Acórdão nº 913/07.9TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelSÉRGIO POÇAS
Data da Resolução29 de Março de 2012
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, SA” intentou os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma ordinária contra “BB – COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS HOSPITALARES, LDA”, que foram tramitados, sob o nº 913/07.9TVLSB, pela 3ª Secção da 7ª Vara Cível do Tribunal da comarca de Lisboa, e nos quais, depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença de fls 516 a 577 cujo decreto judiciário tem o seguinte teor: “…Em face a tudo do exposto, o Tribunal julga a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolve a Ré ““BB – COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS HOSPITALARES, LDA”, do pedido contra si formulado pela Autora “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, SA”.

Custas pela Autora. …” (sic – fls 577).

Inconformada com tal decisão, a Autora “AA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Este Tribunal decidiu: «Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, delibera-se revogar a sentença recorrida e, em sua substituição, condenar a Ré no pedido, ou seja, a pagar à Autora a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde a citação até integral pagamento, à taxa legal prevista para as entidades credoras que têm natureza comercial».

Inconformada com o decidido, recorrem a Ré e a Autora para o STJ, Conclui a Ré : A) 0 âmbito do presente recurso de revista limita-se e circunscreve-se à interpretação dada, no Douto Acórdão de que ora se recorre, ao teor da alínea c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 de 03 de Julho concernente à atribuição de uma indemnização de clientela peticionada pela Recorrida à ora Recorrente.

  1. Não estando em causa a exigência, para a obtenção de tal indemnização de clientela, da cumulação dos mencionados requisitos, entendeu-se no Douto Acórdão recorrido que tais três pressupostos se encontravam preenchidos, o que a Recorrente não pode aceitar.

  2. Com efeito, é Jurisprudência unânime nesse Supremo Tribunal de Justiça, quanto ao último dos requisitos que, "..a exigência de que o "o agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes" que angariou, destina-se a evitar uma "duplicação de rendimentos". Ou seja, pretende-se obstar que o agente possa vir a receber, simultaneamente, uma indemnização de clientela calculada nos termos do artigo 34° do Contrato de Agência e as retribuições devidas por contratos que tenha negociado ou concluído, após o termo do contrato de agência. " (...) D)"Como a indemnização de clientela visa compensar os proveitos ou remunerações que o "agente " deixe de receber em virtude da cessação do contrato, não poderá essa indemnização ser atribuída quando o "agente", neste caso, a concessionária, continuou a beneficiar da clientela que "angariou" durante a vigência do contrato. Caso contrário, tornar-se-ia evidente a duplicação de rendimentos. — v.g. nomeadamente Douto Acórdão do STJ in "www.dgsi.pt" de 12.05.2011 proc. n° 2334/04.6TVLSB.L1.S1.

    E)Reportando-nos ao caso "sub judice", consta da matéria definitivamente provada que: Alínea JJJ) - Após a cessação do contrato descrito em C), a "S......" continuou a adquirir produtos da Ré e a vendê-los aos seus clientes, bem como a Autora, após a fusão mencionada na alínea D) (resposta aos quesitos 53° e 54°).

    Alínea LLL) - Em relação aos "productos tradicionales", a "S......" passou a fazer a promoção directa junto das farmácias, o que até então não sucedia, (resposta ao quesito 56°) F) Resulta do exposto que: - a Recorrida continuou e continua a comprar produtos à Recorrente, num valor substancial, conforme se extrai dos documentos juntos ao articulado de contestação, - continuou e continua a vendê-los aos seus clientes; - quanto aos "productos tradicionales" passou, inclusivamente, a fazer a sua promoção directa junto das farmácias.

  3. Como consequência de tal matéria provada, consta da Douta Sentença da Primeira Instância que, "por "retribuição" tem que entender-se qualquer provento proporcionado pela anterior actividade de angariação de clientela, pelo que se a "S......" e a Autora continuaram a auferir lucros em resultado dessa actividade, encontra-se excluído o direito à pretendida indemnização", entendimento este na esteira, aliás, do proferido no Douto Acórdão desse Supremo Tribunal supra mencionado.

    H)Mais referindo a Douta Sentença da Primeira Instância que "Perante esta factualidade, é manifesto que a "S......" e a Autora, após a fusão, continuaram a concluir negócios com os clientes angariados, após a cessação do contrato"..."Continuaram a comercializar os produtos em causa mas agora num mercado aberto"... "Perderam a exclusividade da venda dos produtos, é certo, mas tal não significa que subsista um direito a uma indemnização de clientela ".

    I)Concluindo e bem, pela improcedência da acção por não estar preenchido a alínea c) do supra referido preceito legal.

    J)A verdade porém é que o Douto Acórdão ora recorrido tem um entendimento e uma interpretação do aludido normativo que, no modesto entender da Recorrente, não encontra "eco" nem na letra nem no espírito da Lei.

    K)Com efeito, no Douto Aresto em crise é referido que "o requisito legal em causa se terá por preenchido se nenhuma prestação remuneratória for percebida pela Autora por referência a contratos celebrados pela Ré, após a cessação do vinculo contratual que entre ambas as partes foi criado com a celebração do contrato descrito no ponto 3.C) do presente acórdão, com clientes angariados pela sociedade demandante. " L) Pelo que se depreende, o entendimento aqui vertido é substancialmente mais vasto e ambíguo do que o que resulta da letra da Lei, que é assaz restritiva, nem tão pouco encontra acolhimento na Jurisprudência dominante.

  4. Em bom rigor, não resulta da Lei que o "agente" tenha sempre de receber um pecúlio pelas vendas realizadas, no caso em concreto, pela Recorrente, a clientes por aquele angariados, no âmbito de um mercado livre, para que a ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 pudesse ser afastada.

  5. Na verdade, a Lei com esta norma pretende acautelar situações que, na prática, impeçam o agente de aceder ao mercado que desenvolveu, ficando a contraparte com os frutos resultantes do seu trabalho.

  6. E não situações de "duplicação de rendimentos" em o que o "agente" continua a adquirir e a vender os produtos da Recorrente mas, conforme resulta da Douta Sentença da Primeira Instância, em "mercado que ficou aberto ".

  7. Daí que a própria norma refira expressamente a necessidade do agente deixar de receber qualquer (sublinhado nosso) retribuição, ou seja, situações em que o mercado é pura e simplesmente retirado ao "agente".

  8. Ou seja e "a contrario", se o agente continua a receber retribuições, se o mercado se torna livre, é evidente que a aludida ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 não se encontra preenchida como bem entendeu, repita-se, a Meritíssima Juiz da Primeira Instância.

  9. Acresce que não consta de qualquer alínea da matéria provada que a Recorrente tenha por qualquer forma ou meio impedido ou tentado impedir a Recorrida de continuar com o seu trabalho no mercado em análise, mormente aplicando-lhe uma política de preços desfavorável ou restringindo-lhe as suas encomendas e consequentes vendas.

  10. Pelo contrário, como é aliás reconhecido no Douto Acórdão de que se recorre "..a Ré comportou-se com lisura no cumprimento do contrato que firmou com a ora apelante (por exemplo, não celebrando contrato de exclusividade com uma qualquer outra empresa concorrente da Autora ou mesmo com uma nova sociedade que pudesse ter sido constituída após a extinção dos efeitos do contrato celebrado entre as partes em litígio)." T)Importa ainda referir que da matéria provada não resulta de nenhuma sua alínea, que os clientes nela elencados tenha sido angariados pela Recorrida, com efeito, os clientes em causa já pertenciam à Recorrente anteriormente à celebração do contrato de distribuição exclusiva.

  11. Daí que as próprias alíneas BBB) e DDD) da matéria provada, as quais contêm a base da motivação constante do Douto Acórdão ora recorrido, em momento algum referem que os clientes em causa foram angariados pela Recorrida.

  12. Desta forma, a referência a fls. 14 do Douto Acórdão em crise, a clientes "angariados" pela Recorrente, exorbita de forma evidente a matéria provada.

  13. E a comprová-lo está o teor das alíneas S) e T) da matéria provada: "A Ré comercializava com todos (sublinhado nosso) os distribuidores do ramo das farmácias existentes no mercado desde, pelo menos, 1991, os produtos descritos na alínea P)." "Aquando da celebração do contrato celebrado em C), a Ré tinha uma quota de 20% a 30% do mercado de distribuição de produtos de penso e material de pensos".

  14. Assim, a Recorrente, uma vez findo o contrato de distribuição exclusiva, voltou a vender aos armazenistas a quem já vendia desde, pelo menos, 1991 até 1999, data da celebração do mencionado contrato.

    Y)Face ao exposto, terá também de "cair pela base" o Douto entendimento perfilhado no Acórdão ora recorrido, dado que a Recorrida não angariou qualquer cliente à Recorrente.

    Z)Consta do ponto 4.3.4. do mesmo Douto Acórdão que a indemnização de clientela a fixar é de €: 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros), porém, no ponto imediatamente seguinte é a Recorrente condenada em €: 90.000,00 (noventa mil euros), facto que não se entende e que torna a decisão contraditória igualmente quanto ao valor em causa.

    A.A.) Face ao exposto, mal estiveram os Meritíssimos Desembargadores "a quo" ao darem provimento parcial ao recurso de apelação interposto pela ora Recorrido, violando em consequência a supra mencionada ai. c) do n° 1 do artigo 33° do D.L. n° 178/86 de 03 de Julho.

    Assim, dando V. Exas., Venerandos Conselheiros, provimento ao presente recurso, estarão V. Exas. a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT