Acórdão nº 2965/07-1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução12 de Março de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

IAcordam, em audiência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal colectivo n.º ..., da Vara de Competência Mista de ..., o arguido F... foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio simples, p. e p. pelo art.º 131.º do Código Penal na pena de 10 anos de prisão.

2 - A segunda e terceira testemunhas de acusação apresentadas não falaram com verdade, tendo sido contrariadas no seu depoimento por todas as outras testemunhas apresentadas, não devendo por isso ser relevado o seu testemunho.

3 - Todas as testemunhas de defesa foram peremptórias ao afirmar das agressões e discussões diárias de que o arguido era alvo por parte da sua mulher e filhos.

4 - Essas mesmas testemunhas afirmaram que acreditavam que um dia o desfecho desta história terminaria com a morte do arguido e não o inverso como, infelizmente, veio a acontecer.

5 - Dos factos considerados como provados no douto acórdão ora recorrido estão em contradição com a fundamentação da decisão.

6 - Ao considerar provado, tão só, que se verificava uma violenta discussão entre o arguido e a sua esposa sem determinar quem a iniciara e quem a alimentava - a voz ouvida pelas aludidas testemunhas foi apenas a da mulher do arguido -, uma vez mais o douto Tribunal a quo não tem em consideração os depoimentos produzidos em audiência, sendo que tal erro na apreciação da prova prejudica gravemente o arguido.

7 - O douto acórdão ora recorrido considera como não provado o facto de tanto a mulher do arguido como o filho mais novo terem tentado matar o arguido, cfr. ponto 12 da matéria não provada no douto acórdão ora recorrido. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo fez errada interpretação e valoração bem como existe manifesta contradição entre esta e a fundamentação do acórdão porquanto erra, não valora e entra em contradição no que respeita aos seguintes factos: - o arguido deu entrada por diversas vezes nos centros hospitalares que servem a região de Setúbal o que deu origem a uma longa lista de agressões conseguidas pela esposa com a ajuda do filho H. ... contra o arguido (cfr. ponto 17 a 19 da matéria considerada provada).

- o arguido ficou hospitalizado durante 2 meses após ter sido baleado pela mulher, disparo que lhe provocou ainda uma incapacidade permanente (cfr. ponto 12 e 13 da matéria provada); - o arguido foi agredido pela sua esposa com um pau na cabeça, que lhe provocou um traumatismo craniano (cfr. ponto 14 e 15 da matéria considerada provada); - a mulher do arguido afirmou, perante soldados da GNR, na sexta-feira anterior aos factos aqui sub júdice, que o mesmo não passava dessa noite, razão pela qual o arguido foi levado de casa pelos elementos da GNR, pernoitando em casa de seu irmão, pois estes temiam pela sua vida.

8 - A justa interpretação e valoração dos factos supra descritos apenas permite concluir pela inquestionável vontade da mulher do arguido e seus filhos de causarem, mais tarde ou mais cedo, a morte do mesmo bem como pela prova irrefutável do terror em que o arguido vivia.

9 - O douto acórdão erra ao não considerar e valorar a prova produzida de que, por um lado, durante e após os factos aqui em causa o filho do arguido ter consigo uma arma, e por outro, o facto de o arguido ter visto que a mesma estava para si apontada convencendo-se de que seria disparada logo que saísse da cozinha onde se barricara.

10 - Ora, tendo em conta o que na realidade se passou, a conduta desenvolvida pelo arguido não pode deixar de ser considerada abrangida pelo disposto nos n.ºs 1 e 2, alínea a) do artigo 31.º e 32.º do C. P., normas estas que, na esteira do direito de resistência consagrado no art. 21.º da C.R.P., definem o estatuto da legítima defesa, pois que se verificam todos os requisitos deste instituto, porquanto houve agressão actual, ilegal, não provocada, com o objectivo claro de matar o arguido. O arguido, pelo seu lado, agiu com Animus Defendendi, empregou meio racional e não pode recorrer à força pública.

11 - Entendendo-se, que o ora arguido, devido ao meio utilizado, terá agido com excesso de legítima defesa, tal como dispõe o n.º 1 do artigo 33.º do C. P., o que só por mera hipótese académica se admite, não poderá deixar de se ter em conta o estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo, uma vez ser por demais evidente que, tal excesso resultou claramente da perturbação e medo que do arguido se tinham apoderado, devido às constantes ameaças e práticas da sua esposa e pelo facto de o arguido saber que esta era proprietária de armas, com as quais até já tinha, por várias vezes, baleado o arguido, não podendo, por isso, o arguido ser censurado na sua conduta.

12 - Mas, se dúvidas pairaram sobre a produção da prova destes factos o certo é que cumpria a tribunal dissipar tais dúvidas (uma vez invocada a legítima defesa, como o foi pelo arguido, cumpre a quem julga demonstrar que a mesma não ocorreu) e se as mesmas permaneceram no douto entendimento do julgador deveria ter este, por recurso ao princípio sempre actual e presente do nosso ordenamento jurídica, "in dubio pro reo", ter absolvido o arguido.

13 - Sem prescindir, e face ao disposto no artº 410º, n.º 2 alínea b) do C.P.P., existindo contradição entre os factos provados e a decisão de direito, quanto muito, deveria o arguido ser condenado pela prática de crime de homicídio simples com excesso de legítima defesa (artºs 131º e 33º C.P.).

Sem no entanto conceder, 14 - Se atentarmos na análise da prova levada a cabo pelo Tribunal a quo, mostra-se patente que os factos praticados pelo arguido, foram determinados por uma compreensível emoção violenta, uma conjugação de medo traduzido num desespero, e por um estado de profunda mortificação, que levou o arguido a acreditar que se nada fizesse estaria morto, como já a sua esposa o tinha tentado várias vezes. Assim, a compreensível emoção violenta, o desespero, que o arguido estava a viver naquele preciso momento deve privilegiar a sua actuação pois diminuiu de forma sensível a exigibilidade de outro comportamento.

15 - Deste modo, a não admitir a integração dos pressupostos da legítima defesa o que se não concede, com todo o respeito por melhor opinião, e sem prejuízo do acima dito, entendemos que a sua conduta se enquadra no tipo p. e p. pelo supra citado artigo 133° do C. P. - homicídio privilegiado - e não no tipo p. e p. pelos artigos 131.º deste mesmo compêndio legal, não tendo sequer o Tribunal a quo apreciado os pressupostos que poderiam privilegiar a actuação do arguido, apreciando assim erradamente a prova produzida (alínea c) do n.º 2 do art. 410.º do C. P. P.).

16 - O arguido foi colaborante e prestou um esclarecimento cabal sobre os factos e, desse modo, evidenciou uma personalidade que revela de forma inequívoca que futuramente se pautará por condutas lícitas; é por todos respeitado, pessoal e profissionalmente; sendo certo que um dos irmãos do arguido, a pedido deste, vem dando emprego mesa e cama ao filho mais novo; é absoluta verdade que o arguido gostaria de resolver os problemas que tem com os filhos que sempre ajudou a criar, no entanto não pretende obrigá-los a falar consigo pois respeita os seus sentimentos que, compreensivelmente, serão, pelo menos, contraditório.

17 - O Tribunal a quo considera os factos mencionados no ponto 16 das presentes conclusões, como simples conclusões da defesa, não tendo apreciado quanto a esse ponto a prova que foi produzida em audiência, tanto pelas declarações do arguido como das testemunhas apresentadas.

18 - Assim, e por tudo o acima exposto, o qual se dá por reproduzido, não só existe, no douto acórdão ora recorrido, contradição insanável na fundamentação da matéria de facto considerada como não provada, como entre a fundamentação propriamente dita e a decisão (al. b) do n.º 2 do art. 410.º do C. P. P.).

19 - Existe igualmente no acórdão recorrido erro notório na apreciação, quer da prova testemunhal apresentada em audiência de julgamento, quer na prova documental junta aos autos (al. c) do n.º 2 do art. 410.º do C. P. P.), erro esse que, a inexistir levaria à exclusão da ilicitude da actuação do arguido por este ter actuado em legítima defesa, devendo ser aplicado o art 31.º e 32.º do C. P. e absolvido o mesmo.

20 - Sem prescindir, a ausência do erro notório na apreciação da prova levado a cabo pelo Tribunal a quo, levaria a que a actuação do arguido fosse considerada em excesso de legítima defesa, claramente resultante de perturbação e medo, não devendo por isso o arguido ser punido, cfr. art. 33.º, n.º 1 e 2 do C. P..

21 - Em último caso e por mera cautela, deveriam ter sido apreciadas pelo Tribunal a quo todas as provas que levariam ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo de crime previsto e punido pelo art. 133.º do C. Penal - homicídio privilegiado. Provas essas que existiram e não foram apreciadas e muito menos foi fundamentada a sua não apreciação (al. a) e c) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P.).

22 - O arguido tem 53 anos e sempre foi uma pessoa pacata e humilde, com um estado de saúde que se deplora de dia para dia. Tem uma família de irmãos, cunhados e primos que o apoiam hoje em dia 23 - A prisão efectiva do arguido em dez anos, neste momento da sua vida, não visará uma reinserção social, mas sim um castigo por nunca ter reagido contra as agressões de que era alvo e perante as quais não teve qualquer tipo de intenção de que os resultados fossem os que ocorreram, e este não é o fim último das penas a aplicar e...

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