Acórdão nº 07S4653 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Março de 2008

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução26 de Março de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 29 de Janeiro de 1997, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho contra Empresa-A, S. A., pedindo a condenação da ré: «a) a reconhecer a integral manutenção ab initio do vínculo contratual laboral entre A. e R., com todos os inerentes direitos daquele, designadamente à categoria, funções, vencimento e local de trabalho; b) a pagar ao A. todas as retribuições que ele deveria ter auferido desde a data da declaração rescisória ora a anular e o momento do proferimento da sentença de anulação, [...] as quais [ascendiam] já [...] ao valor de Esc. 500.000$00 x 14 = 7.000.000$00, compensando-se este montante com Esc. 1.250.000$00 que ele recebera da R., e remanescendo assim por pagar, por parte da R. ao A., a quantia de Esc. 5.750.000$00; c) a pagar ao A., a título de ressarcimento de danos morais, o montante de Esc. 8.000.000$00; [...].» Alegou, em suma, que foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Dezembro de 1992, para exercer, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, funções de delegado de informação médica, na área de Évora, auferindo retribuição constituída por uma parte fixa e por diversas prestações regulares e periódicas, sendo que, entretanto, a ré entrou em conflito com o autor, por este manifestar discordância com os métodos e o tipo de actividade desenvolvida pela ré, em particular junto da classe médica, com vista ao incremento da prescrição dos respectivos medicamentos.

Em 2 de Fevereiro de 1996, o director de pessoal comunicou-lhe, de chofre, que, como o respectivo chefe não tinha confiança nele, «iam rescindir o seu contrato de trabalho», e que, se saísse em Fevereiro, receberia 1.250 contos de compensação, se saísse em Março, receberia 1.000 contos, e, se não quisesse sair, «colocavam-lhe um detective, apanhavam-no à primeira falha e punham-no na rua com a alegação de justa causa».

Profundamente convencido de que, se não aceitasse a cessação do contrato de trabalho, acabaria por ser afastado da empresa e sem qualquer compensação, tal como a ré o ameaçara, e convicto de que, se entrasse em conflito com a ré, jamais conseguiria arranjar emprego no sector de actividade, acabou por ser, dessa forma e por tais razões, levado a aceitar a exigência da ré, tendo-se deslocado à sede da empresa, em 6 de Fevereiro seguinte, onde lhe foi entregue, pelo director de pessoal, um cheque no valor de 1.250 contos e dado a assinar um papel, que nem sequer leu, e que aquele director referiu constituir uma simples formalidade, devolvendo, então, os documentos e as chaves da viatura que lhe estava atribuída e o cartão «GALP/frota».

Regressou a Évora em autêntico «estado de choque», e após atenuado o traumatismo psicológico, conseguiu falar com familiares e amigos e foi, então, que, apercebendo-se da trama em que fora enredado, tentou que a ré, pela via negocial, reconsiderasse e possibilitasse uma solução razoável para a situação criada, sendo que a ré manteve-se numa situação de total inflexibilidade.

A ré, ao fazer-lhe crer que o poderia despedir com facilidade, bem sabia que estava a usar um expediente enganatório para o induzir em erro, como efectivamente induziu, e deste modo ínvio obter o acordo de cessação do contrato de trabalho, verificando-se, pois, todos os requisitos do dolo, nos termos do artigo 253.º do Código Civil, e, também, que a declaração de vontade do autor, expressa naquele acordo, está viciada por coacção moral, nos termos do artigo 255.º do Código Civil.

A ré contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pelo autor e alegando que a declaração de vontade do autor integradora do acordo de cessação do contrato de trabalho foi assumida livremente, sem quaisquer constrangimentos e após a ponderação de todas as consequências.

Realizado julgamento, perante tribunal colectivo e com gravação da prova, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré dos pedidos.

  1. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, no qual impugnou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto e sustentou a invalidade do acordo revogatório do contrato de trabalho ajustado entre as partes, sendo que a Relação julgou improcedente o recurso, confirmando a sentença impugnada.

    É contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam, de imediato, a transcrever: «1.ª A matéria de facto dada, apesar de tudo, como provada nos autos não apenas demonstra a falsidade e o completo "esboroar" da inverídica e provocatória tese da Ré, 2.ª Como - ao invés do que erradamente se consagrou nas instâncias - era, e é, mais do que suficiente para conduzir à procedência da acção. Desde logo, 3.ª Estando-se no caso presente e relativamente ao acordo de rescisão perante um contrato ou acordo "rígido" (todo previamente definido e minutado, em exclusivo pela Ré e previamente assinado por esta) e não tendo a mesma Ré cumprido os deveres legais a que estava obrigada (v.g.

    os deveres de comunicação e de informação) é o mesmo nulo e de nenhum efeito, ou pelo menos anulável, 4.ª Sendo certo que já antes da entrada em vigor do Código do Trabalho era inquestionável a aplicação da LCCG aos contratos "rígidos" de natureza laboral.

    1. Esta questão não altera a materialidade dos factos alegados e, logo, não modifica a causa de pedir, podendo e devendo assim ser perfeitamente conhecida e decidida pelo julgador.

    2. Acresce que a matéria de facto provada (v.g.

      factos n.os 30.º a 32.º, 35.º, 39.º, 65.º e 68.º da sentença) demonstra à saciedade que a rescisão do contrato pelo A. foi inequivocamente determinada por comportamentos positivos da Ré, praticados claramente com a intenção de assim obter o afastamento do mesmo A. da Empresa. Ou seja, 7.ª A Ré induziu dolosamente em erro o A. sobre os motivos determinantes da sua vontade e relativos ao objecto do negócio, pelo que a declaração rescisória era igualmente anulável por erro sobre os motivos, nos termos do art° 252.º do Código Civil.

    3. Além disso, a matéria de facto provada também demonstra que a Ré ameaçou ilícita e intencionalmente o A. com um meio totalmente ilegal (o de o despedir com um processo disciplinar, como se provou nos autos, sem qualquer vislumbre de fundamento), com o propósito, alcançado, de obter a declaração rescisória por parte do A. e havendo óbvio nexo de causalidade entre a ameaça e a conduta do ameaçado, 9.ª Pelo que, ao invés do que se consagrou na sentença da 1.ª instância e no Acórdão impugnado, é em absoluto errónea a conclusão de que, competindo ao A. exclusivamente o ónus da prova, este não teria logrado fazer tal prova, pelo que a presente acção deveria improceder.

    4. Todos os factos dados como provados nos autos são assim suficientes para a procedência do pedido.

    5. Além de que factos há que deveriam ter sido dados como provados e erradamente o não foram, e ainda que inúmeros factos instrumentais existem de que o julgador podia e devia ter conhecido, e erradamente nem os considerou.

    6. Acresce que, em obediência ao princípio da justiça completa, própria da jurisdição laboral, a decisão com recurso aos meros princípios formais do ónus da prova configura-se como um último recurso, 13.ª Devendo o julgador esforçar-se por obter uma decisão de acordo com o direito substantivo, subtraindo-o à disponibilidade das partes e evitando que as regras do ónus da prova, como forma de resolução de um "non liquet" probatório, possam representar - como aqui representaram - um recurso de "prima ratio".

    7. Acresce que, interpretada e aplicada como o foi na sentença apelada a norma do art° 342.º do C.C. padece de inconstitucionalidade material, 15.ª Isto porquanto, se assim interpretada e aplicada, tal norma impede que se entenda que quando a prova não for possível ou se torne muito difícil para aquele que, segundo tais regras, teria de a fazer deverá então deixar de impender sobre ele, passando a recair sobre a outra parte (para quem a contraprova é muito difícil), então ela violará, e de forma gritante, os basilares princípios do Estado de Direito democrático, da igualdade substancial e da não denegação de Justiça, consagrados nos art°s 2.º, 13.º e 20.º da CRP, e ainda o do processo justo e, sobretudo, equitativo, consagrado no art° 6.º d[a] CEDH e 10.º da DUDH, 16.ª Tudo isto, maxime quando essa especial dificuldade na produção da prova é - como aqui sucedeu - dolosamente criada pela contra parte, ainda por cima muito mais poderosa do ponto de vista organizativo, material e financeiro.

    8. Ao deste modo não entenderem e consagrarem (como sucedeu com as instâncias), os Tribunais estariam afinal a permitir a impunidade da actuação de entidades patronais tão prevaricadoras quanto habilidosas na propositada criação das próprias circunstâncias que tornam depois literalmente impossível à contra parte, isto é, ao trabalhador perseguido, discriminado e violentado nos seus direitos, a prova dos factos alegadamente constitutivos do seu direito! 18.ª Ora, o certo é que ademais a Ré não provou um só facto contrário a[o]s factos alegados pelo A. relativamente às circunstâncias em que foi levado a assinar o acordo rescisório.

    9. Assim, tendo presentes não só a constitucionalmente necessária inversão do ónus da prova, como toda a panóplia de factos instrumentais inteiramente demonstrados nos autos mas de todo e erradamente desconsiderados pelas instâncias e ainda, apesar de tudo, todo o conjunto de factos dados como provados nos autos, forçoso se torna concluir que, exactamente ao invés do contrário [sic] do consagrado no Acórdão ora impugnado, a presente acção não poderia deixar de proceder ou, no limite, deveria ser ordenada a ampliação da matéria de facto.

    10. Ao decidir como decidiu, confirmando por inteiro a decisão da 1.ª instância, o Acórdão recorrido viola a lei, e designadamente os art°s 5.º e 6.º do RCCG...

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