação feita pelo Recorrido sem consentimento do Recorrente, no dia 22 de Janeiro de 2006, não está justificada pelo Direito de necessidade, previsto no artigo 34.º do Código Penal. Isto dada a falta, tão patente como insuprível, dos pressupostos nucleares desta causa de exclusão da ilicitude. E, particularmente: “perigo actual”, “sensível superioridade do interesse a salvaguardar” e “necessidade da acção ou do meio”.

5 - Só haveria perigo se o Recorrido decidisse criá-1o, participando na conversa que incorporava o perigo. Se houvesse perigo, ele teria sido voluntariamente criado pelo agente, sendo, como tal, irrelevante para efeitos de Direito de necessidade (alínea a) do artigo 34.º do Código Penal.

6 - A acção típica não era necessária, tendo o Recorrido ao seu dispor o menos gravoso de todos os meios: recusar a conversa. O que lhe permitiria salvaguardar o seu bom nome sem sacrificar o direito à palavra do Assistente.

7 - De acordo com os factos provados, não se pode falar de superioridade do bom nome (do Recorrido) sobre o direito à palavra (do Recorrente). Muito menos se poderia falar da sua “sensível superioridade”.

8 - Deveria e deve, por isso, o Recorrido ser condenado como autor material do crime de gravações ilícitas, p. e p. pelas al. a) e b) do art.º 199.º do Código Penal.

9 - Ao decidir em sentido contrario, absolvendo o Recorrido, a douta sentença violou esse preceito legal e ainda, entre outros, o disposto no art.º 34.º do mesmo diploma.

* O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito não suspensivo.

* Notificado da interposição do mesmo recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva “resposta”, onde, a final, formulou as seguintes conclusões: “(…) 1 - não são de considerar as alegações que versam a conduta tipificada no art.º 199.º, al. b) do CP, por os factos a que o recorrente se reporta não constarem da acusação e porque por eles, que poderiam consubstanciar ilícito autónomo, o assistente não apresentou queixa.

2 - as gravações não autorizadas, admitem causas de justificação para afastamento da ilicitude, cf. defendido pelo Prof. Costa Andrade em comentário ao art.º 199.º in Comentário Conimbricence”, §58, fls 841.

3 - a conduta do arguido não é ilícita porque, como alega o recorrente e consta do Parecer do Prof. Costa Andrade junto aos autos - só as gravações não autorizadas das conversas que são “expressão fugaz e transitória da vida”, são puníveis , desse modo se protegendo a “confiança na volatilidade da palavra bem como na conexão das palavras entre si e com a respectiva atmosfera” (vd. ponto 4 al. a) a fls. 555 das alegações e ponto 4 al. a) do Parecer a fls. 576).

Entendimento que também tem o Prof Eduardo Correia quando defende que só a gravação de conversas que sejam “uma acção comunicativa inocente e autentica”.

4 - a gravação efectuada pelo arguido, em 22/1/2006 não se reporta a conversa que possa ser considerada “expressão fugaz e transitória da vida”, nem inocente.

Pelo contrário, como se verificou das conversas posteriores (24/1/2006 e 27/1/2006) gravadas com autorização judicial, ocorridas também a pedido do assistente, esta gravação é o primeiro acto de um processo corruptivo.

Veja-se para tanto, certidão extraída dos autos de NUIPC 263/06.8JFLSB e que compõe o Apenso 2 destes autos) no âmbito do qual, o assistente foi acusado e condenado pela prática de um crime de corrupção e em cuja decisão tais conversas se encontram transcritas, nomeadamente a fls. 47 do Apenso 2.

5 - face ao contexto em que o arguido actuou: - após telefonema do assistente para o seu escritório pedindo-lhe encontro “fora do escritório para assunto não profissional”, - sendo certo que contra a sociedade representada pelo assistente - a “C...” -, existia acção popular instaurada pelo seu irmão e no qual tinha procuração, o arguido logo desconfiou dos motivos que moviam o assistente, - tendo-o feito prever que com tal iniciativa o assistente visaria uma acção de corrupção atingindo seu irmão, - actuou do modo descrito nos autos por recear o que lhe poderia vir a acontecer no futuro em termos de preservação do seu bom nome.

6 - Não sendo exigível ao arguido pelo ordenamento jurídico globalmente considerado, que face a tais receios não deveria corresponder a tal solicitação, antes lhe devendo ser reconhecido o direito a conhecer as verdadeiras intenções do assistente para melhor defender o irmão, o arguido agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude.

7 - acresce que, tendo o arguido comunicado às autoridades os factos praticados pelo assistente os quais indiciavam um crime de corrupção, para cuja prática ele tinha solicitado a sua colaboração, e fundamentando tais factos com entrega da gravação, entendemos que com a instauração de processo crime no âmbito do qual foi o arguido autorizado a gravar as conversas posteriores, ocorridas também a pedido do assistente, e nas quais sobre o mesmo assunto este falou dos valores a pagar, do modo e do tempo em que os factos por si pretendidos iriam ocorrer, que deve ter-se como sanado – por via da autorização judicial posterior – qualquer vício de que padecesse a gravação a que se reporta estes autos, considerando-se também por esta via que a conduta do arguido não é ilícita.

8 - ponderados todos os factos na vertente objectiva e subjectiva em que ocorreram, bem andou a Mm.ª juiz “a quo” ao considerar que a conduta do arguido estava abrangida por uma causa de exclusão, concretamente a prevista no art 34.º do CP, cujos...

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